31 de dezembro de 2019

Açores primeiro



SATA sempre! São duas parangonas que jamais olvidaremos. Não se cumpre a Autonomia dos Açores sem a SATA e as suas ligações regulares entre ilhas. Na verdade a companhia aérea regional é um instrumento fundamental de coesão social e territorial e tal como as mais amplas ou simples liberdades só sentiremos a sua falta depois de a perdemos. Por isso, tal como é obrigação de cidadania promovermos as liberdades coletivas e individuais, é dever de cidadania promover e defender a nossa companhia aérea. Na passada semana, confrontados com uma greve, absolutamente legitima até mesmo pelo “timing” e com a massa salarial ameaçada por uma ave de arribação que foi logo dizendo que “ vai doer”, a conjugar com um final de Outono em transição para o Inverno dos mais tempestivos dos últimos anos, foi notável o esforço hercúleo que trabalhadores de terra e do ar fizeram para garantir que todos chegariam aos seus destinos a tempo de passar o Natal junto daqueles com quem desejavam estar. Fomos os primeiros, entre os portugueses, a ter uma companhia de aviação e saibamos manter este importante instrumento sempre ao serviço de todos os açorianos e não dos interesses apenas de alguns.


In Jornal Açoriano Oriental, edição de 30 de Janeiro de 2019

26 de dezembro de 2019

Fui ao Mar...



Buscar Laranjas” … Mas só encontrei tangerinas. Perdido nas páginas da poesia de  Pedro da Silveira, recentemente editada pelo Instituto Açoriano de Cultura e cujo título achei delicioso,  não resisti a completar o mesmo com um tema natalício. O Natal açoriano, católico, conservador, reserva aos aromáticos citrinos um lugar especial ao lado do trigo e da ervilhaca. Junto ao Menino, deitado numa almofada de damasco, deixam-se as mais bonitas tangerinas. Nunca soube o significado deste costume, mas também não é isso que interessa. Importam sim, as palavras de Pedro da Silveira no seu magistral poema intitulado “gazetilha” que calha bem nas nossas “guerras2 pelos assuntos do mar e dos foguetões.

 “A liberdade que sei
E tenho por minha lei
Senhores políticos de Lisboa
Temo que não seria essa de que vos fazeis promessa
Tão géneros tão boa… gato escaldado (demais insulano dos Açores)
Fazem-me suar terrores
As liberdades plurais
Desde russas a francesas
Em traduções portuguesas
Chamem-lhes só liberdades
E a vossa
Pois seja a vossa vontade
(…)
Adeus passem muito bem
Senhores filhos da mãe."



In jornal Açoriano Oriental edição de 24 de Dezembro de 2019

Painel_Económico

Correio económico - Quais os factos mais relevantes ocorridos em 2019 nas áreas económica e política nos Açores?

Nuno Barata - A relevância económica de alguns factos ocorridos ao longo de 2019 traduz-se muito facilmente num discurso sobre o crescimento. Na verdade, este foi o ano em que a economia dos Açores mais cresceu, contrariando o abrandamento do PIB de 2018. Certamente a indústria do turismo tem uma enorme responsabilidade neste crescimento da economia e na ligeira baixa do desemprego. No entanto, este foi também o ano em ficamos a saber que a pobreza nos Açores aumentou muito significativamente em especial na Ilha onde foi criada, supostamente, mais riqueza. Este facto, confirmado por números irrefutáveis, vem confirmar o que venho a dizer quer aqui neste painel quer em outros fora ou espaços mediáticos em que tenho participado. O desenvolvimento insustentável mas sustentado constrói ilusões que tarde ou cedo virão denunciar a decadência das contas públicas e um galopante aumento das desigualdades sociais e exclusão dos mais pobres. Infelizmente os montantes de despesa de capital das empresas não se reflete no aumento do VAR e por isso não é possível remunerar melhor a força de trabalho nem sequer a qualificar da melhor e mais eficaz forma.
Do ponto de vista político o ano de 2019 fica marcado mais uma vez pelas conclusões  do Tribunal de Contas sobre  a conta da Região e à leviandade com que são tratadas as sucessivas e recorrentes recomendações daquele órgão de soberania.
2019 Fica ainda marcado pela perca incalculável e prematura de um dos mais promissores políticos dos Açores, um dos poucos com dimensão nacional e internacional. Seria muito injusto não lembrar nesta hora de balanço a partida do André Bradford, o Homem, o pai e marido, o humorista, o escritor, o melómano mas sobretudo o político nesta fase em que a humanidade carece de mais políticos e menos tecnocratas.


In jornal Correio dos Açores edição de 20 de Janeiro de 2019, suplemento Correio Económico.

18 de dezembro de 2019

Selvajaria



Mais uma vez as claques organizadamente desorganizadas, sem Rei nem roque, gente sem dono, tomaram conta de Ponta Delgada e fizeram o que menos se espera, ou talvez não, de um grupo de adeptos desportivos. Vandalismo quanto baste e apelo à violência. A prática desportiva, mesmo que de alta competição e negócio económico e financeiro, pressupõe bons hábitos. A estada do Santa Clara, ou de outro qualquer clube dos Açores, na linha da frente do futebol português é uma enorme valia para a indústria do turismo, quer em termos de notoriedade de um destino que está em construção quer em termos de captação de fluxos de viajantes em épocas de menos procura. Ao que me parece, de tantos planos e projetos, quem nos governa pretende desenvolver essa indústria nos Açores de modo a que venha ocupar o espaço económico que se vai esvaziando com a perca de rendimentos do sector primário e a incapacidade de desenvolver o terciário sem ser pela via dos serviços prestados a quem nos visita em lazer. Da parte de quem vem fruir do que é nosso, exige-se que seja mais civilizado, sob pena de tanta selvajaria criar anticorpos na sociedade Açoriana.


In Jornal Açoriano Oriental, edição de 17 de Dezembro de 2019

16 de dezembro de 2019

Reserva é reserva.


Há uma razão de peso, que na verdade encerra em si mesma várias outras ponderosíssimas razões, para não permitir a construção do miradouro e do subterrâneo na cumeeira da Lagoa do Fogo, chama-se: Sustentabilidade. Este projeto não garante um único dos principais parâmetros da sustentabilidade, são eles o económico, o social e o ambiental.
Do ponto de vista económico este é um projeto sem retorno direto, ou seja só gera gastos (custo) não gera ganhos (lucros) como tal não é sustentável economicamente.
Se atentarmos à questão social até podemos admitir que o mesmo alimente alguns egos, mas na verdade não há ganhos sociais, bem pelo contrário, vai gerar algum emprego temporário na altura da implementação e da construção mas posteriormente essa motricidade social morre pela base.
Da ótica da sustentabilidade ambiental nem se fala, não há qualquer tipo de benefício, bem pelo contrário. Este projeto ao desenvolver-se numa área da Rede Natura 2000 deveria ter tido em consideração a movimentação de terras necessária, a questão dos solos no local e a sua instabilidade e permeabilidade ou impermeabilidade bem como a existência de biótipos diversos. Promove, além do mais, a betonização de uma área considerável para estabilização do talude e cria condições, ao invés do anunciado, para o aumento da carga humana no local. Não são usados materiais autóctones, aliás a esse respeito tem havido uma enorme falta de respeito, transversal à sociedade açoriana.
Há muito para fazer na reserva Natural da Lagoa do Fogo, muitíssimo mesmo, poderia começar por um projeto de irradicação das gaivotas por exemplo, um caso de saúde pública, ou até por uma fiscalização efetiva do uso da cratera e da sua área molhada, coisa que não existe, fiscalizar nesta Região é um eufemismo. Podiam mesmo proceder à limpeza de infestantes na zona, mas não, tudo isso dá trabalho e não mostra factos transformáveis em votos, ao invés os governantes “facilitistas” promotores de notícias em vez de gestores da coisa comum, preferem fazer o que tem sido costume, derramar dinheiro que é o mesmo que dizer betão em cima de tudo e de todos.
Toda a zona entre os Foros da Ribeira Grande e os Remédios da Lagoa, é propícia a ter controlo de acessos e tem atrativos suficientes para se implementar um sistema de shutllle hop on hop of, esse sim capaz de garantir o controlo de acessos e a pressão sobre o local, não apenas de pessoas mas principalmente de viaturas, criaria emprego, valor acrescentado e sendo usados autocarros mesmo que convencionais o ganho ambiental seria brutal. No mesmo trajeto e pagando sempre o mesmo bilhete, que nunca poderia ser barato, o utilizador pode fruir de, pelo menos, quatro paragens com potencial turístico, a saber: Caldeira Velha; Miradouro da Lagoa do Fogo; Miradouro do Pico da Barrosa; Trilho da Janela do Inferno. Isso para citar apenas aqueles que já são utilizados pois se quisermos podem ainda falar da subida do Pega-Cão, dos Cachaços; da volta à lagoa pela zona do Pico da Vela, Lombadas e muitos outros que não são massificados mas que importa ir dando a conhecer para efetivamente se aliviar as zonas onde é efetivamente perniciosa a pressão humana.
Não está em causa a qualidade nem do projeto nem a opção estética, está em causa a Lagoa do Fogo, uma das nossas “Galinhas dos Ovos de Ouro” que este governo está a correr o risco de matar ainda antes dela por o primeiro ovo.


In, Jornal Diário dos Açores, edição de 15 de Dezembro de 2019

Sustentável?

Para falarmos de um destino turístico sustentável, temos que começar pelo princípio. Serão os Açores um Destino Turístico? Mesmo admitindo que sim, o que não é líquido, dissequemos o conceito de sustentável. A sustentabilidade avalia-se, com seriedade, por três vetores: Sustentabilidade Económica, Social e Ambiental. Do ponto de vista económico o “destino” assenta em camas, carros e restaurantes construídos e comprados com fundos da União, ou seja é mais sustentado do que sustentável. Do ponto de vista social, o “destino” representa uma ínfima parte dos empregados mas dessa ínfima parte fazem parte a maior parte do precários e dos mais mal pagos, estão aí em estatísticas (PISA) ainda recentes os números da pobreza no dito “Destino Sustentável”. Mas, do ponto de vista da sustentabilidade ambiental, a coisa torna-se do domínio do risível. De facto os turistas poluem pouco, já os “locals” são uma raça pouco dada a cuidar do ambiente, a título de exemplo: No último Domingo fui, como costumeiramente, caminhar com uns amigos pelas “entranhas” da ilha de São Miguel, no regresso ao carro, só nos derradeiros quilómetro e meio, juntamos uma saca de ração abandonada que enchemos com lixo. Haja saúde.

In Jornal Açoriano Oriental, Edição de 10 de Dezembro de 2019

E a tropa?


É indiscutível que as Forças Armadas Portuguesas têm uma excelente comunicação. No caso do apoio às populações afetadas pelos efeitos do furacão Lorenzo isso foi bem notório. 
Passados estes meses todos, os canhões foram-se da ilha, o C-130 já nem tem verba para a “benzina” e o navio de apoio jaz no Alfeite. É agora, no Inverno, na época mais sensível para a Ilha que devíamos estar a ouvir falar da tropa e do estado. Não daquela tropa que chegou e partiu depois de ter conseguido dez noticias boas. Não daquele estado que acha que resolve tudo anunciando milhões da União Europeia como se fossem seus. Mas sim daquele estado que usa bem os milhões no apoio às populações que mais precisam. Eu, assutado com o que estava a ver, avisei os Florentinos para se porem em sentido, fui mal interpretado, é costume, talvez por ser “japonês”. Acontece que a tropa fez dez e anunciou cem e todos os dias saiam notícias sobre tropas a desembarcar, sacas de batatas a chegarem à Ilha, um ror de coisas chapadas nas páginas dos jornais. No fim, nem o gasóleo era de qualidade que pudesse ser usado



In Jornal Açoriano Oriental, Edição de 3 de Dezembro de 2019

26 de novembro de 2019

Património?


Parece que é Doutor em Ciências Sociais, não tenho bem a certeza porque andei a buscar na rede e não encontrei senão algumas, poucas,  referencias soltas. Francisco Sarmento dirige o escritório da ONU para a Agricultura e Alimentação (FAO) em Portugal e na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) desde 2016 e esteve na passada  semana na Ilha Terceira onde deve ter dito coisas lindíssimas mas, como de costume, pouco uteis para quem se levanta de manhã cedo e se deita de noite tarde na luta diária (365 dias no ano) para pagar as contas, cada vez mais difíceis de pagar. Num congresso de Agricultura repleto de fatos escuros e gravatas contrastantes, com pouca gente que vive de trabalhar a terra e  muitos que vivem de falar disso ou de  canibalizar o sistema com os seus produtos milagreiros ou com as suas estratégias comerciais encapotadas de cooperativismo e associativismo, essa criatura terá alvitrado a hipótese de candidatar a Agricultura Açoriana a Património da Humanidade. Essa gente não sabe mais o que dizer para cair nas graças de quem a mantém de barriga cheia. Deixem de convidar gente dessa, por favor, pela nossa saúde mental.


In Jornal Açoriano Oriental edição de 26 de Novembro de 2019

22 de novembro de 2019

Sou



Cantarolava uma musica do Zeca:

"Quero ver o que Terra me dá/Ao romper desta manhã/O poejo, o milho e o araçá/A videira e a maçã (...)" devia estar a fazê-lo com tanta afinação que alguém ali perto exclamou,: afinal também sabe cantar. 

-Sim gosto de cantar mas não o faço mais amiúde por vergonha, disse timidamente.

- Vergonha? Mas qual vergonha, até canta bem!

-É por isso mesmo, disse eu,  para não dizerem: Porra também cantas?

Mais adiante, num  ambiente completamente diferente onde eu ia cansado, esfomeado, quase zangado mas cantarolando  desta feita um poema do incontornável António Melo Sousa musicado pelo não menos incontornável Luís Bettencourt,

 "Esta rosa que te ofereço,
é um dom que não tem preço
é a flor que em mim plantaste.
São pétalas são espinhos
que enfeitam os caminhos
do coração que assaltaste.
Há um jardim em teus olhos
feito de ternura aos molhos
e encantos de promessas…
hei-de ser o jardineiro
que cultiva a tempo inteiro
esse canteiro de esperanças.
Virão chuvas, virão ventos,
virão temporais aos centos
pra murchar nosso desejo,
esperaremos pelo Sol
como quem busca o farol
que anuncia o novo porto,
navegaremos os medos
como quem desfaz enredos,
que a vida sem aventura
é pássaro sem ninho,
é uva eu não dá vinho,
é um mal que não tem cura.
Esta rosa que te ofereço
é um dom que não tem preço
é o amor que em mim plantaste.

Perguntou-me alguém em quem eu quase esbarrava: Quem és na verdade Nuno Barata, que ontem eras atleta de maratonas, hoje cantas o amor e amanhã serás agricultor depois da missa.
Entrei no café Royal, o Pedro serviu-me um café entre duas piadas de circunstância e veio-me à cabeça o Jorge Luis Borges:

"(...) somos aquilo que comemos, sem dúvida, mas também somos cada livro lido, cada história vivida nesse mar de letras e cada sensação experimentada ao longo de mil e um romances(...)"

Sou todos os livros  que li
Sou todos caminhos que percorri
Sou todos os amores que vivi
Sou um somatório
Sou matemática portanto.

19 de novembro de 2019

Açores Primeiro



No plano teórico repensar as politicas e planear o futuro são uma obrigação de todos os partidos, corporações e até dos cidadãos, tenham eles mais voz ou menos voz, mais palco ou menos palco. Nesse sentido faz toda a diferença quem promove o debate saindo da sua “zona de conforto”, de quem simplesmente não o faz por mero comodismo. Faz bem, por isso, o Partido Socialista em trazer à liça as questões que incomodam os açorianos por forma a traçar novos rumos. Foi assim que fez em 1995 António Guterres com os chamados Estados Gerais e assim fez Carlos César com a Nova Autonomia de 1996, dois movimentos que envolveram as elites nacionais e regionais (muitos independentes) com o intuito de quebrar os ciclos longos de governação do PSD esgotado de ideias e envolto em escândalos. Ora a diferença para este novo movimento está desde logo na falta das elites, mas até dou de barato que as escolhas feitas sejam as possíveis o que já é mais difícil de perceber é qual é o ciclo que o PS-Açores pretende quebrar? Senão o seu próprio ciclo longo de quase 24 anos de poder.



In Jornal Açoriano Oriental, edição de 19 de Novembro de 2019

14 de novembro de 2019

O bodo.

Estamos a entrar naquela altura do ano em que os privilegiados e até alguns mais remediados que aspiram alcandorar o “next floor” do elevador social, se agrupam, associam, organizam para como dizia alguém “jantarem lagosta para angariar fundos para oferecer massa aos pobres”. Fazem tudo isso acompanhado da mais elementar propaganda “marketista” e vão todos, muitos pelo menos, nessa cantiga. Esta é, de facto, uma época em que nos sensibilizamos um pouco mais com a pobreza, com a infelicidade e com a solidão do próximo mas isso não dá o direito de nos refastelarmos enquanto desejamos uns pacotes de arroz, massas e ou um mero “cabaz” com uns figos passados e uma garrafa de vinho do porto de 5ª categoria. A caridadezinha, como lhe chamava o “reviralho” que o estado social emergente dos anos setenta do século passado tanto criticou e tentou acabar, afinal não deixou de existir, apenas se passou a chamar “solidariedadezinha”. A diferença na prática é, no entanto, abismal, é que a caridade católica de então seguia os ensinamentos de Mateus (6:3) “(..), quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita". 
Hoje tocam trombetas.

7 de novembro de 2019

Esvaziar.



Dentro do PSD cabe uma panóplia de militantes que vai desde os mais convictos social-democratas quase socialistas até ao mais radical dos reacionários da velha direita passando pelos desambientados liberais que encontraram em Passos Coelho um Porto de Abrigo. Com o advento de Rui Rio ficou claro: não há lugar aos liberais e muito menos aos radicais que, equivocados, permaneceram na esperança de um dia o PSD ser um partido de direita. São estes os militantes que apoiam André Ventura e o CHEGA, foram os primeiros a tomar a decisão de abandonar o partido e conseguiram eleger um Deputado nas últimas legislativas. O discurso mais amolecido mas contundente do líder do CHEGA, nos últimos dias, fez com que muita dessa gente envergonhada viesse para as redes sociais apoiar o então proscrito radical populista de direita e quase o transformam numa espécie de herói nacional que tem a coragem de dizer em voz bem clara e inequívoca o que muitos pensam apenas no mais íntimo dos seus silêncios. Apesar de me manter um liberar e achar que o caminho é o do liberalismo, prevejo um grupo parlamentar do CHEGA na próxima legislatura. 

31 de outubro de 2019

Postal para as Flores


A imagem pode conter: céu, nuvem, oceano e ar livre

Foto Frederico Fournier

A situação na ilha das Flores e por inerência no Corvo, é equivalente a um "Estado de Guerra". Se a oposição não percebe isso então não percebe coisa nenhuma e se os Florentinos esperam um regresso breve à normalidade, então estão redondamente enganados até porque isso além de ser impossível comprovaria que não precisam de porto para coisa nenhuma.
A hora é de contenção, racionamento, boa gestão de recursos e menos retórica e eloquência oratória. Não exportem gado, comam-no; Não importem ovos, importem galinhas; Não lastimem a adversidade, transformem-na em oportunidade; Aproveitem para desenvolver pequenas economias familiares; Regressem às hortas, à enxada e às sementes em lugar dos legumes congelados; Comam peixe fresco em vez de o exportarem; Cuidem-se como sempre souberam fazer e não descansem à espera que alguém (não se sabe quem) resolva tudo. Essa solução não vai chegar tão cedo porque não existe e não é avisado tomar medidas precipitadas.

30 de outubro de 2019

Eça ou Camilo?


Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, é o nome completo do filho de algo que Camilo Castelo Branco escolheu para retratar de forma magistral o deslumbramento dos políticos de província ao chegarem à capital do então Reino ainda de aquém e além-mar. Entre nós, as quedas dos anjos tal como camilo descreveu são algumas. No entanto, ao invés dos longínquos dias de 70 do século XIX, eles já não vêm só da província que continua a existir neste pais que teima em não descentralizar. Eles, os calistos Elói de agora, vêm de todo o lado e até mesmo dos subúrbios da grande Lisboa. Nos cafés, sejam eles no sentido literal do termo sejam eles os grupos que pululam pelas redes sociais, o Parlamento é o motivo de chacota primeiro. Como escreveu Eça, também em XIX,” diz-se mal da câmara em toda a parte. Os jornais mais sérios falam da sua improdutividade. Ela é considerada como um sórdido covil de intrigas(…) uma farsa (…) uma feira”. E o que há de diferente hoje? A farsa é a não representatividade do seu Povo, a feira vamos ficar a saber com a discussão do primeiro Orçamento de Estado.

In Jornal Açoriano Oriental, edição de 29 de Outubro de 2019

22 de outubro de 2019

Indignado

Estou, de veras, indignado com as notícias que fui conhecendo em volta das eleições para as mais diversas associações de estudantes das escolas portuguesas. A malta lá nos liceus perdeu a noção das coisas? Há interesses externos às escolas envolvidos nesses atos eleitorais? Esses interesses vão para além das juventudes partidárias como aconteciam há uns anos? Para além do Toy que cobrava 20 euros por cada vídeo de apoio a determinadas listas, há outros artistas no mercado? Tudo perguntas para as quais não consegui obter resposta mas que adoraria ver respondidas. Uma lista numa escola aqui ao lado, onde frequenta o 8º ano o meu filho mais novo, consta que tinha um orçamento de campanha a rondar os 7000,00€ (sete mil euros), um valor absolutamente extraordinário para o caso. Como é possível termos chegado a este ponto? Raves, concertos, T-Shirts e outros brindes fizeram parte do cardápio da dita lista concorrente. Resta-nos continuar a acreditar na nossa juventude, a lista em causa não ganhou as eleições que foram ganhas, embora tangencialmente, por uma outra encabeçada por um conhecido piloto de motocross que “vendeu” uma imagem de preocupação com o meio ambiente. Retomamos a esperança, indignados.

In Jornal Açoriano Oriental edição de 22 de Outubro de 2019.

Face a face

FACE A FACE!.... com Nuno Barata Almeida e Sousa




1 – Descreva os dados que o identificam perante os leitores!

Sou um irrequieto cidadão, especialista em generalidades de 53 Anos, casado e pai de 3 filhos, duas meninas e um menino.

2 – Fale-nos do seu percurso de vida no campo académico, profissional e social?

Ao longo deste mais de meio século de existência tenho feito muitas coisas e algumas delas bem diferentes mas todas complementares da minha formação como individuo e cidadão. Fui Professor provisório sem habilitação própria mas suficiente de Trabalhos Oficinais, Comissário de Bordo da SATA, Bancário no BCA, administrativo e Secretário-geral da APASA-Associação de Produtores de Atum e Similares dos Açores, empresário, agricultor, pescador, armador, construtor civil, cabouqueiro, madeireiro, animador turístico e mais uma ou outra coisa que posso estar a esquecer-me. Nutro pelos especialistas uma enorme admiração, jamais seria capaz de me especializar em alguma coisa, é como viver sempre no mesmo lugar, comer sempre a mesma ementa. O mundo não avança sem imaginação, alteração de regras, guerras e convulsões. A estabilidade significa letargia e isso é uma coisa que me incomoda muito.
Licenciei-me tarde, por via também dessa inquietude, estudei Estudos Europeus e Política Internacional e apenas depois de ter feito várias tentativas noutros cursos que acabei sempre abandonando. No entanto, a área de estudo que mais me apaixona é a Filosofia dai ter frequentado um Mestrado em Filosofia Contemporânea, Ética, Valores e Sociedade cuja parte curricular terminei com muito bom aproveitamento. Mas, tenho adiado a entrega da tese dedicada a uma problemática muito atual, tão atual que não consigo parar de escrever sobre ela: Terrorismo e Guerra Justa na esteira do pensamento de Michael Walzer. Cada vez que releio a tese entendo acrescentar mais um capítulo.

3 – Como se define a nível profissional?

Sou o tipo de pessoa a quem se pode sempre exigir mais um bocadinho. Isso faz de mim aquilo a que se chama um workaholic, mas não faço sacrifícios em ir trabalhar todas as manhãs, gosto de trabalhar. Não faço nada primorosamente bem feito, mas sou capaz de, profissionalmente, fazer quase tudo e arranjo sempre tempo para fazer mais qualquer coisa. O meu pai dizia que quando precisava de ajuda pedia sempre a quem estivesse muito ocupado, quem tem tempo livre é porque não sabe fazer nada. Para se ter sucesso profissional (seja lá o que isso for) há duas vias: ou fazer coisas ou portar-se como um relógio parado que duas vezes ao dia está certo. Eu prefiro errar mas fazer, decidir e prosseguir com as decisões apesar de já me ter saído muito caro decidir erradamente. Hoje, há cada vez menos margem para errar, a intolerância é enorme, daí que muita gente opte por ir na corrente e deixar-se levar pela espuma dos dias na esperança de que o relógio esteja certo às zero e às doze horas.


4 – Quais as suas responsabilidades?

A minha principal responsabilidade é alimentar, proteger e educar a minha família. Para isso, tenho que desenvolver uma atividade profissional que exige de mim muita disponibilidade e dedicação e gosto muito do que faço neste momento. Sou o responsável por um gabinete na Portos dos Açores SA que gere toda a atividade operacional não portuária na área de jurisdição de São Miguel e Santa Maria e tenho desenvolvido algumas ações no campo do marketing num esforço de manter e promover a notoriedade do destino Açores, nomeadamente na promoção da náutica de recreio. Esse trabalho tem-me dado uma enorme satisfação e tem trazido para a Região um crescente número de turistas náuticos. Esse conjunto de iniciativas tem sido muito gratificante tendo em consideração os resultados muito satisfatórios atingidos.

5 – Como descreve a família de hoje e que espaço lhe reserva?

Eu tento, faço mesmo um esforço, para acreditar que a família continua sendo um núcleo fundamental das sociedades contemporâneas tal como foi da construção das sociedades modernas e pós-modernas. A família hoje não é a mesma família tradicional que até finais do século XX nós conhecemos. Não quero com isso dizer, nem sequer pensar, que as famílias diferentes de hoje são piores ou melhores do que aquelas em que a minha geração cresceu, bem pelo contrário, é fundamental que os indivíduos preservem as suas diferenças, e como membros de uma família que no seu seio preservem também essas idiossincrasias. Temos todos que fazer um esforço para compreender a diferença, tolerar a deficiência e promover a equidade o que é bem diferente de defender a igualdade. O que é diferente na essência jamais será igual, mesmo que a retorica dominante insista nessa narrativa. Eu tento o mais e melhor que posso congregar e reunir a minha família mas nem sempre isso é possível. Perdemos as nossas referencias pela incontornável lei da vida e como tal temos que perceber que agora somos nós essas referencias e temos que deixar alguma coisa em carga para as gerações mais novas, temos que assumir esse papel o mais preponderantemente possível e assim passar valores, passar conhecimentos, passar a própria ideia de família, sem ser um clã fechado aos amigos e a outras vivencias mas como núcleo gerador e congregador dessas outras formas de estar na sociedade.


6 – Quais os impactos mais visíveis do desaparecimento da família tradicional?

Eu acho que eles estão à vista e são conhecidos através dos mais vastos estudos sociológicos a que vamos tendo acesso de quando em vez. Alguma pobreza, as dependências em tenra idade, um certo desmazelo nas opções estéticas, o crescente número de depressões e suicídios, há toda uma panóplia de indicadores que nos remetem para uma desnorte, uma perca de rumo se assim entendermos. Nota-se um desenraizamento cultural, é gritante o alheamento dos mais jovens das questões do bem comum, da gestão da polis que é como quem diz da politica no seu estado mais puro. Apesar do acesso facilitado ao conhecimento assistimos a um certo desprezo pelo estudo das humanidades que nos trouxe à geração mais avançada tecnologicamente mas que não percebe os porquês da sua própria organização em sociedade. Hoje, falar aos jovens em Contrato-Social, é penoso pois temos que começar por uma aula de história da idade média, passar pela modernidade e chegar à idade contemporânea regressando aos clássicos. Dou por mim em reuniões de trabalho sendo aquele “chato” que acha que sabe tudo e nos dá lições de história e filosofia social e politica secantes quando estamos a falar de assuntos da empresa. Eles têm a história da humanidade na palma da mão, literalmente, mas não usam essa ferramenta se não forem alertados para a sua necessidade. Esses alertas devem nascer na família, nesse núcleo primeiro da polis. Deve ser ao jantar, ou nas pausas do trânsito matutino que devemos ir passando os “iscos” para a busca do conhecimento. As famílias hoje conversam pouco entre si e algumas estão tão desestruturadas que não conseguem apoiar os seus mais próximos. Isso faz aumentar as desigualdades sociais.

7– Qual a sua opinião sobre a forma como a sociedade está a evoluir?

Não sou sociólogo, aliás tenho por essa classe de estudiosos um sentimento ambíguo, respeito alguns e desprezo outros, gosto muito de algumas ideias e abomino outras e há sempre uma teoria para contrariar a outra e há ainda aqueles que passam a vida a contrariar-se a si próprios, são aquilo a que costumo designar os Boaventura desta vida. Eu sou um pessimista por natureza e um otimista racional que contraria esse pessimismo dia-a-dia. Ou seja, sendo pessimista não me desiludo com facilidade, nem com os homens nem com os animais, embora os primeiros façam um esforço maior do que os segundos para me desiludir, mas sou suficientemente otimista para acreditar na humanidade e conheço o suficiente da sua história para saber que existem ciclos e fases de purga e reconversão que transformam as sociedades em espaços melhores. Veja-se como hoje olhamos para os Povos do Norte da Europa como exemplos de civilidade. Esses eram povos bárbaros na Antiguidade Clássica e no Renascimento. Não podemos ser fatalistas e achar que o melhor dos tempos foi o que já passou, o nosso Povo, sábio, (perdoem-me o recurso a lugares comuns) usa dizer que “para trás mija a burra” e que “para a frente é que é caminho”, pois é isso que devemos fazer, construir um caminho novo sem olhar fixo no caminho feito mas sem perder de vista o que de melhor ficou na sua esteira.

8 – Que importância tem os amigos na sua vida?

São poucos, são muito poucos. Mas, são a melhor coisa do mundo. Quem já fez o que eu já fiz, quem vive em liberdade de pensar e expressar esse pensamento ganha muitos inimigos (quase sempre pouco inteligentes e por isso incapazes de destrinçar as situações) mas também ganha adeptos. Passei por fazes melhores e por fazes menos boas da vida e numa dessas fases muito difícil até do ponto de vista material, valeu-me a família e uma meia dúzia de amigos os quais jamais poderei esquecer e que me têm acompanhado desde os bancos do Liceu. Essa foi uma fase em que também percebi que alguns dos nossos adversários políticos não são inimigos e podem inclusive ser amigos, pela sua inteligência, pela sua ética, pela sua memória estão lá na hora em que necessitamos do seu apoio.

9– Para além da profissão que actividades gosta de desenvolver no seu dia-a-dia?

A Agricultura é uma paixão antiga, não concebo a minha vida sem semear, plantar, enxertar, podar, colher, lavrar observar as abelhas, fazer uma cresta e por ai adiante. Na decorrência desta paixão apareceu muito cedo outra, os cavalos, gosto de montar, ensinar, galopar e trotar pelos campos, gosto do ambiente marialva e tudo o que esse desporto, ciência, arte congrega. Buffon disse um dia que o cavalo foi a mais nobre conquista do Homem, concordo em absoluto. Gosto também de percorrer a pé as entranhas das nossas Ilhas, tudo gostos que herdei do meu saudoso Pai. Dos cavalos tenho estado afastado nos últimos anos por razões de ordem pessoal, mas mantenho a minha atividade agrícola o mais que posso e além disso, percorro a Ilha, ora correndo ora caminhando, por entre os seus vales, planaltos e ribeiras, recorrendo muitas vezes a cartas militares antigas para encontrar caminhos desaparecidos entre quebradas e escorrimentos ou que a conteira ocupou. Acho mesmo, queiram perdoar a imodéstia, que poucas pessoas haverá que conheçam estas duas Ilhas, São Miguel e Santa Maria, tão bem como eu conheço.

10– Que sonhos alimentou em criança?

Cumpri quase todos, (vantagens do pessimismo), exceto a Independência dos Açores.

11 – O que mais o incomoda nos outros?

A hipocrisia, o hipócrita é o pior dos indivíduos mas parece que têm muitos amigos.

12 – Que características mais admira no sexo oposto?

O sexo oposto tem em mim um efeito devastador, uso dizer que “sou fraco das canelas”. Não resisto a uma mulher com sentido de humor, inteligente por isso.

13 – Gosta de ler? Diga o nome de um livro de eleição?

Sou um leitor obsessivo e um comprador de livros compulsivo, todos os dias vou à livraria. Costumo dizer, citando um autor desconhecido, que a cultura humanística nos ensina a desprezar o dinheiro que usamos em adquiri-la. Tenho dois livros dos quais não me separo O Príncipe de Maquiavel comentado por Napoleão Bonaparte e a Arte da Guerra de Sun Tzu, um livro de estratégia, escrito no século IV antes de Cristo, mas muitíssimo atual.

14 – Como se relaciona com o manancial de informação que inunda as redes sociais?

Como um frequentador de tertúlias de café. Ouço algumas coisas, desprezo outras, relevo quase tudo.

15 – Conseguia viver hoje sem telemóvel e internet? Quer explicar?

Sonho com esse dia. Digamos que é mais ou menos como o romântico sonho do “Um amor e uma cabana”. Nas férias consigo sempre estar uns dias com o telemóvel desligado, mas gostava de poder fazer uma espécie de “sabática”, numa cabana, na mata de preferência, ouvindo o crepitar de uma lareira e acompanhado de uma dúzia de livros que já estão escolhidos.

16 – Costuma ler jornais?

Os Regionais todos, alguns nacionais e algumas revistas estrangeiras que vão chegando em PDF por via das mais diversas redes sociais.

17 – O que pensa da politica? Gostava de ser um participante ativo?

Qualquer pessoa nas minhas circunstâncias, irrequieto cidadão, acredita que pode dar algo de si ao governo da polis, isso é participar ativamente na política. Já fui membro da Assembleia Municipal de Ponta Delgada, já fui Deputado Regional numa das legislaturas mais interessantes que a nossa autonomia conheceu, a única legislatura sem maioria absoluta. Fui dirigente partidário e mais não fui porque, democraticamente, não me escolheram, alguns estarão arrependidos, eu não me arrependo de nada do que fiz na e para a politica. Com esta idade acho que estou ainda mais preparado do que estava há 26 anos quando fui pela primeira vez a uma reunião da Assembleia Municipal de Ponta Delgada, mas não depende de mim, depende das muitas circunstâncias da vida. Uma coisa posso assegurar, não tenho paciência nem jeito para a disputa no interior dos partidos e enquanto os partidos detiverem o monopólio de propositura dificilmente serei mais ativo na política. No entanto devo referir que o que faço na rádio (Açores-TSF) todas as semanas, nos jornais sempre que posso  e nas redes sociais quase todos os dias, é política ativa, pura e dura só não é política partidária.



18 – Gosta de viajar? Que viagem mais gostou de fazer?

Adoro viajar, Santo Agostinho, um grande pensador da Idade Média,  dizia que a vida é como um livro e  quem não viaja não sai da primeira página. Não tenho uma viagem de eleição, desfruto de qualquer lugar onde vou. No entanto, Roma, Londres e Lisboa são cidades de onde regresso sempre com saudade.

19 – Quais são os seus gostos gastronómicos? E qual é o seu prato preferido?

Gosto de experimentar coisas diferentes e hoje sou quase vegetariano porque não sou apreciador de carne desde criança, gosto de cozinhar e dizem os amigos e a família que até não me dou mal com o fogão. Mas, sou de gostos simples, nada me dá mais prazer do que uma simples feijoada de feijão encarnado servido em cama de pão frito à moda da Ribeira Grande.

 20 – Que noticia gostaria de encontrar amanhã no jornal?

Para lá de todas as utopias gostava de ler que o uso de herbicidas tinha sido abolido nos Açores.

21 – Se desempenhasse um cargo governativo descreva uma das medidas que tomaria?

Poria o sistema de incentivos ao serviço dos mais fracos e pobres em vez de estar ao serviço dos mais ricos e poderosos como tem sido nos últimos 30 anos. Essa é uma das minhas desilusões com a política nos Açores nas últimas 3 décadas, aumentou o fosso entre os poucos ricos e os muitos pobres.

22 – Qual a máxima que o inspira?

“Maior do que a tristeza de não ter vencido é a vergonha de não ter tentado”.

23 – Em que Época histórica gostaria de ter vivido?

No dealbar da modernidade, gostava de ter sido um diplomata plenipotenciário no denominado Congresso de Vestefália e ter assim participado na construção do Estado Moderno. Curiosamente, Portugal não esteve representado formalmente nos encontros de Munster e Osnabruck de 1648 pois a hierarquia das potências de então não reconhecia a coroa restaurada em 1640. Éramos rebeldes. Hoje assistimos a algo parecido em relação à nação catalã.

24 – Que perspectiva tem da evolução política na Região nos últimos anos? Estão a criar-se os vícios próprios de quem está instalado há tempo demais no poder? Quer explicar?

É natural que se denunciem alguns tiques de totalitarismo, prepotência e arrogância. Assistimos a algo parecido com isto no final dos governos do PSD e estamos a assistir agora. Falta a alguns “jovens turcos” do PS-Açores memória coletiva. A grande parte dos que nos governam hoje, mesmo os que já eram grandinhos na altura, não sabe o que era ser oposição nos últimos tempos dos governos do PSD, principalmente depois da enorme vitória de 1992. Essa falta de memória leva-os a repetirem os mesmos erros dos “jovens turcos” de Mota Amaral. Há um discurso perigoso de unidade regional, a oposição, por seu lado, não tem ajudado nada a mudar esses comportamentos.

25 – É cada vez mais notória a falta de alternância ao PS na Região. Que razões encontra para explicar esta realidade? Como observador atento, como analise a situação que se vive no seio do PSD/Açores?.

Só há alternância se houver alternativa e essa está escassa. Numa Região pobre, sem recursos endógenos, há cada vez mais população dependente dos “favores” do Estado/Região, até mesmo ao nível dos órgãos de comunicação social. Essas dependências podem até nem ser voluntarias da parte dos governantes mas a subserviência, a necessidade de se sustentar leva muitas vezes a silêncios que se tornam veículos para o perpetuar do poder. Os americanos costumam usar uma frase de incentivo aos que procuram um rumo para a sua vida: “Go where the money is”, ora nos Açores o dinheiro está todo concentrado no Estado/Região/Autarquias, logo é para essa “gamela” que toda a economia se direciona, isso cria dependências enormes em relação ao poder instituído.
O PSD necessita de uma catarse e carece de um punhado de “Homens Bons” para poder sair do estado lastimável a que chegou. O CDS precisa de uma clarificação ideológica, ser definitivamente um partido conservador e deixar o espaço ocupado no seu seio pelos liberais aos partidos que entretanto se assumem como tal. A restante oposição à esquerda e à direita, onde se incluem os liberais, necessita afirmar-se, o Bloco de Esquerda é a única força politica que parece estar minimamente organizada e em sintonia com o que o eleitorado quer ouvir, é um certo populismo de esquerda, dai os seus resultados virem sempre a melhorar. Mas o Bloco defende políticas concentradoras de poder no Estado que põem em causa muitas das mais elementares liberdades individuais e até a própria democracia por isso, não é alternativa muito menos numa Região como a nossa.

25 – Como analisa o fenómeno da abstenção nos Açores? Há um desencanto e falta de confiança nos políticos e nas propostas políticas que apresentam? Os discursos políticos não são suficientemente galvanizadores do eleitorado, sobretudo do mais jovem?

Em primeiro lugar é importante referir que existe uma abstenção técnica enorme nos Açores, só apurando essa realidade podemos então nos dedicar ao estudo da verdadeira abstenção. Contudo, devo lembrar que abster-se é um direito, assim como votar é outro direito. Sou um liberal e como tal entendo que essas decisões são pessoais e devem ser respeitadas. A legitimidade democrática de quem é eleito não é beliscada por isso.

26 – Quais as preocupações que lhe causam a abstenção nos Açores?

Neste momento parece-me mais importante que os partidos, demais cidadãos e corporações se dediquem a tentar perceber por que razão 5% dos eleitores se dignou sair de casa e ir às mesas de voto para simplesmente dobrar e depositar o boletim em branco nas urnas do que propiamente se preocuparem com aqueles que, deliberadamente, não querem participar nas decisões mais importantes para a vida em sociedade.

27 – Acredita que a abstenção se resolve com a introdução de medidas de estímulo ao eleitor? E qual a sua opinião sobre uma solução deste tipo? Que outras soluções podiam ser adotadas?

Isso é um disparate que não merece sequer ser comentado.

 28 – Há uma convulsão no seio do CDS/PP, com o líder Artur Lima a ficar numa posição cada vez mais frágil. Era conhecido que Artur Lima procurou sempre soluções de liderança em São Miguel que pudesse dominar. Agora entra em conflito com dirigentes do CDS da Terceira e São Jorge. Como analisa a situação que se vive no CDS/PP. Poderá voltar a ser uma voz activa no partido sem Artur Lima na liderança?

Artur Lima foi um dos vencedores da noite eleitoral do passado dia 6 de Outubro, disso não há dúvidas, por isso me parece que quem vaticinou já a morte política do presidente do CDS-Açores está redondamente enganado. Artur Lima é um tacticista, um estratega da vida partidária, sobreviveu inclusive à direção de Assunção Cristas e Morais Soares que tudo fizeram para o substituir sem sucesso acabando por abandonarem a liderança do partido na decorrência dos resultados eleitorais da mesma noite. Todas as convulsões internas poderão trazer mais vida ao partido, mais debate e isso é salutar desde que não seja um “lavar de roupa suja”. Mas, penso que até ao congresso de dezembro próximo não se podem esperar grandes alterações até porque a sucessão no CDS de Lisboa está longe de estar resolvida, sem candidatos na linha da frente e sem uma clarificação ideológica que reposicione o CDS no xadrez partidário nacional no lugar em que se manteve até há bem pouco tempo.
As estruturas do CDS da Terceira e São Jorge estiveram com Artur Lima contra São Miguel ainda há apenas 3 anos no processo de construção das listas para as regionais de 2016, assim como esteve a estrutura nacional do partido agora demissionária. Hoje estão provando do fel que ajudaram a espalhar. Consta que é assim, infelizmente, a vida no seio dos partidos políticos, da esquerda á direita sem exceção. E é por aí que a decadência do regime se denúncia, nem sequer é pela falta de recursos financeiros, é mesmo pela podridão e pela hipocrisia dos seus atores. Foi assim em finais de XIX com a monarquia constitucional, e foi assim na primeira república, o que nos valeu, posteriormente, 40 anos de um regime musculado de Salazar.

29 – Como se justifica o facto de os Açores continuarem a ser a Região do país com maiores índices de pobreza, apesar do desemprego diminuir e da economia “estar a crescer? Esta realidade terá apenas com o facto de não haver uma distribuição de riqueza equitativa por todos? Quer explicar?

Eu atrás numa outra pergunta disse que mudaria o rumo do sistema de incentivos. Essa é a resposta à sua pergunta. Todo o sistema de incentivos ao investimento está direcionado para apoiar os que já têm a sua vidinha resolvida e bem resolvida e deixa de fora toda uma classe média baixa que vai caminhando para a pobreza ainda mais rapidamente e uma classe pobre que se afunda ainda mais em relação aos mais ricos. A Autonomia Regional foi a melhor coisa que nos aconteceu no último século, mas perdeu-se numa conta de deve e haver e destruiu toda a classe média e transformou o funcionalismo público, que havia ganho preponderância com Marcelo Caetano, numa nova classe de pobres envergonhados, endividados e incapazes de saírem dessa condição por via de uma regulação sufocante. Hoje, quem não tiver um bom IRS ou um bom registo bancário jamais conseguirá dar a volta à sua vida. O excesso de regulação e regulamentação acabou com os “self made men” e com a possibilidade de renascer de uma insolvência ou de uma situação fiscal irregular. É essa desigualdade de oportunidades que provoca mais pobreza e exclusão. Tenho muita pena que esse seja um assunto recorrente mas que nunca foi encarado estruturalmente mas tão só com medidas que não passam de paliativos. Sem criar riqueza e sem oportunidades para criar riqueza não se eliminam os pobres.

30 – Tem algo que considere interessante e/ou importante de que queira falar no âmbito desta entrevista?

Eu gostava de ainda assistir, em todas as Ilhas dos Açores mas em especial nas mais secas e expostas à erosão, à reflorestação de toda a pastagem de altitude que foi construída na febre das arroteis dos anos 60 e 70 do século XX, com espécies endémicas e não endémicas que sejam capazes de introduzir água nos solos e ver implementado um plano de pequenas barragens e açudes capazes de armazenar parte dessa água. Não temos o direito de deixar aos nossos filhos e netos uma herança tão pesada como é essa da falta de captação e retenção da água que existe em grande abundância nas nossas Ilhas mas que deixamos corra para o mar e desapareça chegando ao ponto de sentir a sua falta como ocorreu no Verão de 2018

In Jornal Correio dos Açores edição de 20 de Outubro de 2019

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