6 de agosto de 2018

Tende Misericórdia de nós Senhor

São cerca de quatrocentas em Portugal e apoiam mais de 150 mil pessoas, na sua grande maioria idosos e desvalidos. Falo das misericórdias portuguesas, uma vasta faixa da população portuguesa é apoiada por essas instituições multiseculares de inspiração cristã. São catorze as obras de Misericórdia, sete corporais e sete espirituais, que estão na origem da instituição das Misericórdias Portuguesas por influência da Rainha D. Leonor de Lencastre. Durante muitos séculos da nossa história, estas foram as únicas instituições que deram apoio aos mais carenciados.
Hoje, a grande maioria das misericórdias portuguesas continua a ter uma importância muito relevante no apoio aos mais carenciados e no combate à pobreza e consequentemente à exclusão social. Porque o Estado não está onde devia estar para estar onde não deve, alguém tem que fazer o seu papel.
Nos últimos tempos, na espuma da “silly season”, depois de em 2016 alguns órgãos de comunicação social regionais terem alertado para situações de eventuais maus tratos nas unidades de cuidados continuados da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada, uma televisão nacional trouxe ao conhecimento dos portugueses notícias sobre esses supostos maus tratos.
Não vi nem vou ver a referida reportagem. Nem sequer é o teor da mesma que me importa analisar mas sim a forma despicienda e leviana como são feitos certos julgamentos públicos sem que se deixem as instituições tratarem os assuntos como eles devem ser tratados.
“Houve queixas ao Ministério publico”, comenta-se por aí nas redes sociais. Há-as todos os dias. E? Uma queixa no Ministério Público implica culpa formada? Condenação? Sequer pressupõe um facto? Claro que não!
Houve notícias nos jornais e televisões! Gritam tresloucados e ávidos de sangue os mais atrevidos e assíduos comentadores dos grupos do facebook e tweetam os mais presunçosos inocentes. E?
Esta é uma questão que nos devia preocupar a todos, pois que ninguém está livre de uma cabala ou de lhe ser encontrado um qualquer “rabo-de-palha” onde alguém possa chegar um fósforo.
Por estes mesmos dias, a direção de uma Juventude Partidária, liderada por aprendizes de “gameleiros” ainda cheirando a cueiros, vociferou acerca de questões da justiça e do direito. A solução para todos os males, segundo essa gente, passa pela instituição da delação premiada e pela inversão do ónus da prova. Medidas essas consideradas de relevante importância para o combate ao crime.
Veja-se só o que fazem esses julgamentos mediáticos. Levam a que esses imberbes “jovens turcos” direcionem, ora por mero populismos ora por simples ignorância, o seu discurso no sentido de um certo retrocesso civilizacional.
Para entendermos as morosidades do sistema judicial e as suas bonomias, temos que nos centrar na história do direito que se confunde, claramente, com a história do governo da Polis e da construção do Estado-moderno.
O tempo da notícia, não é o tempo da justiça. O direito não é jornalismo e as garantias que têm e devem ter os cidadãos sobre as eventuais prepotências dos agentes do Estado não são coisa que tenha sido fácil conquistar. O regresso a mecanismos como a delação premiada, e com maior gravidade e alcance  a inversão do ónus da prova, potenciam um ror de atropelos às garantias dos cidadãos inaceitáveis nos níveis de democracia que, mesmo deslastrada, a sociedade portuguesa já atingiu.
O regresso aos julgamentos no largo do pelourinho, que hoje pode aferir-se, são as redes sociais e as gordas nas capas dos tabloides, é um retrocesso civilizacional enorme.
Aos jovens aprendizes de politiqueiros recomenda-se que estudem filosofia antes de se inscreverem numa juventude partidária.


São Lourenço, 03 de Agosto de 2018 

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