27 de abril de 2018

Coluna Liberal - Jornal Diário dos Açores 27 de Abril de 2018


Pouco assisti à investigação da SIC sobre (a alegada) corrupção entre o Sr. Ricardo Salgado, de um lado, e os Srs. José Sócrates, Manuel Pinho, Zeinal Bava… do outro lado. Mas o caso parece cheio daqueles episódios em que a realidade ultrapassa a ficção. A ficção rasca. E como tal, confesso, acaba por me interessar mais ir seguindo o FCP.
Todavia, no futebol, lá vem o Benfica e a operação e-toupeira. Levanto os olhos aos céus… e logo tem de passar um avião na rota de Lisboa, onde me lembro que viajará o Sr. Carlos César, ou a D. Berta Cabral, que mal aterrarem irão receber o (legalíssimo) reembolso por essa viagem apesar de ter sido a Assembleia da República a pagá-la, isto é, o leitor e eu. Tal como aliás somos nós quem paga os reembolsos.
Não há como fugir à coisa.
Pelo que trago a estas páginas o livro que um antigo colega de faculdade teve recentemente a amabilidade de me enviar: Sociedade e Estado em Construção: Desafios do Direito e da Democracia em Angola (Coimbra: Almedina, 2012), coorganizado por José Octávio Serra Van-Dúnem, particularmente o capítulo da sua autoria cujo título importei para esta crónica.
Onde alarga a corrupção a práticas desde os subornos à dispensa de favores particulares; desde a burla ao tráfico de influências; desde a legislação a favor de interesses privados (ai a legalidade dos subsídios dos deputados!) às relações promíscuas entre agentes privados e agentes públicos (ai o complemento do ministro Pinho pago pelo GES!).
Em consequência, “a economia dilacera-se porque os projectos e os negócios públicos não são estudados e desenvolvidos em função da sua utilidade pública (…) mas sim tendo em conta as comissões e os rendimentos que os agentes do processo vão ganhar (…). Ao nível social a corrupção agrava as desigualdades entre os cidadãos (…) e degrada os valores morais, éticos e profissionais” (p. 155).
A propósito dessa dilaceração económica: depois das notícias ao longo da última década de nomeações políticas para a administração da Caixa Geral de Depósitos, de empréstimos deste banco aos amigos e associados daqueles diretores, e das consequentes notícias sobre a necessária recapitalização do banco público, nesta semana o Eurostat anunciou que o défice orçamental português, contando com essa recapitalização, se fixa em 3% do PIB – o segundo pior da UE em 2017.
Mas saltemos sobre a estimativa de quão a corrupção poderá pesar no desempenho económico, para registar dois apontamentos de Serra Van-Dúnem sobre a adoção de uma “ética da responsabilidade”.
Por um lado, esta última decorre de pelo menos uma de duas relações. A que se estabelece entre a ação e os respetivos resultados – avaliando-se moralmente os agentes conforme os resultados das suas ações respeitem, ou não, o compromisso que tais agentes tenham assumido para desempenharem as respetivas funções. E a relação entre a ação e os valores que a orientem, independentemente dos resultados – avaliando-se o agente conforme se oriente no respeito pelo respetivo compromisso.
De modo que tanto a educação e formação profissional, a montante das ações, quanto os processos de avaliação do desempenho, a jusante deste, devem incidir nos valores que orientam as ações e/ou nas consequências delas.
Por outro lado – à atenção do Senhor Presidente da Assembleia da República – “a atitude que os órgãos adoptarem diante de casos de corrupção será um primeiro sinal claro da preocupação com aquilo que pertence a todos” (p. 158). Da preocupação… ou da falta dela, entenda-se.
Mas não apenas à atenção dos detentores dos cargos institucionais. Referindo Bryan Turner, o nosso autor distingue a “cidadania passiva”, a impor pelo Estado aos cidadãos, e a “cidadania activa, a partir ‘de baixo’, como reforço das próprias Instituições” (p. 159). A preservação do Estado de Direito – em que a lei está acima de quaisquer interesses privados – cabe pois tanto àqueles a quem os restantes, provisoriamente, confiam os cargos públicos, quer entretanto a todos estes outros.
 Numa vigilância e intervenção “a partir ‘de baixo’” que, como ao que julgo saber também será o caso do meu amigo José Octávio em Angola, por cada pequena vitória pode bem sofrer umas quantas derrotas. No entanto, desistir da cidadania ativa por causa destas, é não perceber que o que primeiramente está em causa face à corrupção não é o estado da res publica. É a escolha do que cada um de nós quer vir a ver no dia em que, perante a morte, olhar para si próprio e para este rápido e pequeno percurso de vida que aí nos terá levado.


Jornal Diário dos Açores 27 de Abril de 2017

14 de abril de 2018

Coluna Liberal - Jornal Diário dos Açores 13 de Abril de 2018



A frase que titula esta minha coluna de hoje foi retirada da obra  “Segundo Tratado do Governo Civil” do filósofo Inglês da modernidade John Locke.
Depois da gigantesca crise politica que a europa viveu  durante e no rescaldo da Guerra dos 30 anos, conjunto de conflitos que, grosso modo, opuseram  o mundo católico e o mundo protestante, as monarquias absolutas às tendências constitucionais,  a paz negociada durante três anos no congresso ou congressos de Vestefália  culminou com os tratados de Munster e Osnabruque.
O conjunto desses tratados de paz, marca o inico da idade moderna e com ela  a reforma do sistema politico à escala global. Acontece, então, a construção humanística do principio da soberania dos Estados, nasce a noção de Estado-nação e são lançadas as bases do pensamento filosófico do chamado equilíbrio de poderes, de um direito internacional publico e da igualdade entre estados, visando a paz duradoura. Nasce, na verdade, para a historiografia, o sistema que conhecemos como Estado Moderno.
John Locke (1632-1704) é, sem sombra de dúvidas, o mais influente pensador político da modernidade, o grande teorizador da separação de poderes que havia já sido aventada na antiguidade clássica por Aristóteles. Foi, na verdade, Aristóteles no seu tratado sobre o governo da polis quem, na antiga Grécia, pela primeira vez, teorizou sobre a necessidade da separação de poderes. Depois de Locke , também, Montesquieu, no seu Espirito das Leis (1748) esquematizou a necessidade de uma separação de poderes como forma de garantir as  liberdades  dos cidadãos por limitação e fiscalização da ação dos agentes do Estado.
Hoje, não há regime democrático que não se baseie nessa  separação dos três principais poderes, o   poder legislativo, quem faz as leis, o  poder Judicial, quem aplica as leis e o poder executivo que administra de acordo com as leis.
Para Locke a principal  preocupação para a  implementação do principio da tripartição de poderes, tem por objetivo  a forma de impedir que os diversos poderes  na gestão dos assuntos da polis numa  determinada sociedade se concentrem demais numa única figura da autoridade do estado.
Ambos, Montesquieu e Locke, partem, e bem, dum princípio que nos parece obvio de que qualquer homem com poder tende a abusar dele. E como se usa dizer “se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente”. É aqui que o autor, filósofo político inglês assume particular relevância. Foi na verdade, na decorrência da substituição do regime das monarquias absolutas pelo regime que acima referimos como Estado-Moderno e do pensamento de Lock que as sociedades modernas tomaram consciência dessa necessidade. As revoluções atlânticas (Revolução Francesa e revolução Americana) foram as primeiras consequências.
Revisitei Locke a propósito da espuma dos dias e da enorme necessidade de clarificação da separação de poderes e da manipulação que alguma esquerda tem feito à volta da prisão de Lula da Silva. Na verdade, a tendência das esquerdas de vitimizar o antigo Presidente do Brasil acusando o poder judicial de ter participado num ato de linchamento politico levanta em qualquer filosofo politico dúvidas se essa gente sabe sequer em que regime e sistema todos esses acontecimentos se desenvolveram.
O Brasil, ao contrário de outras realidades políticas da ibero-américa, tem um histórico na separação de poderes que remonta à sua independência e ao regime liberal instituído pelo Imperador D. Pedro Primeiro.

A revisão da constituição federal de 1988 reforçou essa separação de poderes. Esse mecanismo de valor reforçado, assegura que nenhum poder poderá sobrepor-se ao outro, garantindo uma independência harmoniosa nas relações de governação. Existem diversas outras medidas de relacionamento desses poderes tendo sempre como matriz básica o garante do equilíbrio entre poderes.

Na atual Constituição Federal Brasileira, a divisão dos Poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário é Cláusula Pétrea , quer dizer, é clausula que não pode ser  objeto de alteração/revisão.

O Direito Processual Penal brasileiro rege-se, basilarmente, pelas garantias e determinações insculpidas na acima referida Constituição Federal de 1988. A última alteração legislativa em sede de processo penal foi feita em 2011, ainda durante o ultimo mandato de Lula da Silva.
Durante os últimos anos, entre 2003 e 2011 com Lula e entre 2011 e 2016 com Dilma, nem a constituição nem o processo penal foram questionados. Bem pelo contrário, estiveram em vigor as mesmas normas e regras.

O que mudou entretanto? Mudou que o normativo que serviu a democracia brasileira e  o regime do PT, é agora contestado porque não dá jeito aos seus amigos,  porque  serviram agora para depois de julgado e provados factos, privar Luis Inácio Lula da Silva,  de liberdade.

Jornal Diário dos Açores, edição de 13 de Abril de 2018.


Painel Económico Jornal Correio dos Açores edição de 13 de Abril de 2018


12 de abril de 2018

Para memória futura_ judicialização da política

(...)A judicialização da política só acontece (e de facto ela está a acontecer) porque por cumplicidade, cobardia, desleixo ou desistência entregámos aos tribunais o que devia ser o nosso papel: dizer não aos políticos. A partir do momento em que deixamos de dizer não aos políticos transferimos poder para os tribunais. E aos tribunais não se diz não nem sim. Cumpre-se.
Helena Matos em O Observador, 8 de Abril de 2018
https://observador.pt/opiniao/a-coisa/

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