Esta
semana o presidente do Governo Regional e o seu secretário das finanças
anunciaram uma viragem liberal numa importante dimensão da política económica
açoriana. Palmas! Mas também não quero deixar de participar aqui na discussão
em curso sobre a eutanásia, e a minha próxima vinda a esta Coluna poderá ser
tardia para isso. Divido-me então, mas first
things first.
1. A questão política da eutanásia, e uma sua resposta liberal – Tomemos o caso (real) de
uma jovem italiana que desenvolveu uma personalidade eminentemente prática e
desportiva, até que na casa dos 20 anos sofreu um acidente de ski e ficou
tetraplégica. Não tendo conseguido esboçar um outro projeto de vida, muitos
anos depois pediu a morte ao pai. E este acabou por pedi-la às autoridades que teriam
competência na matéria.
Duas perguntas se formulam aqui. De um lado: devo eu,
uma vez posto/a numa situação como aquela, considerar que já tirei o partido
que pude da vida, e que não faz sentido prolongar o sofrimento gratuito em que
esta se me tornou? Devo eu, uma vez que isso aconteceu a uma pessoa querida e
ela me pede a morte, facultar-lha? – Questão moral, que pergunta pela bondade
ou maldade da eutanásia.
Do outro lado: a quem compete decidir se a pergunta
anterior se pode colocar, ou se ela estará respondida à partida e em geral? E
neste segundo caso, a eutanásia será proibida ou será possível? Em suma, a
escolha sobre o sentido da minha vida, e assim sobre a oportunidade da minha
morte, cabe-me a mim, ou cabe às pessoas que de momento detêm os poderes
políticos? – Questão política, que pergunta por quem tem o poder de decisão.
Estas questões são logicamente independentes. Pois é
legítimo alguém responder positivamente à segunda, dando liberdade a cada um de
decidir sobre si, ainda que essa pessoa não se disponha a pedir a antecipação
da morte. Assim como é possível julgar que esta seria para si próprio a melhor
solução, embora não defenda a sua legalização por temer abusos que pudessem ser
feitos. O que significa que não é legítimo responder-se a uma das questões, e
pretender-se que assim se terá respondido também à outra.
Mas a questão política é logicamente anterior à moral,
pois, para haver qualquer decisão, tem de se ter estabelecido quem a tomará.
Ora, àquela primeira questão, a resposta liberal é para
já clara: no dia em que alguém apresentar um critério de validade das respostas
morais que faculte o grau de certeza dos critérios em matemática, ou até apenas
em física ou química, poderemos discutir a quem caberá aplicá-los (se cada
pessoa, se apenas os governantes em nome de todos).
Enquanto nenhum iluminado, porém, conseguir
fundamentar um tal critério, a discussão nem se nos coloca. Pois, até esse dia,
essa discussão será de facto sobre se cabe às poucas pessoas que detêm os
poderes políticos decidir não só sobre questões coletivas – ex. escola pública,
saneamento básico, etc. – mas também sobre questões íntimas – como o sentido da
vida de cada um, e assim a oportunidade da sua morte.
E, desde John Locke no alvor do liberalismo,
precisamente dada a referida independência das questões, recusamos que a
intimidade de cada pessoa se reduza ao plano das relações
públicas. Cabe pois a cada um decidir sobre as respetivas questões íntimas,
desde eventualmente as religiosas – que motivaram o ensaio de Locke – à questão
moral da eutanásia.
2. A aplaudir… fiscalizando – Na 2ª feira passada o Governo Regional anunciou que
vai extinguir umas empresas públicas, e alienar a participação pública noutras.
Seja a razão desta liberalização uma opção intencional pela iniciativa privada
e pelo mercado, seja ter a Secretaria das Finanças virado as algibeiras do avesso
e não encontrar um cêntimo – na conferência de imprensa Sérgio Ávila argumentou
pela primeira explicação… – a orientação geral só peca por tardia: salvo casos
especiais, entre as funções do Estado não se devem incluir as da produção –
nesta Coluna, pistas de justificação desta tese encontram-se especialmente nos
textos de Nuno Barata. Para que a concretização seja correta, porém, importa
acautelar:
a) A transparência, e sem
favorecimentos particulares, das alienações de capital;
b) As mesmas qualidades, no
respeito pelo mercado, em eventuais futuros contratos de prestação dos serviços
agora públicos;
c) Precisamente nos casos em
que, em ilhas demasiado pequenas para terem “massa crítica”, porventura certos
processos de produção ou são públicos ou não são feitos, o respeito pela
população imporá ao Governo a discussão pública (!) da política de ordenamento
do território então a implementar.
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