19 de outubro de 2018

Já não há consequências



Pode parecer, ao mais incauto leitor desta minha crónica, que venho aqui desancar na classe política e politiqueira (nesta ultima apetece-me sempre dar uns abanicos) pela falta de coragem em retirar consequências pessoais dos seus atos públicos. Não, não é só isso que interessa embora isso seja uma das grandes causas da perca desse enorme valor na nossa sociedade.
É transversal à sociedade portuguesa contemporânea. Tornou-se normal. Os pais, talvez por peso de consciência, não obrigam os filhos a tirarem consequências do seus atos irrefletidos e estes levam isso para o seu futuro. Os professores não são responsabilizados pelos seus fracassos, a escola não assume as suas culpas as famílias demitem-se das suas responsabilidades, as empresas escudam-se em articulados estéreis de leis sem sentido para não cumprirem com as suas obrigações, os médicos falham na deontologia, os filósofos e os sociólogos “vendem” narrativas ideológicas como se de verdades científicas se tratassem e  que nos levam a becos, os jornais transformam verdades em mentiras e vice-versa, e podia aqui desfiar um rol de irresponsabilidades e inconsequências sem fim. Somos um país inconsequente.
Quando foi a última vez que ouviu a frase: Ministro demite-se em consequência de? Se “googlar”(verbo novo ainda fora dos dicionários mas de grande utilidade prática)  esta frase irão aparecer inúmeras noticias, deste ano 2018,  na França, Noruega, Reino Unido, Espanha, Jordânia, Grécia e até no Haiti, um estado em posição periclitante entre o exíguo e o falhado.
Por cá, desde Jorge Coelho que se demitiu em 2001 na sequencia da queda da Ponte Hintze Ribeiro e Pedro Lynce que deixou o governo em 2003 por ter havido um favorecimento a uma filha de um membro do Governo no acesso ao ensino superior, não houve outro ministro que saísse do Governo que não fosse por “razões pessoais e cansaço” de resto não há consequências a tirar dos casos, dos casos comprovados e muito menos das suspeitas.
Um ministro, um Secretário Regional, um membro de uma administração de uma empresa pública, um diretor de uma instituição com contratos com o governo, um simples diretor de departamento dentro de uma empresa pública, não podem estar sob suspeição.
Os cidadãos carecem de estar seguros de que são governados pelos melhores. Os contribuintes merecem ter garantias de que o seu esforço para os cofres do Estado/Região são feitos em prol do bem-comum e não de grupelhos organizados que “se vão safando” e ainda aparecem, de quando em vez, armando-se em filantropos, fazendo uma ou outra caridadezinha num jantar de gala. Foguetabraze!
O Estado/Região, seja ele governado à esquerda ou à direita tem que o ser pelos melhores e os melhores nem sempre são os mais espertos, os mais sábios ou as eminências pardas dos regimes. Os melhores são, neste caso, os mais sérios, os mais honestos intelectualmente e materialmente e aqueles que olham, de facto, os mais pobres , os mais desprotegidos e os apoiam e os ajudam a sair dessa condição.
O caso, ainda quente, relativo às pressões efetuadas por parte de uma Administradora de um Hospital (facto), as pressões do Secretário da Tutela e do responsável pela Proteção Civil (facto) sobre uma técnica para alterar o fluxograma  e o procedimento numa evacuação  de doentes, para dar prioridade a um familiar de uma poderosa em detrimento de uma outra opção técnica,  não pode ficar sem consequências de ordem pessoal e politica. Já deviam ter-se demitido ou ter sido demitidos. Não bastam operações de mera cosmética.
Fogo abrase aquele que não nos protege de gente dessa.
Ponta Delgada, 12 de Outubro de 2018

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