Parece hoje consensual que a juventude se alia
e aliena do espaço de gestão da coisa pública, em suma da política. Mas, na
verdade, essa não é uma sensação nova, bem pelo contrário. No entanto, hoje, o
desafio de envolver os jovens nas decisões do governo do espaço público é um
desiderato mais difícil de atingir do que há meio século, principalmente nos
países e comunidades mais evoluídas, isto é, mais democratizadas.
As gerações que hoje deveriam estar a chegar
aos lugares de poder, são constituídas
por jovens que já nasceram em liberdade e pouco ou nada conhecem de regimes que
não sejam democráticos. Lá longe, algures numa televisão ouvem-se noticias de
abusos de poder e de atropelo às liberdades individuais mas isso só acontece em
paragens que longínquas, em mundos que não são o nosso, no médio-oriente, na Ibero-américa
na china ou no cormo de África.
Se atentarmos ao mais remoto pensamento sobre o
governo da polis, por exemplo em Aristóteles e no seu tratado de Política,
encontramos bastas referencias à necessidade de se encontrar uma “receita” para
a garantia da “felicidade colectiva”, do melhor sistema de governo da polis que
garanta o bem-estar comum. Essa
“receita” é, nem mais nem menos, do que uma constituição (politeia).
Porém, só na época renascentista e na modernidade,
esse desiderato veio a ganhar força. O rescaldo da guerra dos trinta anos, os
tratados de paz e os acordos diplomáticos que decorreram durante o período que
historiadores e filósofos conhecem como Paz de Vestefália trouxe novos tempos,
novos pensamentos e a consolidação do processo constitucional. A “politeia” de
Aristóteles tem nos chamados contratualistas do renascimento e da modernidade
os principais seguidores. Daí para cá temos mantas de retalhos.
Importa no entanto, centrarmo-nos no que vai
acontecendo nos nossos dias com a eleição e aumento da aceitação popular de
protagonistas que usam da sua verborreia à volta de assuntos que, em nosso
entender, deveriam ter sido já remetidos ao esquecimento.
Na verdade, a Democracia liberal falhou
redondamente na forma como se organizou a partir dos bons princípios
contratualistas. E, é essa incapacidade das constituições chamadas democráticas
se fazerem cumprir, até porque as leis que são feitas por Homens e aplicadas
por Homens sobre Homens que as não querem cumprir, que periga a própria
democracia.
É a incapacidade dos regimes em resolverem os
problemas mais prementes das pessoas que faz recrudescer discursos radicais e
formas populistas de guindar ao poder as mais vis criaturas.
Em todos nós, existe intrínseco e
silenciosamente permanece, um perigoso sentimento racista, xenófobo,
homofóbico, arrogante, prepotente e totalitário. Hannah Arendt, a mais
influente escritora sobre os totalitarismos e figura proeminente da filosofia
do nosso tempo explica esse assunto melhor do que alguém alguma vez foi capaz
de fazer.
A ideologia racista, materializada pelo
racismo Alemão da primeira metade de XX, por exemplo, só ganha adeptos porque
estava “impregnada” no adn dos povos europeus.
Hoje, fenómenos populares e eleitorais como o
de Donald Trump e Marine Le Pen, o aparecimento de movimentos como o Vox de Santiago
Abascal em Espanha , ou com um nível de gravidade muito mais elevado, a
aceitação do discurso “fascista” de Jair
Bolsonaro no Brasil, são facilmente explicáveis pela existência de um
sentimento recalcado e por uma incapacidade das democracias de acudirem às
questões que preocupam os cidadãos.
Se por um lado, no caso dos Estados Unidos
da América, podemos estar tranquilos
pois trata-se da mais lastrada e dilatada democracia da humanidade, com uma
constituição que garante a liberdade dos cidadãos e os poderes do Estado, onde
existem muitos poderes e um sistema de equilíbrio entre esses poderes. Por
outro, o mesmo já não podemos dizer de
países com democracias frágeis, com constituições sem força suficiente, sem um mecanismo
de fiscalização constitucional eficaz e eficiente e com níveis de pobreza extrema que provocam
dependências do sistema de governo que não permitem os equilíbrios desejáveis entre poderes.
Nestes casos devemos estar muito atentos.
Dito de outra forma. Os discursos e os ensaios
sobre a bonomia do multiculturalismo, da globalização, do comércio livre, dos
direitos dos migrantes e refugiados ou até mesmo sobre uma Nova Ordem Mundial, não passam de narrativas
que não se materializam em soluções para as vitimas dos abusos dos poderes e
dos senhores das guerras. Esta é uma das origens do totalitarismo que temos
obrigação de combater. E só o podemos fazer sendo melhor cidadãos.
In jornal Diário dos Açores, edição de 19 de Outubro de 2018
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