FACE A FACE!.... com Nuno Barata Almeida e Sousa
1 – Descreva os dados que o identificam
perante os leitores!
Sou um irrequieto cidadão, especialista
em generalidades de 53 Anos, casado e pai de 3 filhos, duas meninas e um
menino.
2 – Fale-nos do seu percurso de vida no
campo académico, profissional e social?
Ao longo deste mais de meio século de
existência tenho feito muitas coisas e algumas delas bem diferentes mas todas
complementares da minha formação como individuo e cidadão. Fui Professor provisório
sem habilitação própria mas suficiente de Trabalhos Oficinais, Comissário de
Bordo da SATA, Bancário no BCA, administrativo e Secretário-geral da
APASA-Associação de Produtores de Atum e Similares dos Açores, empresário, agricultor,
pescador, armador, construtor civil, cabouqueiro, madeireiro, animador
turístico e mais uma ou outra coisa que posso estar a esquecer-me. Nutro pelos
especialistas uma enorme admiração, jamais seria capaz de me especializar em
alguma coisa, é como viver sempre no mesmo lugar, comer sempre a mesma ementa.
O mundo não avança sem imaginação, alteração de regras, guerras e convulsões. A
estabilidade significa letargia e isso é uma coisa que me incomoda muito.
Licenciei-me tarde, por via também dessa
inquietude, estudei Estudos Europeus e Política Internacional e apenas depois
de ter feito várias tentativas noutros cursos que acabei sempre abandonando. No
entanto, a área de estudo que mais me apaixona é a Filosofia dai ter
frequentado um Mestrado em Filosofia Contemporânea, Ética, Valores e Sociedade
cuja parte curricular terminei com muito bom aproveitamento. Mas, tenho adiado
a entrega da tese dedicada a uma problemática muito atual, tão atual que não
consigo parar de escrever sobre ela: Terrorismo e Guerra Justa na esteira do
pensamento de Michael Walzer. Cada vez que releio a tese entendo acrescentar
mais um capítulo.
3 – Como se define a nível profissional?
Sou o tipo de pessoa a quem se pode
sempre exigir mais um bocadinho. Isso faz de mim aquilo a que se chama um
workaholic, mas não faço sacrifícios em ir trabalhar todas as manhãs, gosto de
trabalhar. Não faço nada primorosamente bem feito, mas sou capaz de,
profissionalmente, fazer quase tudo e arranjo sempre tempo para fazer mais
qualquer coisa. O meu pai dizia que quando precisava de ajuda pedia sempre a
quem estivesse muito ocupado, quem tem tempo livre é porque não sabe fazer nada.
Para se ter sucesso profissional (seja lá o que isso for) há duas vias: ou
fazer coisas ou portar-se como um relógio parado que duas vezes ao dia está
certo. Eu prefiro errar mas fazer, decidir e prosseguir com as decisões apesar
de já me ter saído muito caro decidir erradamente. Hoje, há cada vez menos
margem para errar, a intolerância é enorme, daí que muita gente opte por ir na corrente
e deixar-se levar pela espuma dos dias na esperança de que o relógio esteja
certo às zero e às doze horas.
4 – Quais as suas responsabilidades?
A minha principal responsabilidade é
alimentar, proteger e educar a minha família. Para isso, tenho que desenvolver
uma atividade profissional que exige de mim muita disponibilidade e dedicação e
gosto muito do que faço neste momento. Sou o responsável por um gabinete na
Portos dos Açores SA que gere toda a atividade operacional não portuária na
área de jurisdição de São Miguel e Santa Maria e tenho desenvolvido algumas ações
no campo do marketing num esforço de manter e promover a notoriedade do destino
Açores, nomeadamente na promoção da náutica de recreio. Esse trabalho tem-me
dado uma enorme satisfação e tem trazido para a Região um crescente número de
turistas náuticos. Esse conjunto de iniciativas tem sido muito gratificante
tendo em consideração os resultados muito satisfatórios atingidos.
5 – Como descreve a família de hoje e
que espaço lhe reserva?
Eu tento, faço mesmo um esforço, para
acreditar que a família continua sendo um núcleo fundamental das sociedades
contemporâneas tal como foi da construção das sociedades modernas e
pós-modernas. A família hoje não é a mesma família tradicional que até finais
do século XX nós conhecemos. Não quero com isso dizer, nem sequer pensar, que
as famílias diferentes de hoje são piores ou melhores do que aquelas em que a
minha geração cresceu, bem pelo contrário, é fundamental que os indivíduos
preservem as suas diferenças, e como membros de uma família que no seu seio
preservem também essas idiossincrasias. Temos todos que fazer um esforço para
compreender a diferença, tolerar a deficiência e promover a equidade o que é
bem diferente de defender a igualdade. O que é diferente na essência jamais
será igual, mesmo que a retorica dominante insista nessa narrativa. Eu tento o
mais e melhor que posso congregar e reunir a minha família mas nem sempre isso
é possível. Perdemos as nossas referencias pela incontornável lei da vida e
como tal temos que perceber que agora somos nós essas referencias e temos que
deixar alguma coisa em carga para as gerações mais novas, temos que assumir
esse papel o mais preponderantemente possível e assim passar valores, passar
conhecimentos, passar a própria ideia de família, sem ser um clã fechado aos
amigos e a outras vivencias mas como núcleo gerador e congregador dessas outras
formas de estar na sociedade.
6 – Quais os impactos mais visíveis do
desaparecimento da família tradicional?
Eu acho que eles estão à vista e são
conhecidos através dos mais vastos estudos sociológicos a que vamos tendo
acesso de quando em vez. Alguma pobreza, as dependências em tenra idade, um
certo desmazelo nas opções estéticas, o crescente número de depressões e
suicídios, há toda uma panóplia de indicadores que nos remetem para uma
desnorte, uma perca de rumo se assim entendermos. Nota-se um desenraizamento
cultural, é gritante o alheamento dos mais jovens das questões do bem comum, da
gestão da polis que é como quem diz da politica no seu estado mais puro. Apesar
do acesso facilitado ao conhecimento assistimos a um certo desprezo pelo estudo
das humanidades que nos trouxe à geração mais avançada tecnologicamente mas que
não percebe os porquês da sua própria organização em sociedade. Hoje, falar aos
jovens em Contrato-Social, é penoso pois temos que começar por uma aula de
história da idade média, passar pela modernidade e chegar à idade contemporânea
regressando aos clássicos. Dou por mim em reuniões de trabalho sendo aquele
“chato” que acha que sabe tudo e nos dá lições de história e filosofia social e
politica secantes quando estamos a falar de assuntos da empresa. Eles têm a
história da humanidade na palma da mão, literalmente, mas não usam essa
ferramenta se não forem alertados para a sua necessidade. Esses alertas devem
nascer na família, nesse núcleo primeiro da polis. Deve ser ao jantar, ou nas
pausas do trânsito matutino que devemos ir passando os “iscos” para a busca do
conhecimento. As famílias hoje conversam pouco entre si e algumas estão tão
desestruturadas que não conseguem apoiar os seus mais próximos. Isso faz
aumentar as desigualdades sociais.
7– Qual a sua opinião sobre a forma como
a sociedade está a evoluir?
Não sou sociólogo, aliás tenho por essa
classe de estudiosos um sentimento ambíguo, respeito alguns e desprezo outros,
gosto muito de algumas ideias e abomino outras e há sempre uma teoria para
contrariar a outra e há ainda aqueles que passam a vida a contrariar-se a si
próprios, são aquilo a que costumo designar os Boaventura desta vida. Eu sou um
pessimista por natureza e um otimista racional que contraria esse pessimismo
dia-a-dia. Ou seja, sendo pessimista não me desiludo com facilidade, nem com os
homens nem com os animais, embora os primeiros façam um esforço maior do que os
segundos para me desiludir, mas sou suficientemente otimista para acreditar na
humanidade e conheço o suficiente da sua história para saber que existem ciclos
e fases de purga e reconversão que transformam as sociedades em espaços
melhores. Veja-se como hoje olhamos para os Povos do Norte da Europa como
exemplos de civilidade. Esses eram povos bárbaros na Antiguidade Clássica e no
Renascimento. Não podemos ser fatalistas e achar que o melhor dos tempos foi o
que já passou, o nosso Povo, sábio, (perdoem-me o recurso a lugares comuns) usa
dizer que “para trás mija a burra” e que “para a frente é que é caminho”, pois
é isso que devemos fazer, construir um caminho novo sem olhar fixo no caminho feito
mas sem perder de vista o que de melhor ficou na sua esteira.
8 – Que importância tem os amigos na sua
vida?
São poucos, são muito poucos. Mas, são a
melhor coisa do mundo. Quem já fez o que eu já fiz, quem vive em liberdade de
pensar e expressar esse pensamento ganha muitos inimigos (quase sempre pouco
inteligentes e por isso incapazes de destrinçar as situações) mas também ganha
adeptos. Passei por fazes melhores e por fazes menos boas da vida e numa dessas
fases muito difícil até do ponto de vista material, valeu-me a família e uma
meia dúzia de amigos os quais jamais poderei esquecer e que me têm acompanhado
desde os bancos do Liceu. Essa foi uma fase em que também percebi que alguns
dos nossos adversários políticos não são inimigos e podem inclusive ser amigos,
pela sua inteligência, pela sua ética, pela sua memória estão lá na hora em que
necessitamos do seu apoio.
9– Para além da profissão que
actividades gosta de desenvolver no seu dia-a-dia?
A Agricultura é uma paixão antiga, não
concebo a minha vida sem semear, plantar, enxertar, podar, colher, lavrar
observar as abelhas, fazer uma cresta e por ai adiante. Na decorrência desta
paixão apareceu muito cedo outra, os cavalos, gosto de montar, ensinar, galopar
e trotar pelos campos, gosto do ambiente marialva e tudo o que esse desporto,
ciência, arte congrega. Buffon disse um dia que o cavalo foi a mais nobre
conquista do Homem, concordo em absoluto. Gosto também de percorrer a pé as
entranhas das nossas Ilhas, tudo gostos que herdei do meu saudoso Pai. Dos
cavalos tenho estado afastado nos últimos anos por razões de ordem pessoal, mas
mantenho a minha atividade agrícola o mais que posso e além disso, percorro a
Ilha, ora correndo ora caminhando, por entre os seus vales, planaltos e
ribeiras, recorrendo muitas vezes a cartas militares antigas para encontrar
caminhos desaparecidos entre quebradas e escorrimentos ou que a conteira ocupou.
Acho mesmo, queiram perdoar a imodéstia, que poucas pessoas haverá que conheçam
estas duas Ilhas, São Miguel e Santa Maria, tão bem como eu conheço.
10– Que sonhos alimentou em criança?
Cumpri quase todos, (vantagens do
pessimismo), exceto a Independência dos Açores.
11 – O que mais o incomoda nos outros?
A hipocrisia, o hipócrita é o pior dos
indivíduos mas parece que têm muitos amigos.
12 – Que características mais admira no
sexo oposto?
O sexo oposto tem em mim um efeito
devastador, uso dizer que “sou fraco das canelas”. Não resisto a uma mulher com
sentido de humor, inteligente por isso.
13 – Gosta de ler? Diga o nome de um
livro de eleição?
Sou um leitor obsessivo e um comprador de
livros compulsivo, todos os dias vou à livraria. Costumo dizer, citando um
autor desconhecido, que a cultura humanística nos ensina a desprezar o dinheiro
que usamos em adquiri-la. Tenho dois livros dos quais não me separo O Príncipe
de Maquiavel comentado por Napoleão Bonaparte e a Arte da Guerra de Sun Tzu, um
livro de estratégia, escrito no século IV antes de Cristo, mas muitíssimo
atual.
14 – Como se relaciona com o manancial
de informação que inunda as redes sociais?
Como um frequentador de tertúlias de
café. Ouço algumas coisas, desprezo outras, relevo quase tudo.
15 – Conseguia viver hoje sem telemóvel
e internet? Quer explicar?
Sonho com esse dia. Digamos que é mais
ou menos como o romântico sonho do “Um amor e uma cabana”. Nas férias consigo
sempre estar uns dias com o telemóvel desligado, mas gostava de poder fazer uma
espécie de “sabática”, numa cabana, na mata de preferência, ouvindo o crepitar
de uma lareira e acompanhado de uma dúzia de livros que já estão escolhidos.
16 – Costuma ler jornais?
Os Regionais todos, alguns nacionais e algumas
revistas estrangeiras que vão chegando em PDF por via das mais diversas redes
sociais.
17 – O que pensa da politica? Gostava de
ser um participante ativo?
Qualquer pessoa nas minhas circunstâncias,
irrequieto cidadão, acredita que pode dar algo de si ao governo da polis, isso
é participar ativamente na política. Já fui membro da Assembleia Municipal de
Ponta Delgada, já fui Deputado Regional numa das legislaturas mais
interessantes que a nossa autonomia conheceu, a única legislatura sem maioria
absoluta. Fui dirigente partidário e mais não fui porque, democraticamente, não
me escolheram, alguns estarão arrependidos, eu não me arrependo de nada do que
fiz na e para a politica. Com esta idade acho que estou ainda mais preparado do
que estava há 26 anos quando fui pela primeira vez a uma reunião da Assembleia
Municipal de Ponta Delgada, mas não depende de mim, depende das muitas
circunstâncias da vida. Uma coisa posso assegurar, não tenho paciência nem
jeito para a disputa no interior dos partidos e enquanto os partidos detiverem
o monopólio de propositura dificilmente serei mais ativo na política. No
entanto devo referir que o que faço na rádio (Açores-TSF) todas as semanas, nos
jornais sempre que posso e nas redes
sociais quase todos os dias, é política ativa, pura e dura só não é política partidária.
18 – Gosta de viajar? Que viagem mais
gostou de fazer?
Adoro viajar, Santo Agostinho, um grande
pensador da Idade Média, dizia que a
vida é como um livro e quem não viaja não
sai da primeira página. Não tenho uma viagem de eleição, desfruto de qualquer
lugar onde vou. No entanto, Roma, Londres e Lisboa são cidades de onde regresso
sempre com saudade.
19 – Quais são os seus
gostos gastronómicos? E qual é o seu prato preferido?
Gosto de experimentar
coisas diferentes e hoje sou quase vegetariano porque não sou apreciador de
carne desde criança, gosto de cozinhar e dizem os amigos e a família que até
não me dou mal com o fogão. Mas, sou de gostos simples, nada me dá mais prazer
do que uma simples feijoada de feijão encarnado servido em cama de pão frito à
moda da Ribeira Grande.
20 – Que noticia
gostaria de encontrar amanhã no jornal?
Para lá de todas as utopias
gostava de ler que o uso de herbicidas tinha sido abolido nos Açores.
21 – Se desempenhasse um cargo
governativo descreva uma das medidas que tomaria?
Poria o sistema de incentivos ao serviço
dos mais fracos e pobres em vez de estar ao serviço dos mais ricos e poderosos
como tem sido nos últimos 30 anos. Essa é uma das minhas desilusões com a política
nos Açores nas últimas 3 décadas, aumentou o fosso entre os poucos ricos e os
muitos pobres.
22 – Qual a máxima que o inspira?
“Maior do que a
tristeza de não ter vencido é a vergonha de não ter tentado”.
23 – Em que Época
histórica gostaria de ter vivido?
No dealbar da
modernidade, gostava de ter sido um diplomata plenipotenciário no denominado
Congresso de Vestefália e ter assim participado na construção do Estado
Moderno. Curiosamente, Portugal não esteve representado formalmente nos
encontros de Munster e Osnabruck de 1648 pois a hierarquia das potências de
então não reconhecia a coroa restaurada em 1640. Éramos
rebeldes. Hoje assistimos a algo parecido em relação à nação catalã.
24 – Que perspectiva
tem da evolução política na Região nos últimos anos? Estão a criar-se os vícios
próprios de quem está instalado há tempo demais no poder? Quer explicar?
É natural que se
denunciem alguns tiques de totalitarismo, prepotência e arrogância. Assistimos
a algo parecido com isto no final dos governos do PSD e estamos a assistir
agora. Falta a alguns “jovens turcos” do PS-Açores memória coletiva. A grande
parte dos que nos governam hoje, mesmo os que já eram grandinhos na altura, não
sabe o que era ser oposição nos últimos tempos dos governos do PSD,
principalmente depois da enorme vitória de 1992. Essa falta de memória leva-os
a repetirem os mesmos erros dos “jovens turcos” de Mota Amaral. Há um discurso
perigoso de unidade regional, a oposição, por seu lado, não tem ajudado nada a
mudar esses comportamentos.
25 – É cada vez mais
notória a falta de alternância ao PS na Região. Que razões encontra para
explicar esta realidade? Como observador atento, como analise a situação que se
vive no seio do PSD/Açores?.
Só há alternância se
houver alternativa e essa está escassa. Numa Região pobre, sem recursos
endógenos, há cada vez mais população dependente dos “favores” do Estado/Região,
até mesmo ao nível dos órgãos de comunicação social. Essas dependências podem
até nem ser voluntarias da parte dos governantes mas a subserviência, a
necessidade de se sustentar leva muitas vezes a silêncios que se tornam veículos
para o perpetuar do poder. Os americanos costumam usar uma frase de incentivo
aos que procuram um rumo para a sua vida: “Go
where the money is”, ora nos Açores o dinheiro está todo concentrado no
Estado/Região/Autarquias, logo é para essa “gamela” que toda a economia se
direciona, isso cria dependências enormes em relação ao poder instituído.
O PSD necessita de uma
catarse e carece de um punhado de “Homens Bons” para poder sair do estado
lastimável a que chegou. O CDS precisa de uma clarificação ideológica, ser
definitivamente um partido conservador e deixar o espaço ocupado no seu seio
pelos liberais aos partidos que entretanto se assumem como tal. A restante
oposição à esquerda e à direita, onde se incluem os liberais, necessita
afirmar-se, o Bloco de Esquerda é a única força politica que parece estar minimamente
organizada e em sintonia com o que o eleitorado quer ouvir, é um certo
populismo de esquerda, dai os seus resultados virem sempre a melhorar. Mas o
Bloco defende políticas concentradoras de poder no Estado que põem em causa
muitas das mais elementares liberdades individuais e até a própria democracia
por isso, não é alternativa muito menos numa Região como a nossa.
25 – Como analisa o
fenómeno da abstenção nos Açores? Há um desencanto e falta de confiança nos
políticos e nas propostas políticas que apresentam? Os discursos políticos não
são suficientemente galvanizadores do eleitorado, sobretudo do mais jovem?
Em primeiro lugar é
importante referir que existe uma abstenção técnica enorme nos Açores, só
apurando essa realidade podemos então nos dedicar ao estudo da verdadeira
abstenção. Contudo, devo lembrar que abster-se é um direito, assim como votar é
outro direito. Sou um liberal e como tal entendo que essas decisões são
pessoais e devem ser respeitadas. A legitimidade democrática de quem é eleito
não é beliscada por isso.
26 – Quais as
preocupações que lhe causam a abstenção nos Açores?
Neste momento parece-me
mais importante que os partidos, demais cidadãos e corporações se dediquem a
tentar perceber por que razão 5% dos eleitores se dignou sair de casa e ir às
mesas de voto para simplesmente dobrar e depositar o boletim em branco nas
urnas do que propiamente se preocuparem com aqueles que, deliberadamente, não
querem participar nas decisões mais importantes para a vida em sociedade.
27 – Acredita que a
abstenção se resolve com a introdução de medidas de estímulo ao eleitor? E qual
a sua opinião sobre uma solução deste tipo? Que outras soluções podiam ser adotadas?
Isso é um disparate
que não merece sequer ser comentado.
28 – Há uma convulsão no seio do CDS/PP, com o
líder Artur Lima a ficar numa posição cada vez mais frágil. Era conhecido que
Artur Lima procurou sempre soluções de liderança em São Miguel que pudesse
dominar. Agora entra em conflito com dirigentes do CDS da Terceira e São Jorge.
Como analisa a situação que se vive no CDS/PP. Poderá voltar a ser uma voz
activa no partido sem Artur Lima na liderança?
Artur Lima foi um dos
vencedores da noite eleitoral do passado dia 6 de Outubro, disso não há
dúvidas, por isso me parece que quem vaticinou já a morte política do presidente
do CDS-Açores está redondamente enganado. Artur Lima é um tacticista, um
estratega da vida partidária, sobreviveu inclusive à direção de Assunção
Cristas e Morais Soares que tudo fizeram para o substituir sem sucesso acabando
por abandonarem a liderança do partido na decorrência dos resultados eleitorais
da mesma noite. Todas as convulsões internas poderão trazer mais vida ao
partido, mais debate e isso é salutar desde que não seja um “lavar de roupa
suja”. Mas, penso que até ao congresso de dezembro próximo não se podem esperar
grandes alterações até porque a sucessão no CDS de Lisboa está longe de estar
resolvida, sem candidatos na linha da frente e sem uma clarificação ideológica
que reposicione o CDS no xadrez partidário nacional no lugar em que se manteve
até há bem pouco tempo.
As estruturas do CDS
da Terceira e São Jorge estiveram com Artur Lima contra São Miguel ainda há apenas
3 anos no processo de construção das listas para as regionais de 2016, assim
como esteve a estrutura nacional do partido agora demissionária. Hoje estão
provando do fel que ajudaram a espalhar. Consta que é assim, infelizmente, a
vida no seio dos partidos políticos, da esquerda á direita sem exceção. E é por
aí que a decadência do regime se denúncia, nem sequer é pela falta de recursos financeiros,
é mesmo pela podridão e pela hipocrisia dos seus atores. Foi assim em finais de
XIX com a monarquia constitucional, e foi assim na primeira república, o que
nos valeu, posteriormente, 40 anos de um regime musculado de Salazar.
29 – Como se justifica
o facto de os Açores continuarem a ser a Região do país com maiores índices de
pobreza, apesar do desemprego diminuir e da economia “estar a crescer? Esta
realidade terá apenas com o facto de não haver uma distribuição de riqueza
equitativa por todos? Quer explicar?
Eu atrás numa outra pergunta
disse que mudaria o rumo do sistema de incentivos. Essa é a resposta à sua
pergunta. Todo o sistema de incentivos ao investimento está direcionado para
apoiar os que já têm a sua vidinha resolvida e bem resolvida e deixa de fora
toda uma classe média baixa que vai caminhando para a pobreza ainda mais
rapidamente e uma classe pobre que se afunda ainda mais em relação aos mais
ricos. A Autonomia Regional foi a melhor coisa que nos aconteceu no último
século, mas perdeu-se numa conta de deve e haver e destruiu toda a classe média
e transformou o funcionalismo público, que havia ganho preponderância com
Marcelo Caetano, numa nova classe de pobres envergonhados, endividados e
incapazes de saírem dessa condição por via de uma regulação sufocante. Hoje,
quem não tiver um bom IRS ou um bom registo bancário jamais conseguirá dar a
volta à sua vida. O excesso de regulação e regulamentação acabou com os “self made men” e com a possibilidade de
renascer de uma insolvência ou de uma situação fiscal irregular. É essa
desigualdade de oportunidades que provoca mais pobreza e exclusão. Tenho muita
pena que esse seja um assunto recorrente mas que nunca foi encarado
estruturalmente mas tão só com medidas que não passam de paliativos. Sem criar
riqueza e sem oportunidades para criar riqueza não se eliminam os pobres.
30 – Tem algo que
considere interessante e/ou importante de que queira falar no âmbito desta
entrevista?
In Jornal Correio dos Açores edição de 20 de Outubro de 2019
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