31 de outubro de 2019

Postal para as Flores


A imagem pode conter: céu, nuvem, oceano e ar livre

Foto Frederico Fournier

A situação na ilha das Flores e por inerência no Corvo, é equivalente a um "Estado de Guerra". Se a oposição não percebe isso então não percebe coisa nenhuma e se os Florentinos esperam um regresso breve à normalidade, então estão redondamente enganados até porque isso além de ser impossível comprovaria que não precisam de porto para coisa nenhuma.
A hora é de contenção, racionamento, boa gestão de recursos e menos retórica e eloquência oratória. Não exportem gado, comam-no; Não importem ovos, importem galinhas; Não lastimem a adversidade, transformem-na em oportunidade; Aproveitem para desenvolver pequenas economias familiares; Regressem às hortas, à enxada e às sementes em lugar dos legumes congelados; Comam peixe fresco em vez de o exportarem; Cuidem-se como sempre souberam fazer e não descansem à espera que alguém (não se sabe quem) resolva tudo. Essa solução não vai chegar tão cedo porque não existe e não é avisado tomar medidas precipitadas.

30 de outubro de 2019

Eça ou Camilo?


Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, é o nome completo do filho de algo que Camilo Castelo Branco escolheu para retratar de forma magistral o deslumbramento dos políticos de província ao chegarem à capital do então Reino ainda de aquém e além-mar. Entre nós, as quedas dos anjos tal como camilo descreveu são algumas. No entanto, ao invés dos longínquos dias de 70 do século XIX, eles já não vêm só da província que continua a existir neste pais que teima em não descentralizar. Eles, os calistos Elói de agora, vêm de todo o lado e até mesmo dos subúrbios da grande Lisboa. Nos cafés, sejam eles no sentido literal do termo sejam eles os grupos que pululam pelas redes sociais, o Parlamento é o motivo de chacota primeiro. Como escreveu Eça, também em XIX,” diz-se mal da câmara em toda a parte. Os jornais mais sérios falam da sua improdutividade. Ela é considerada como um sórdido covil de intrigas(…) uma farsa (…) uma feira”. E o que há de diferente hoje? A farsa é a não representatividade do seu Povo, a feira vamos ficar a saber com a discussão do primeiro Orçamento de Estado.

In Jornal Açoriano Oriental, edição de 29 de Outubro de 2019

22 de outubro de 2019

Indignado

Estou, de veras, indignado com as notícias que fui conhecendo em volta das eleições para as mais diversas associações de estudantes das escolas portuguesas. A malta lá nos liceus perdeu a noção das coisas? Há interesses externos às escolas envolvidos nesses atos eleitorais? Esses interesses vão para além das juventudes partidárias como aconteciam há uns anos? Para além do Toy que cobrava 20 euros por cada vídeo de apoio a determinadas listas, há outros artistas no mercado? Tudo perguntas para as quais não consegui obter resposta mas que adoraria ver respondidas. Uma lista numa escola aqui ao lado, onde frequenta o 8º ano o meu filho mais novo, consta que tinha um orçamento de campanha a rondar os 7000,00€ (sete mil euros), um valor absolutamente extraordinário para o caso. Como é possível termos chegado a este ponto? Raves, concertos, T-Shirts e outros brindes fizeram parte do cardápio da dita lista concorrente. Resta-nos continuar a acreditar na nossa juventude, a lista em causa não ganhou as eleições que foram ganhas, embora tangencialmente, por uma outra encabeçada por um conhecido piloto de motocross que “vendeu” uma imagem de preocupação com o meio ambiente. Retomamos a esperança, indignados.

In Jornal Açoriano Oriental edição de 22 de Outubro de 2019.

Face a face

FACE A FACE!.... com Nuno Barata Almeida e Sousa




1 – Descreva os dados que o identificam perante os leitores!

Sou um irrequieto cidadão, especialista em generalidades de 53 Anos, casado e pai de 3 filhos, duas meninas e um menino.

2 – Fale-nos do seu percurso de vida no campo académico, profissional e social?

Ao longo deste mais de meio século de existência tenho feito muitas coisas e algumas delas bem diferentes mas todas complementares da minha formação como individuo e cidadão. Fui Professor provisório sem habilitação própria mas suficiente de Trabalhos Oficinais, Comissário de Bordo da SATA, Bancário no BCA, administrativo e Secretário-geral da APASA-Associação de Produtores de Atum e Similares dos Açores, empresário, agricultor, pescador, armador, construtor civil, cabouqueiro, madeireiro, animador turístico e mais uma ou outra coisa que posso estar a esquecer-me. Nutro pelos especialistas uma enorme admiração, jamais seria capaz de me especializar em alguma coisa, é como viver sempre no mesmo lugar, comer sempre a mesma ementa. O mundo não avança sem imaginação, alteração de regras, guerras e convulsões. A estabilidade significa letargia e isso é uma coisa que me incomoda muito.
Licenciei-me tarde, por via também dessa inquietude, estudei Estudos Europeus e Política Internacional e apenas depois de ter feito várias tentativas noutros cursos que acabei sempre abandonando. No entanto, a área de estudo que mais me apaixona é a Filosofia dai ter frequentado um Mestrado em Filosofia Contemporânea, Ética, Valores e Sociedade cuja parte curricular terminei com muito bom aproveitamento. Mas, tenho adiado a entrega da tese dedicada a uma problemática muito atual, tão atual que não consigo parar de escrever sobre ela: Terrorismo e Guerra Justa na esteira do pensamento de Michael Walzer. Cada vez que releio a tese entendo acrescentar mais um capítulo.

3 – Como se define a nível profissional?

Sou o tipo de pessoa a quem se pode sempre exigir mais um bocadinho. Isso faz de mim aquilo a que se chama um workaholic, mas não faço sacrifícios em ir trabalhar todas as manhãs, gosto de trabalhar. Não faço nada primorosamente bem feito, mas sou capaz de, profissionalmente, fazer quase tudo e arranjo sempre tempo para fazer mais qualquer coisa. O meu pai dizia que quando precisava de ajuda pedia sempre a quem estivesse muito ocupado, quem tem tempo livre é porque não sabe fazer nada. Para se ter sucesso profissional (seja lá o que isso for) há duas vias: ou fazer coisas ou portar-se como um relógio parado que duas vezes ao dia está certo. Eu prefiro errar mas fazer, decidir e prosseguir com as decisões apesar de já me ter saído muito caro decidir erradamente. Hoje, há cada vez menos margem para errar, a intolerância é enorme, daí que muita gente opte por ir na corrente e deixar-se levar pela espuma dos dias na esperança de que o relógio esteja certo às zero e às doze horas.


4 – Quais as suas responsabilidades?

A minha principal responsabilidade é alimentar, proteger e educar a minha família. Para isso, tenho que desenvolver uma atividade profissional que exige de mim muita disponibilidade e dedicação e gosto muito do que faço neste momento. Sou o responsável por um gabinete na Portos dos Açores SA que gere toda a atividade operacional não portuária na área de jurisdição de São Miguel e Santa Maria e tenho desenvolvido algumas ações no campo do marketing num esforço de manter e promover a notoriedade do destino Açores, nomeadamente na promoção da náutica de recreio. Esse trabalho tem-me dado uma enorme satisfação e tem trazido para a Região um crescente número de turistas náuticos. Esse conjunto de iniciativas tem sido muito gratificante tendo em consideração os resultados muito satisfatórios atingidos.

5 – Como descreve a família de hoje e que espaço lhe reserva?

Eu tento, faço mesmo um esforço, para acreditar que a família continua sendo um núcleo fundamental das sociedades contemporâneas tal como foi da construção das sociedades modernas e pós-modernas. A família hoje não é a mesma família tradicional que até finais do século XX nós conhecemos. Não quero com isso dizer, nem sequer pensar, que as famílias diferentes de hoje são piores ou melhores do que aquelas em que a minha geração cresceu, bem pelo contrário, é fundamental que os indivíduos preservem as suas diferenças, e como membros de uma família que no seu seio preservem também essas idiossincrasias. Temos todos que fazer um esforço para compreender a diferença, tolerar a deficiência e promover a equidade o que é bem diferente de defender a igualdade. O que é diferente na essência jamais será igual, mesmo que a retorica dominante insista nessa narrativa. Eu tento o mais e melhor que posso congregar e reunir a minha família mas nem sempre isso é possível. Perdemos as nossas referencias pela incontornável lei da vida e como tal temos que perceber que agora somos nós essas referencias e temos que deixar alguma coisa em carga para as gerações mais novas, temos que assumir esse papel o mais preponderantemente possível e assim passar valores, passar conhecimentos, passar a própria ideia de família, sem ser um clã fechado aos amigos e a outras vivencias mas como núcleo gerador e congregador dessas outras formas de estar na sociedade.


6 – Quais os impactos mais visíveis do desaparecimento da família tradicional?

Eu acho que eles estão à vista e são conhecidos através dos mais vastos estudos sociológicos a que vamos tendo acesso de quando em vez. Alguma pobreza, as dependências em tenra idade, um certo desmazelo nas opções estéticas, o crescente número de depressões e suicídios, há toda uma panóplia de indicadores que nos remetem para uma desnorte, uma perca de rumo se assim entendermos. Nota-se um desenraizamento cultural, é gritante o alheamento dos mais jovens das questões do bem comum, da gestão da polis que é como quem diz da politica no seu estado mais puro. Apesar do acesso facilitado ao conhecimento assistimos a um certo desprezo pelo estudo das humanidades que nos trouxe à geração mais avançada tecnologicamente mas que não percebe os porquês da sua própria organização em sociedade. Hoje, falar aos jovens em Contrato-Social, é penoso pois temos que começar por uma aula de história da idade média, passar pela modernidade e chegar à idade contemporânea regressando aos clássicos. Dou por mim em reuniões de trabalho sendo aquele “chato” que acha que sabe tudo e nos dá lições de história e filosofia social e politica secantes quando estamos a falar de assuntos da empresa. Eles têm a história da humanidade na palma da mão, literalmente, mas não usam essa ferramenta se não forem alertados para a sua necessidade. Esses alertas devem nascer na família, nesse núcleo primeiro da polis. Deve ser ao jantar, ou nas pausas do trânsito matutino que devemos ir passando os “iscos” para a busca do conhecimento. As famílias hoje conversam pouco entre si e algumas estão tão desestruturadas que não conseguem apoiar os seus mais próximos. Isso faz aumentar as desigualdades sociais.

7– Qual a sua opinião sobre a forma como a sociedade está a evoluir?

Não sou sociólogo, aliás tenho por essa classe de estudiosos um sentimento ambíguo, respeito alguns e desprezo outros, gosto muito de algumas ideias e abomino outras e há sempre uma teoria para contrariar a outra e há ainda aqueles que passam a vida a contrariar-se a si próprios, são aquilo a que costumo designar os Boaventura desta vida. Eu sou um pessimista por natureza e um otimista racional que contraria esse pessimismo dia-a-dia. Ou seja, sendo pessimista não me desiludo com facilidade, nem com os homens nem com os animais, embora os primeiros façam um esforço maior do que os segundos para me desiludir, mas sou suficientemente otimista para acreditar na humanidade e conheço o suficiente da sua história para saber que existem ciclos e fases de purga e reconversão que transformam as sociedades em espaços melhores. Veja-se como hoje olhamos para os Povos do Norte da Europa como exemplos de civilidade. Esses eram povos bárbaros na Antiguidade Clássica e no Renascimento. Não podemos ser fatalistas e achar que o melhor dos tempos foi o que já passou, o nosso Povo, sábio, (perdoem-me o recurso a lugares comuns) usa dizer que “para trás mija a burra” e que “para a frente é que é caminho”, pois é isso que devemos fazer, construir um caminho novo sem olhar fixo no caminho feito mas sem perder de vista o que de melhor ficou na sua esteira.

8 – Que importância tem os amigos na sua vida?

São poucos, são muito poucos. Mas, são a melhor coisa do mundo. Quem já fez o que eu já fiz, quem vive em liberdade de pensar e expressar esse pensamento ganha muitos inimigos (quase sempre pouco inteligentes e por isso incapazes de destrinçar as situações) mas também ganha adeptos. Passei por fazes melhores e por fazes menos boas da vida e numa dessas fases muito difícil até do ponto de vista material, valeu-me a família e uma meia dúzia de amigos os quais jamais poderei esquecer e que me têm acompanhado desde os bancos do Liceu. Essa foi uma fase em que também percebi que alguns dos nossos adversários políticos não são inimigos e podem inclusive ser amigos, pela sua inteligência, pela sua ética, pela sua memória estão lá na hora em que necessitamos do seu apoio.

9– Para além da profissão que actividades gosta de desenvolver no seu dia-a-dia?

A Agricultura é uma paixão antiga, não concebo a minha vida sem semear, plantar, enxertar, podar, colher, lavrar observar as abelhas, fazer uma cresta e por ai adiante. Na decorrência desta paixão apareceu muito cedo outra, os cavalos, gosto de montar, ensinar, galopar e trotar pelos campos, gosto do ambiente marialva e tudo o que esse desporto, ciência, arte congrega. Buffon disse um dia que o cavalo foi a mais nobre conquista do Homem, concordo em absoluto. Gosto também de percorrer a pé as entranhas das nossas Ilhas, tudo gostos que herdei do meu saudoso Pai. Dos cavalos tenho estado afastado nos últimos anos por razões de ordem pessoal, mas mantenho a minha atividade agrícola o mais que posso e além disso, percorro a Ilha, ora correndo ora caminhando, por entre os seus vales, planaltos e ribeiras, recorrendo muitas vezes a cartas militares antigas para encontrar caminhos desaparecidos entre quebradas e escorrimentos ou que a conteira ocupou. Acho mesmo, queiram perdoar a imodéstia, que poucas pessoas haverá que conheçam estas duas Ilhas, São Miguel e Santa Maria, tão bem como eu conheço.

10– Que sonhos alimentou em criança?

Cumpri quase todos, (vantagens do pessimismo), exceto a Independência dos Açores.

11 – O que mais o incomoda nos outros?

A hipocrisia, o hipócrita é o pior dos indivíduos mas parece que têm muitos amigos.

12 – Que características mais admira no sexo oposto?

O sexo oposto tem em mim um efeito devastador, uso dizer que “sou fraco das canelas”. Não resisto a uma mulher com sentido de humor, inteligente por isso.

13 – Gosta de ler? Diga o nome de um livro de eleição?

Sou um leitor obsessivo e um comprador de livros compulsivo, todos os dias vou à livraria. Costumo dizer, citando um autor desconhecido, que a cultura humanística nos ensina a desprezar o dinheiro que usamos em adquiri-la. Tenho dois livros dos quais não me separo O Príncipe de Maquiavel comentado por Napoleão Bonaparte e a Arte da Guerra de Sun Tzu, um livro de estratégia, escrito no século IV antes de Cristo, mas muitíssimo atual.

14 – Como se relaciona com o manancial de informação que inunda as redes sociais?

Como um frequentador de tertúlias de café. Ouço algumas coisas, desprezo outras, relevo quase tudo.

15 – Conseguia viver hoje sem telemóvel e internet? Quer explicar?

Sonho com esse dia. Digamos que é mais ou menos como o romântico sonho do “Um amor e uma cabana”. Nas férias consigo sempre estar uns dias com o telemóvel desligado, mas gostava de poder fazer uma espécie de “sabática”, numa cabana, na mata de preferência, ouvindo o crepitar de uma lareira e acompanhado de uma dúzia de livros que já estão escolhidos.

16 – Costuma ler jornais?

Os Regionais todos, alguns nacionais e algumas revistas estrangeiras que vão chegando em PDF por via das mais diversas redes sociais.

17 – O que pensa da politica? Gostava de ser um participante ativo?

Qualquer pessoa nas minhas circunstâncias, irrequieto cidadão, acredita que pode dar algo de si ao governo da polis, isso é participar ativamente na política. Já fui membro da Assembleia Municipal de Ponta Delgada, já fui Deputado Regional numa das legislaturas mais interessantes que a nossa autonomia conheceu, a única legislatura sem maioria absoluta. Fui dirigente partidário e mais não fui porque, democraticamente, não me escolheram, alguns estarão arrependidos, eu não me arrependo de nada do que fiz na e para a politica. Com esta idade acho que estou ainda mais preparado do que estava há 26 anos quando fui pela primeira vez a uma reunião da Assembleia Municipal de Ponta Delgada, mas não depende de mim, depende das muitas circunstâncias da vida. Uma coisa posso assegurar, não tenho paciência nem jeito para a disputa no interior dos partidos e enquanto os partidos detiverem o monopólio de propositura dificilmente serei mais ativo na política. No entanto devo referir que o que faço na rádio (Açores-TSF) todas as semanas, nos jornais sempre que posso  e nas redes sociais quase todos os dias, é política ativa, pura e dura só não é política partidária.



18 – Gosta de viajar? Que viagem mais gostou de fazer?

Adoro viajar, Santo Agostinho, um grande pensador da Idade Média,  dizia que a vida é como um livro e  quem não viaja não sai da primeira página. Não tenho uma viagem de eleição, desfruto de qualquer lugar onde vou. No entanto, Roma, Londres e Lisboa são cidades de onde regresso sempre com saudade.

19 – Quais são os seus gostos gastronómicos? E qual é o seu prato preferido?

Gosto de experimentar coisas diferentes e hoje sou quase vegetariano porque não sou apreciador de carne desde criança, gosto de cozinhar e dizem os amigos e a família que até não me dou mal com o fogão. Mas, sou de gostos simples, nada me dá mais prazer do que uma simples feijoada de feijão encarnado servido em cama de pão frito à moda da Ribeira Grande.

 20 – Que noticia gostaria de encontrar amanhã no jornal?

Para lá de todas as utopias gostava de ler que o uso de herbicidas tinha sido abolido nos Açores.

21 – Se desempenhasse um cargo governativo descreva uma das medidas que tomaria?

Poria o sistema de incentivos ao serviço dos mais fracos e pobres em vez de estar ao serviço dos mais ricos e poderosos como tem sido nos últimos 30 anos. Essa é uma das minhas desilusões com a política nos Açores nas últimas 3 décadas, aumentou o fosso entre os poucos ricos e os muitos pobres.

22 – Qual a máxima que o inspira?

“Maior do que a tristeza de não ter vencido é a vergonha de não ter tentado”.

23 – Em que Época histórica gostaria de ter vivido?

No dealbar da modernidade, gostava de ter sido um diplomata plenipotenciário no denominado Congresso de Vestefália e ter assim participado na construção do Estado Moderno. Curiosamente, Portugal não esteve representado formalmente nos encontros de Munster e Osnabruck de 1648 pois a hierarquia das potências de então não reconhecia a coroa restaurada em 1640. Éramos rebeldes. Hoje assistimos a algo parecido em relação à nação catalã.

24 – Que perspectiva tem da evolução política na Região nos últimos anos? Estão a criar-se os vícios próprios de quem está instalado há tempo demais no poder? Quer explicar?

É natural que se denunciem alguns tiques de totalitarismo, prepotência e arrogância. Assistimos a algo parecido com isto no final dos governos do PSD e estamos a assistir agora. Falta a alguns “jovens turcos” do PS-Açores memória coletiva. A grande parte dos que nos governam hoje, mesmo os que já eram grandinhos na altura, não sabe o que era ser oposição nos últimos tempos dos governos do PSD, principalmente depois da enorme vitória de 1992. Essa falta de memória leva-os a repetirem os mesmos erros dos “jovens turcos” de Mota Amaral. Há um discurso perigoso de unidade regional, a oposição, por seu lado, não tem ajudado nada a mudar esses comportamentos.

25 – É cada vez mais notória a falta de alternância ao PS na Região. Que razões encontra para explicar esta realidade? Como observador atento, como analise a situação que se vive no seio do PSD/Açores?.

Só há alternância se houver alternativa e essa está escassa. Numa Região pobre, sem recursos endógenos, há cada vez mais população dependente dos “favores” do Estado/Região, até mesmo ao nível dos órgãos de comunicação social. Essas dependências podem até nem ser voluntarias da parte dos governantes mas a subserviência, a necessidade de se sustentar leva muitas vezes a silêncios que se tornam veículos para o perpetuar do poder. Os americanos costumam usar uma frase de incentivo aos que procuram um rumo para a sua vida: “Go where the money is”, ora nos Açores o dinheiro está todo concentrado no Estado/Região/Autarquias, logo é para essa “gamela” que toda a economia se direciona, isso cria dependências enormes em relação ao poder instituído.
O PSD necessita de uma catarse e carece de um punhado de “Homens Bons” para poder sair do estado lastimável a que chegou. O CDS precisa de uma clarificação ideológica, ser definitivamente um partido conservador e deixar o espaço ocupado no seu seio pelos liberais aos partidos que entretanto se assumem como tal. A restante oposição à esquerda e à direita, onde se incluem os liberais, necessita afirmar-se, o Bloco de Esquerda é a única força politica que parece estar minimamente organizada e em sintonia com o que o eleitorado quer ouvir, é um certo populismo de esquerda, dai os seus resultados virem sempre a melhorar. Mas o Bloco defende políticas concentradoras de poder no Estado que põem em causa muitas das mais elementares liberdades individuais e até a própria democracia por isso, não é alternativa muito menos numa Região como a nossa.

25 – Como analisa o fenómeno da abstenção nos Açores? Há um desencanto e falta de confiança nos políticos e nas propostas políticas que apresentam? Os discursos políticos não são suficientemente galvanizadores do eleitorado, sobretudo do mais jovem?

Em primeiro lugar é importante referir que existe uma abstenção técnica enorme nos Açores, só apurando essa realidade podemos então nos dedicar ao estudo da verdadeira abstenção. Contudo, devo lembrar que abster-se é um direito, assim como votar é outro direito. Sou um liberal e como tal entendo que essas decisões são pessoais e devem ser respeitadas. A legitimidade democrática de quem é eleito não é beliscada por isso.

26 – Quais as preocupações que lhe causam a abstenção nos Açores?

Neste momento parece-me mais importante que os partidos, demais cidadãos e corporações se dediquem a tentar perceber por que razão 5% dos eleitores se dignou sair de casa e ir às mesas de voto para simplesmente dobrar e depositar o boletim em branco nas urnas do que propiamente se preocuparem com aqueles que, deliberadamente, não querem participar nas decisões mais importantes para a vida em sociedade.

27 – Acredita que a abstenção se resolve com a introdução de medidas de estímulo ao eleitor? E qual a sua opinião sobre uma solução deste tipo? Que outras soluções podiam ser adotadas?

Isso é um disparate que não merece sequer ser comentado.

 28 – Há uma convulsão no seio do CDS/PP, com o líder Artur Lima a ficar numa posição cada vez mais frágil. Era conhecido que Artur Lima procurou sempre soluções de liderança em São Miguel que pudesse dominar. Agora entra em conflito com dirigentes do CDS da Terceira e São Jorge. Como analisa a situação que se vive no CDS/PP. Poderá voltar a ser uma voz activa no partido sem Artur Lima na liderança?

Artur Lima foi um dos vencedores da noite eleitoral do passado dia 6 de Outubro, disso não há dúvidas, por isso me parece que quem vaticinou já a morte política do presidente do CDS-Açores está redondamente enganado. Artur Lima é um tacticista, um estratega da vida partidária, sobreviveu inclusive à direção de Assunção Cristas e Morais Soares que tudo fizeram para o substituir sem sucesso acabando por abandonarem a liderança do partido na decorrência dos resultados eleitorais da mesma noite. Todas as convulsões internas poderão trazer mais vida ao partido, mais debate e isso é salutar desde que não seja um “lavar de roupa suja”. Mas, penso que até ao congresso de dezembro próximo não se podem esperar grandes alterações até porque a sucessão no CDS de Lisboa está longe de estar resolvida, sem candidatos na linha da frente e sem uma clarificação ideológica que reposicione o CDS no xadrez partidário nacional no lugar em que se manteve até há bem pouco tempo.
As estruturas do CDS da Terceira e São Jorge estiveram com Artur Lima contra São Miguel ainda há apenas 3 anos no processo de construção das listas para as regionais de 2016, assim como esteve a estrutura nacional do partido agora demissionária. Hoje estão provando do fel que ajudaram a espalhar. Consta que é assim, infelizmente, a vida no seio dos partidos políticos, da esquerda á direita sem exceção. E é por aí que a decadência do regime se denúncia, nem sequer é pela falta de recursos financeiros, é mesmo pela podridão e pela hipocrisia dos seus atores. Foi assim em finais de XIX com a monarquia constitucional, e foi assim na primeira república, o que nos valeu, posteriormente, 40 anos de um regime musculado de Salazar.

29 – Como se justifica o facto de os Açores continuarem a ser a Região do país com maiores índices de pobreza, apesar do desemprego diminuir e da economia “estar a crescer? Esta realidade terá apenas com o facto de não haver uma distribuição de riqueza equitativa por todos? Quer explicar?

Eu atrás numa outra pergunta disse que mudaria o rumo do sistema de incentivos. Essa é a resposta à sua pergunta. Todo o sistema de incentivos ao investimento está direcionado para apoiar os que já têm a sua vidinha resolvida e bem resolvida e deixa de fora toda uma classe média baixa que vai caminhando para a pobreza ainda mais rapidamente e uma classe pobre que se afunda ainda mais em relação aos mais ricos. A Autonomia Regional foi a melhor coisa que nos aconteceu no último século, mas perdeu-se numa conta de deve e haver e destruiu toda a classe média e transformou o funcionalismo público, que havia ganho preponderância com Marcelo Caetano, numa nova classe de pobres envergonhados, endividados e incapazes de saírem dessa condição por via de uma regulação sufocante. Hoje, quem não tiver um bom IRS ou um bom registo bancário jamais conseguirá dar a volta à sua vida. O excesso de regulação e regulamentação acabou com os “self made men” e com a possibilidade de renascer de uma insolvência ou de uma situação fiscal irregular. É essa desigualdade de oportunidades que provoca mais pobreza e exclusão. Tenho muita pena que esse seja um assunto recorrente mas que nunca foi encarado estruturalmente mas tão só com medidas que não passam de paliativos. Sem criar riqueza e sem oportunidades para criar riqueza não se eliminam os pobres.

30 – Tem algo que considere interessante e/ou importante de que queira falar no âmbito desta entrevista?

Eu gostava de ainda assistir, em todas as Ilhas dos Açores mas em especial nas mais secas e expostas à erosão, à reflorestação de toda a pastagem de altitude que foi construída na febre das arroteis dos anos 60 e 70 do século XX, com espécies endémicas e não endémicas que sejam capazes de introduzir água nos solos e ver implementado um plano de pequenas barragens e açudes capazes de armazenar parte dessa água. Não temos o direito de deixar aos nossos filhos e netos uma herança tão pesada como é essa da falta de captação e retenção da água que existe em grande abundância nas nossas Ilhas mas que deixamos corra para o mar e desapareça chegando ao ponto de sentir a sua falta como ocorreu no Verão de 2018

In Jornal Correio dos Açores edição de 20 de Outubro de 2019

15 de outubro de 2019

Ventura

Não, não é da ventura do palácio encantado que Antero cantou que vos quero falar, nem do Deputado polémico eleito recentemente, mas sim do que ele representa para cada um de nós que tem dentro de si vontade de decidir mas que não resiste a um bom populismo. Um grupo de cidadãos, altamente dependentes da gamela do Estado/Região representativo das corporações costumeiras encabeçado pela troica subsidiada Câmara do Comércio/Federação Agrícola/ UGT, decidiu lançar uma petição para a reforma do sistema eleitoral. Até aí tudo bem. No entanto, defender a redução do número de Deputados é mera demagogia populista a que até essa troica não resistiu, pois implica reduzir a representatividade, a pluralidade e, principalmente, retirar a São Miguel e Terceira ainda mais peso nas decisões do parlamento. Afinal cada um de nós tem em si um populista a troica açoriana não é exceção à regra. Essa troica quer assumir-se como oposição, mas não quer sair da sua zona de conforto e ir ao encontro dos Açorianos que se sentem órfãos. Essa troica, no fundo, é a principal beneficiária do atual regime, um regime que gere a seu belo prazer uma gamela enorme chamada sistema de incentivos.

In Jornal Açoriano Oriental edição de 14 de Outubro de 2019

2 de outubro de 2019

Vergonha


Vergonha alheia é o que sinto pela incompetência e desonestidade intelectual de muitos agentes políticos. O Liceu de Ponta Delgada, a escola do meu Avô, do meu Pai, a minha escola e de muitos milhares de Açorianos, está instalado há quase um século num dos mais belos edifícios da Cidade de Ponta Delgada a tal que, nem por nada, pode ser capital seja do que for. Esse edifício algumas das mais belas salas dos Açores em risco de colapso e se perderem. A incompetência e a falta de lastro de quem nos governa trouxe-nos a este ponto quase sem retorno. Um ponto em que o custo de recuperação pode ser muitíssimo superior ao custo que teria tido a manutenção atempada e convenientemente feita. Falta lastro, saber, falta muita coisa a quem nos governa e falta, essencialmente, açorianidade, mas acima de tudo falta que essa gente tenha respeito por São Miguel e pelos micaelenses na cultura é preciso gente que pense mais além do que o Alto das Covas. Na educação, o que esperar de alguém que nasceu já na democracia e para lá do sol nascente? Falta coragem, sim, e falta pensamento nos Açores.


In Jornal Açoriano Oriental edição de 01 de Outubro de 2019

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