31 de março de 2018

Coluna Liberal - Jornal Diário dos Açores 30 de Março de 2018


Cumpriram-se nesta semana 92 anos sobre a publicação de um dos contributos do (julgo) maior intelectual português de sempre – aliás, o único nos nossos nove séculos que merecerá destaque mundial – a favor do liberalismo económico: o artigo “A evolução do comércio”, publicado por Fernando Pessoa no Nº 3 da Revista de Comércio e Contabilidade, Lisboa, em 25/03/1926.
Cuja evocação abro com uma citação dedicada aos altermundialistas de hoje, aos socialistas do Bloco de Esquerda, PCP, e PS+D’s que com eles geringonçam, mas igualmente aos conservadores que rejubilam desde o brexit às promessas de Trump: “A actividade social chamada comércio, por mal vista que esteja hoje pelos teoristas de sociedades impossíveis, é contudo um dos dois característicos distintivos das sociedades chamadas civilizadas”.
Pessoa, que desenvolveu a sua carreira profissional precisamente no setor comercial, reconheceu a cultura como o outro traço distintivo da civilização. Entre os quais, argumenta, se estabelece tanto uma relação “paralela” quanto outra de causalidade.
Para concluir com a primeira, toma como premissas que “a vida é essencialmente relação”, entre povos, “quando [for] vida civilizacional”. E que os “fenómenos da vida superior” são “materiais e mentais”. Daí a conclusão intermédia: “devem ser materiais e mentais os fenómenos da vida superior civilizacional; e (…) de relação”.
Ora, “o comércio é (…) uma entrepenetração económica das sociedades”. Supondo a premissa implícita de que não haverá relação económica maior – retira a segunda conclusão intermédia de que “é no comércio que as relações materiais entre sociedades atingem o máximo”. Pessoa reduplica em seguida este passo argumentativo para a cultura e as relações mentais.
O que permite a conclusão final de “que uma sociedade com alto grau de desenvolvimento material e mental (…) forçosamente será altamente comercial e altamente cultural, paralelamente”.
Mas afirma também a referida relação de “causalidade” entre comércio e cultura (Pessoa usa aquele conceito de forma errada, ou pelo menos discutível, referindo-se antes a “condicionalidade”, mas manterei o seu termo). Como primeira premissa, assume que historicamente “o fenómeno material precede sempre o fenómeno mental”. Segue-se diretamente a conclusão intermédia de que “o meio mais seguro de se formarem contactos mentais é terem-se formado contactos materiais”.
À qual junta três premissas: “a cultura, ao aperfeiçoar-se, tende (…) para não excluir da sua curiosidade elemento algum estranho”. “Quanto mais fácil for o contacto com elementos estranhos tanto mais essa curiosidade se animará”. E “a cultura exige necessariamente um contacto demorado e pacífico”. Portanto, “o contacto material, que a estimule, terá que ser demorado e pacífico”. E carateriza-o numa última premissa: “é isto mesmo que, em contraposição à guerra, distingue a actividade social chamada comércio”.
Daí a referida conclusão final da “causalidade” dessa atividade sobre o aperfeiçoamento cultural.
“O estabelecimento, um pouco demorado desta analogia ou paridade entre o fenómeno cultural e o comércio não é uma espécie de degressão ou devaneio neste artigo (…). Visa, antes de mais nada, a mostrar claramente a importância social do comércio, e a mostrá-la àqueles mesmos que frequentemente a esquecem ou a negam. E como esses, em geral, são os que são ou se julgam pessoas de cultura, o argumento, que se lhes opõe, é tirado das próprias preocupações deles; responde-se-lhes na própria língua que falam ou dizem falar” (F. Pessoa dixit).
Como “contraprova constante” do anterior argumento, o autor propõe a verificação de um paralelismo entre “estádios” ou níveis de desenvolvimento cultural e comercial ao longo da história. E precisamente verifica-o. Para apontar ainda traços da fase que então se abria, sobre a ciência económica e a sua matematização, a especialização na indústria e comércio, o movimento sindical…
A dimensão destas minhas crónicas impõe interromper aqui a leitura desse artigo – que o leitor porém facilmente continuará online. Mas não acabarei sem antes apontar o que, para nós liberais, é mais importante do que a liberdade comercial – invertendo aliás neste ponto a relação de “causalidade” reconhecida por Pessoa, agora na primazia intelectual sobre qualquer empreendimento ou reflexão económica, política, etc.: num perfeito controlo mental, o autor de O Livro do Desassossego, que aí exemplificou uma descrição minuciosa de vivências, exemplifica aqui a argumentação lógica e a verificação empírica.
Sendo esta última forma racional e discursiva aquela que se impõe na ponderação e decisão políticas. Esta é a primeira interpelação de Pessoa aos que “se julgam pessoas de cultura”, e em geral a todos os “teoristas de sociedades impossíveis”. A ver se, por esses caminhos, não assinalam o centenário desse artigo de Fernando Pessoa, num não muito distante mês de março, alienando a civilidade da nossa sociedade.


Miguel Soares de Albergaria, Jornal diário dos Açores 30 de Março de 2018

16 de março de 2018

Coluna Liberal - Jornal Diário dos Açores 16 de Março de 2018


Não foram essas as palavras utilizadas pelo governante que tutela a agricultura, foram outras, mas o significado é absolutamente o mesmo.
Falta carne nos talhos de São Miguel, dizem as notícias replicando as queixas dos prezados talhantes. É o mercado diz o governante da tutela.
Dizem por aí que eles são do Socialismo, eu cá acho é que eles não são de coisa alguma, a não ser da falta de vergonha.
Não, não é o mercado, porque o mercado não funciona na fileira da carne porque o Governo que o Sr. Eng. João Ponte integra é tudo menos pela economia de mercado, é um governo socialista de manhã ao acordar, totalitário à tarde quando é hora de governar e liberal à noite quando chega a hora de justificar os fracassos e quando as coisas correm mal.
Na verdade, não há fileira e sector mais regulado e regulamentado e subsidiado do que o da carne e não há fileira onde o Governo intervenha mais do que nesta. Aliás é isso mesmo que o Governo anuncia quando as coisas correm de feição. Portanto, tudo o que corre mal é culpa tão só do governo, socialista e nada liberal. Não é uma questão do mercado, é uma questão de intervenção do estado que falseia todo o mercado e altera todas as suas premissas.
A intervenção do estado começa logo nos apoios ao transporte de fertilizantes para o uso na agricultura, dizem que é uma medida de elementar justiça fundamentada na ultraperiferia. Até pode ser. Mas que desvirtua as leis do mercado disso não haja a menor sombra de dúvida. Depois vem a ajuda aos bovinos machos, paga com os impostos dos alemães mas a mando dos Senhores de cá, mais uma medida que me dizem é justíssima e também ela alicerçada no discurso sobre a distância aos mercados. Até pode ser, admito-o. No entanto, ela funciona em contraponto às leis do próprio mercado.
Esta fileira recebe ainda que indiretamente apoios do POSEIMA para a importação de cereais para produzir alimentos para animais. Medida esta que serve, para além de enriquecer ainda mais industriais com os impostos dos pobres, desvirtuar os custos de produção e assim alterar as leis do mercado.
Uma outra ajuda de estado/região, desvirtua de tal ordem o mercado que nunca um governante regional poderia dizer o que disse João Ponte sem que  fosse de imediato chamado ao Parlamento para se explicar (isso se ainda tivesse peso para continuar governante). Trata-se da ajuda à exportação de produtos Açorianos.
Esta ajuda prevê apoios muito significativos ao transporte, armazenamento e comercialização de produtos  dos Açores em mercados fora da região. São elegíveis, de acordo com a portaria em vigor, despesas com transporte das ilhas de Santa Maria, Graciosa, São Jorge, Pico. Faial, Flores e Corvo para as restantes ilhas do arquipélago e de todas as ilhas para o exterior da Região;  Despesas com a comercialização e distribuição em grandes superfícies comerciais, no exterior da Região;  Despesas com a logística e armazenamento, no exterior da Região;  Despesas com seguros de mercadoria e seguros de expedição;  Juros com o acesso a linhas de crédito para efeitos de realização de operações de expedição.
Ainda este ano o Governo pela Boca do mesmo responsável governamental anunciou um investimento de 15 milhões de euros na rede de abate regional para melhorar as condições e valorizar a carne açoriana nos mercados externos à mesma.
São exportadas quase 100% das carcaças de vacas abatidas para o mercado espanhol  e 90% dos vitelões para o mercado continental especialmente para a marca Pingo Doce, ficando na Região uma parte residual dos animais abatidos para consumo local.
Por outro lado, para satisfazerem a elevada procura de carne na restauração e consumo domésticos, são importadas muitas centenas de toneladas de carnes nobres, lombos, vazias e picanhas, oriundas da América do Sul (países terceiros) que entram na União através de importadores da Ilha da Madeira e como tal não são  contabilizadas estatisticamente como importações de carne para os Açores. Do prado ao prato é um slogan de grande valor, mesmo que, na prática, seja das Pampas ao prato.
Estes apoios não só desvirtuam o mercado como fomentam de tal ordem a sua exportação  de produtos da Região que os mesmos começam a escassear cá dentro.
Poderia fazer desfilar por aqui um enorme rol de ajudas de estado e da união que desvirtuam este e outros mercados esta e outras fileiras. Na verdade,  É disso que falamos hoje, quando repensamos a Europa. Aliás, é o envelope financeiro que irá caber a cada um no quadro das perspetivas financeiras da União , o único momento de debate que esta proporciona a nível nacional e regional. O quadro regulador das ajudas e os seus montantes são a única coisa que nos interessa discutir sobre a Europa. É pouco!

Jornal Diário dos Açores, edição de 16 de Março de 2018

13 de março de 2018

Para memória futura _ Satélites e lançadores deles


Sim é de nós que andam a falar. Sim Daniel Gonçalves, esta é uma "conversa com barbas" grandes e mal-cheirosas, com muito cheiro a pólvora queimada literalmente. Daqui a uma vintena de anos vamos estar falando de descontaminação e outras merdas nas Ilhas do Turismo sustentável, das eco-escolas e das vacas felizes.

3 de março de 2018

Coluna Liberal - Jornal Diário dos Açores 2 de Março de 2018

Esta semana o presidente do Governo Regional e o seu secretário das finanças anunciaram uma viragem liberal numa importante dimensão da política económica açoriana. Palmas! Mas também não quero deixar de participar aqui na discussão em curso sobre a eutanásia, e a minha próxima vinda a esta Coluna poderá ser tardia para isso. Divido-me então, mas first things first.
1.      A questão política da eutanásia, e uma sua resposta liberal – Tomemos o caso (real) de uma jovem italiana que desenvolveu uma personalidade eminentemente prática e desportiva, até que na casa dos 20 anos sofreu um acidente de ski e ficou tetraplégica. Não tendo conseguido esboçar um outro projeto de vida, muitos anos depois pediu a morte ao pai. E este acabou por pedi-la às autoridades que teriam competência na matéria.
Duas perguntas se formulam aqui. De um lado: devo eu, uma vez posto/a numa situação como aquela, considerar que já tirei o partido que pude da vida, e que não faz sentido prolongar o sofrimento gratuito em que esta se me tornou? Devo eu, uma vez que isso aconteceu a uma pessoa querida e ela me pede a morte, facultar-lha? – Questão moral, que pergunta pela bondade ou maldade da eutanásia.
Do outro lado: a quem compete decidir se a pergunta anterior se pode colocar, ou se ela estará respondida à partida e em geral? E neste segundo caso, a eutanásia será proibida ou será possível? Em suma, a escolha sobre o sentido da minha vida, e assim sobre a oportunidade da minha morte, cabe-me a mim, ou cabe às pessoas que de momento detêm os poderes políticos? – Questão política, que pergunta por quem tem o poder de decisão.
Estas questões são logicamente independentes. Pois é legítimo alguém responder positivamente à segunda, dando liberdade a cada um de decidir sobre si, ainda que essa pessoa não se disponha a pedir a antecipação da morte. Assim como é possível julgar que esta seria para si próprio a melhor solução, embora não defenda a sua legalização por temer abusos que pudessem ser feitos. O que significa que não é legítimo responder-se a uma das questões, e pretender-se que assim se terá respondido também à outra.
Mas a questão política é logicamente anterior à moral, pois, para haver qualquer decisão, tem de se ter estabelecido quem a tomará.
Ora, àquela primeira questão, a resposta liberal é para já clara: no dia em que alguém apresentar um critério de validade das respostas morais que faculte o grau de certeza dos critérios em matemática, ou até apenas em física ou química, poderemos discutir a quem caberá aplicá-los (se cada pessoa, se apenas os governantes em nome de todos).
Enquanto nenhum iluminado, porém, conseguir fundamentar um tal critério, a discussão nem se nos coloca. Pois, até esse dia, essa discussão será de facto sobre se cabe às poucas pessoas que detêm os poderes políticos decidir não só sobre questões coletivas – ex. escola pública, saneamento básico, etc. – mas também sobre questões íntimas – como o sentido da vida de cada um, e assim a oportunidade da sua morte.
E, desde John Locke no alvor do liberalismo, precisamente dada a referida independência das questões, recusamos que a intimidade de cada pessoa se reduza ao plano das relações públicas. Cabe pois a cada um decidir sobre as respetivas questões íntimas, desde eventualmente as religiosas – que motivaram o ensaio de Locke – à questão moral da eutanásia.
2.      A aplaudir… fiscalizando – Na 2ª feira passada o Governo Regional anunciou que vai extinguir umas empresas públicas, e alienar a participação pública noutras. Seja a razão desta liberalização uma opção intencional pela iniciativa privada e pelo mercado, seja ter a Secretaria das Finanças virado as algibeiras do avesso e não encontrar um cêntimo – na conferência de imprensa Sérgio Ávila argumentou pela primeira explicação… – a orientação geral só peca por tardia: salvo casos especiais, entre as funções do Estado não se devem incluir as da produção – nesta Coluna, pistas de justificação desta tese encontram-se especialmente nos textos de Nuno Barata. Para que a concretização seja correta, porém, importa acautelar:
a)      A transparência, e sem favorecimentos particulares, das alienações de capital;
b)      As mesmas qualidades, no respeito pelo mercado, em eventuais futuros contratos de prestação dos serviços agora públicos;
c)      Precisamente nos casos em que, em ilhas demasiado pequenas para terem “massa crítica”, porventura certos processos de produção ou são públicos ou não são feitos, o respeito pela população imporá ao Governo a discussão pública (!) da política de ordenamento do território então a implementar.

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