20 de outubro de 2018

Coluna Liberal - Jornal Diário dos Açores 19 de Outubro de 2018



Parece hoje consensual que a juventude se alia e aliena do espaço de gestão da coisa pública, em suma da política. Mas, na verdade, essa não é uma sensação nova, bem pelo contrário. No entanto, hoje, o desafio de envolver os jovens nas decisões do governo do espaço público é um desiderato mais difícil de atingir do que há meio século, principalmente nos países e comunidades mais evoluídas, isto é, mais democratizadas.
As gerações que hoje deveriam estar a chegar aos lugares de  poder, são constituídas por jovens que já nasceram em liberdade e pouco ou nada conhecem de regimes que não sejam democráticos. Lá longe, algures numa televisão ouvem-se noticias de abusos de poder e de atropelo às liberdades individuais mas isso só acontece em paragens que longínquas, em mundos que não são o nosso, no médio-oriente, na Ibero-américa na china ou no cormo de África.
Se atentarmos ao mais remoto pensamento sobre o governo da polis, por exemplo em Aristóteles e no seu tratado de Política, encontramos bastas referencias à necessidade de se encontrar uma “receita” para a garantia da “felicidade colectiva”, do melhor sistema de governo da polis que garanta  o bem-estar comum. Essa “receita” é, nem mais nem menos, do que uma constituição (politeia).
Porém, só na época renascentista e na modernidade, esse desiderato veio a ganhar força. O rescaldo da guerra dos trinta anos, os tratados de paz e os acordos diplomáticos que decorreram durante o período que historiadores e filósofos conhecem como Paz de Vestefália trouxe novos tempos, novos pensamentos e a consolidação do processo constitucional. A “politeia” de Aristóteles tem nos chamados contratualistas do renascimento e da modernidade os principais seguidores. Daí para cá temos mantas de retalhos.
Importa no entanto, centrarmo-nos no que vai acontecendo nos nossos dias com a eleição e aumento da aceitação popular de protagonistas que usam da sua verborreia à volta de assuntos que, em nosso entender, deveriam ter sido já remetidos ao esquecimento.
Na verdade, a Democracia liberal falhou redondamente na forma como se organizou a partir dos bons princípios contratualistas. E, é essa incapacidade das constituições chamadas democráticas se fazerem cumprir, até porque as leis que são feitas por Homens e aplicadas por Homens sobre Homens que as não querem cumprir, que periga a própria democracia.
É a incapacidade dos regimes em resolverem os problemas mais prementes das pessoas que faz recrudescer discursos radicais e formas populistas de guindar ao poder as mais vis criaturas.
Em todos nós, existe intrínseco e silenciosamente permanece, um perigoso sentimento racista, xenófobo, homofóbico, arrogante, prepotente e totalitário. Hannah Arendt, a mais influente escritora sobre os totalitarismos e figura proeminente da filosofia do nosso tempo explica esse assunto melhor do que alguém alguma vez foi capaz de fazer.
A ideologia racista, materializada pelo racismo Alemão da primeira metade de XX, por exemplo, só ganha adeptos porque estava “impregnada” no adn dos povos europeus.
Hoje, fenómenos populares e eleitorais como o de Donald Trump e Marine Le Pen, o aparecimento de movimentos como o Vox de Santiago Abascal em Espanha , ou com um nível de gravidade muito mais elevado, a aceitação do discurso “fascista”  de Jair Bolsonaro no Brasil, são facilmente explicáveis pela existência de um sentimento recalcado e por uma incapacidade das democracias de acudirem às questões que preocupam os cidadãos.
Se por um lado, no caso dos Estados Unidos da  América, podemos estar tranquilos pois  trata-se da mais lastrada e  dilatada democracia da humanidade, com uma constituição que garante a liberdade dos cidadãos e os poderes do Estado, onde existem muitos poderes e um sistema de equilíbrio entre esses poderes. Por outro,  o mesmo já não podemos dizer de países com democracias frágeis, com constituições sem força suficiente, sem um mecanismo de fiscalização constitucional eficaz e eficiente  e com níveis de pobreza extrema que provocam dependências do sistema de governo que não permitem  os equilíbrios desejáveis entre poderes. Nestes casos devemos estar muito atentos.
Dito de outra forma. Os discursos e os ensaios sobre a bonomia do multiculturalismo, da globalização, do comércio livre, dos direitos dos migrantes e refugiados ou até mesmo sobre uma  Nova Ordem Mundial, não passam de narrativas que não se materializam em soluções para as vitimas dos abusos dos poderes e dos senhores das guerras. Esta é uma das origens do totalitarismo que temos obrigação de combater. E só o podemos fazer sendo melhor cidadãos.

In jornal Diário dos Açores, edição de 19 de Outubro de 2018

Sem comentários:

Arquivo do blogue