8 de novembro de 2007

Bairrismo bacoco e idiota.

Recebi da Presidência do Governo Regional um convite para assistir aos concertos do Festival de Música Contemporânea XX-XXI MúsicaAçores que está a decorrer em todas as ilhas do Açores de 2 a 16 de Novembro.Os autores propostos não fazem propriamente as minhas delícias. Em matéria de contemporaneidade, fico-me por um Prokofieff ou um Stravinski, que já pertencem mais à história que aos nossos dias, embora eu ainda tivesse tido o privilégio de ouvir a «Sagração da Primavera» no Coliseu dos Recreios em Lisboa dirigida pelo próprio Stravinski.Mas os meus gostos musicais não retiram um ponto que seja à qualidade que me parece objectiva do dito Festival. Aliás, o facto de a direcção do evento estar a cargo de Emanuel Frazão, há anos presidente da Juventude Musical Portuguesa e distinto professor da Academia Superior Nacional de Orquestra, é uma antecipada garantia da seriedade do projecto e do rigor das escolhas. Espero, pois, que a assistência remunere com a sua presença o esforço para pôr de pé este projecto, cuja existência penso que se enquadra bem numa perspectiva de dar a conhecer diferentes momentos da divina ars musica.
Não posso deixar, no entanto, de fazer dois reparos que tem mais a ver com definições prévias e estratégias, do que com o programa propriamente dito.O programa é muito claro quanto à organização do Festival – «Presidência do Governo dos Açores – Direcção Regional da Cultura», como, aliás, seria natural esperar, sendo este um projecto concebido e executado pelo Governo, uma vez que a DraC é o braço armado da Presidência do Governo para a actividade cultural na Região.Mas não posso deixar de notar que sendo a DraC sedeada em Angra – e magnificamente instalada num palacete rigorosamente restaurado para esse efeito –, a apresentação pública do Festival se tenha feito em Ponta Delgada, e nem sequer pelo próprio Director Regional, mas pelo subdirector regional, que, como se sabe, não funciona para nele se delegarem certas competências da DRaC, mas para tratar da outra metade dos Açores que é S. Miguel. Quer isto dizer que um projecto cultural de alcance regional foi apresentado ao público fora da sua sede própria e para mais apresentado por um funcionário que não tem dimensão regional.Com isto não sei quem ficou a perder – se a cidade de Angra, que uma vez mais é despejada da sua já saudosa condição de «Capital Açoriana da Cultura», se o próprio Festival que não teria a dignidade suficiente para ser apresentado pelo mais alto representante da hierarquia cultural açoriana.O segundo reparo tem a ver com a concepção do próprio Festival, não em termos musicais – área que me eximo de comentar, confiando na experiência e reconhecida competência do responsável, que, para mais, se soube rodear de importantes apoios institucionais –, mas em termos de distribuição espacial.Creio ter alguma experiência de Festivais de Música, não só pelos que organizei, como pelos que frequentes. Nos Açores organizei 15, em Macau acompanhei e organizei 5, e em todos eles, como, na realidade, em todos os festivais dignos desse nome, para que a característica essencial do evento se verifique, é necessário que haja uma certa concentração de espectáculos no mesmo local, ou ao alcance do mesmo público.Em Macau, durante 10 dias davam-se cerca de 20 espectáculos, todos concentrados numa área inferior à Base Aérea das Lajes. No Açores, se há ainda quem se lembre, o Festival Internacional concentrava-se essencialmente em Ponta Delgada e Angra, onde todos os concertos era rigorosamente repetidos – variava de ano para ano, em função dos orçamentos, mas num mínimo de 5 e num máximo de 8 concertos em cada ilha, em dias consecutivos. Depois 3 concertos na Horta e, pelo menos dois concertos no Pico, em S. Jorge e na Graciosa. É evidente que aos melómanos de S. Miguel lhes é indiferente o que se passa na Terceira, como aos desta ilha lhes é indiferente o que se passa no Faial, porque não consta que alguém viajasse de ilha em ilha atrás dos concertos. Mas garantia-se aos melómanos de cada ilha, e tentando ser proporcionais à massa potencial de assistentes, um conjunto de actividades musicais que lhes desse a sensação, a todos e cada um, de que estavam a assistir a um Festival.Ora não é isso o que acontece com este Festival. Aparentemente, e numa leitura diagonal, temos uma série de 10 concertos, o que dito assim poderá parecer um Festival, mas depois, quando se olha com atenção para o programa, o que vemos é um conjunto de concertos isolados – um em cada ilha, sendo certo que o mais conhecido agrupamento que nos visita, o «Remix Ensemble», agrupamento musical da Casa da Música, só irá a Ponta Delgada, naquele que será o segundo concerto naquela cidade. Quer isto dizer que Angra e os seus potenciais melómanos – os melómanos da tão decantada capital açoriana da cultura – não têm o direito de assistir àquele que será certamente um dos pontos altos do Festival.Ficam aqui estes reparos. Apetecia-me, todas as vezes que usei a expressão «Festival», dizer antes o «soi-disant Festival» – mas isto poderia ser mal interpretado, pois não pretendo minimamente beliscar o esforço de organização, a qualidade objectiva dos intérpretes e a bela qualidade do material gráfico que já me foi possível apreciar. Não posso deixar de recordar os tempos do célebre Festival Gulbenkian, que um dia se lembrou de estender os seus benefícios aos Açores trazendo um concerto a Ponta Delgada, outro a Angra e outro à Horta. Não era mau, era alguma coisa, era, talvez mesmo, muito bom, mas não era um Festival - era, quando muito, uma série de concertos. O que me parece ser o caso em apreço.


Diário Insular 2007-11-07
O bairrismo bacoco e idiota de Jorge Forjaz. O Sr. Será, certamente muito mais culto do que eu, até já teve responsabilidades políticas nessa area. O Sr. escreve muito melhor do que eu, fá-lo há muito mais tempo e tem formação que o obriga. O Sr. até já chegou a uma idade em que lhe são permitidos alguns atrevimentos. Agora, daí até chegar ao bairrismo bacoco e idiota a que chegou é que a gente não esperava. Talvez a gente da Terceira devesse fazer uma auto análise. Não estará esse bairrismo doentio a consumir os vossos recursos já de si escassos?

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