27 de agosto de 2018

Tiros de pólvora seca!


Correm esgotos para as ribeiras, para o mar. Por encostas abaixo jorram lamaçais vindos de pocilgas e nitreiras de vacarias clandestinas. As estradas estão ladeadas de lixo, fraldas descartáveis, embalagens  de iogurtes, latas de refrigerantes, sacos de batatas e outras iguarias dos tempos do consumismo. Por aqui e por ali, encontro  restos mortais de uma queca apressada ou de uma refeição adquirida no “drive in” do restaurante de “fast food” mais próximo.
Em pleno século XXI ainda se  encontram resíduos, largados por mão humana,  nos mais recônditos lugares.

Usamos e abusamos de químicos para a agricultura, o Estado/Região usa glifosato em grande escala no combate a infestantes em bacias hidrográficas. Queimam-se com químicos as infestantes das bermas das estradas matando também endémicas e exóticas. As câmaras combatem as ervas dos passeios de calçada portuguesa com recurso a herbicidas.
Enterramos, todos os dias, toneladas de resíduos que não sabemos o que são. Deram-se -ministraram-se, como é moda dizer agora - cursos e mais cursos de uso e aplicação de fitofármacos mas ninguém monitoriza ou fiscaliza o uso e abuso dos mesmos. Fizeram-se leis plenas de bonomia que são inaplicáveis e quase impossíveis de fiscalizar.

A nossa grande riqueza, a agricultura, importa alimento sem rastreabilidade alguma, sabemos lá o que se está a importar e a introduzir na nossa cadeia alimentar por falta de coordenação e de controlo. Importamos sementes manipuladas geneticamente sem sabermos, usamos e abusamos de híbridos, de milho, meloa, melancia, tomate, courgettes, alface, repolho, couves e até –imagine-se – pimentas que dizemos serem da terra. Tudo  isso, desconfio, sob as bardas dos serviços oficiais sem que esses o desconfiem ou sequer tenham noção da sua gravidade.
Os turistas e os locais que redescobriram ou descobriram  a sua própria terra (finalmente)pisam e repisam em zonas protegidas sem controlo. Os serviços públicos abrem autenticas “autoestradas” em zonas de paisagem protegida.

As reservas marinhas são saqueadas por pescadores furtivos sem qualquer tipo de controlo (que é feito dos Drones do Brito e Abreu?). Mergulhadores de recreio embaraçam-se em redes ilegais largadas ao emalhe em zonas proibidas sem que se descubra o nome do prevaricador.
O Mar, está na boca dessa gente que nos governa mas ela pouco ou nada sabe o que fazer com ele.

Todas as semanas importamos mais viaturas, mais combustíveis fosseis, mais plástico, mais venenos.

Apenas exportamos peixe fresco, algumas conservas de tunídeos, gado vivo e uma dúzia de carcaças de vaca velha. A nossa industria está reduzida aos lacticínios, que usam parte das matérias primas locais  e às agroindústrias e conservas de peixe cujas matérias primas são, na sua grande maioria, importadas. Nem uma lata de comida de cão ou gato produzimos a moda do “petfood” passou-nos ao largo com tanto que tínhamos para enlatar. Não produzimos nem um parafuso, nem um rudimentar instrumento (ainda haverá quem faça sachos?). Da indústria que tivemos no final de XIX e XX, temos apenas meras recordações materializadas em velhas chaminés e um museu de arte contemporânea que deveria ter sido museu da indústria micaelense.
 Exportamos, todos os dias e à distância de um clique recursos financeiros e gente. Sim, continuamos a exportar gente para ir trabalhar e produzir riqueza para outros e noutras paragens. É fantástico! Não é?

Encher a boca com a palavra sustentabilidade não nos transforma numa região sustentável
Palavras sem atos são tiros de pólvora seca.

Munições de salva…

São Lourenço, 23 de Agosto de 2018.

26 de agosto de 2018

"Maverick"




A política Internacional ficou mais pobre ontem 25 de Agosto de 2018. Na verdade, com a saída de cena do Senador MacCain a humanidade perdeu um dos seus melhores. Já vão restando poucos.
Outrora detestado pelos seus oposicionistas, inclusive no Partido Republicano onde perdeu internamente em 2000 a corrida para a nomeação  a favor de  George W. Bush e maltratado nos media europeus, hoje , certamente, todos vão ser unânimes, todos vão escrever e dizer que se perdeu um grande Homem, todos vão lamentar o facto de não ter sido Presidente dos Estados Unidos da América.
Em 2008, “at least”, MacCain garantiu a  nomeação para candidato presidencial pelo Partido Republicano.
Tal como escrevi na altura, numa contenda difícil, John MacCain foi vitima da herança das politicas e falta delas  de George W. Bush e de uma campanha pouco ortodoxa que tendo-o poupado, perpetrou fortíssimos ataques  contra a sua putativa Vice-presidente Sarah Palin, quer  pelo seu discurso pleno de conservadorismo radical e nacionalismo, quer pelos escândalos familiares.
MacCain foi vitima de xenofobia. Ironia das ironias. MacCain foi o primeiro exemplo de um enorme politico, com convicções e um projeto humanista  global, que foi derrotado apenas porque era branco, genuíno nas suas convicções e heterossexual. 
O Mundo ficou a perder.

25 de agosto de 2018

Coluna Liberal - Jornal Diário dos Açores 24 de Agosto de 2018


Talvez não seja por puro acaso que começam a reaparecer em Portugal novos partidos de inspiração liberal. A ideia transversal à sociedade portuguesa de que algo vai podre nesta democracia representativa do levanta-te e baixa-te às ordens do chefe; Da disciplina de voto; Do carreirismo político; Do nepotismo e da plutocracia. A ideia corrente e generalizada de que são todos iguais apesar de alguns serem mais iguais do que outros (o caso Robles foi só mais um). O descrédito gerado nas instituições partidárias e a sua manifesta incapacidade de se reinventarem por estarem perdidos nas suas convulsões internas e por se terem tornado numa espécie de estribo para interesses pessoais. São motivos mais do que suficientes para buscarmos soluções fora do tradicional espectro político-partidário.
Depois das aparições dos partidos sectoriais, dos reformados, dos animais (quem sabe ainda vai aparecer dos LGBT), partidos com agenda mas sem ideologia, embora se lhes reconheçam tiques totalitários e de esquerda. E, depois da recriação da UDP e do PSR por fusão no Bloco de Esquerda, eis que Portugal assiste ao emergir da Iniciativa Liberal.
Primeiro foi um movimento, depois um partido, uma espécie de “startup política” de matriz essencialmente liberal, sem pejo e sem complexos que se diz estar, ideologicamente entre o PS e o PSD, à esquerda deste e à direita daquele, seja lá o que isso for. O Iniciativa Liberal aparece como uma espécie de PRD liberal, ou seja um Partido que apesar de se afirmar como novidade, encerra nos seus princípios programáticos, a que chamaram de Manifesto Portugal Mais Liberal, um conjunto de banalidades e lugares comuns capazes de serem sobescritos por qualquer dirigente do PS do PSD e até do CDS. O Iniciativa Liberal parece, assim, uma espécie de caixa de cartão  onde cabem todos e tudo. Para um novo partido, são vetustas práticas. Para uma solução inovadora são velhas táticas. Para uma perspetiva de futuro tem já demasiado passado.
Uma das questões que mais reservas me causou no manifesto e nas palavras dos promotores da Iniciativa Liberal, é o facto de acreditarem que Portugal é já um país liberal. Na verdade, nem com D. Pedro IV foi possível afirmar essa certeza e mesmo durante a primeira república, com a desordem instalada, foi possível garantir esse desiderato tendo o pais acabando se entregando a um regime de partido único, personificado num líder feito herói nacional. Caído o regime do Estado Novo, logo nos apressamos a apoiar outro tipo de totalitarismo do qual, felizmente, nos libertamos em 25 de Novembro de 1975. Não somos, na verdade, um país de liberais e isso explica muita da nossa pobreza, do nosso atavismo da nossa condição de dependentes, da nossa permanente busca de soluções exógenas quando elas são, ou deveriam ser, endógenas.
Agora aparece-nos a Aliança, movimento para-partidário liderado por Pedro Santana Lopes. Com uma declaração de princípios que, apesar de não trazer nada de novo, não esconde ao que vem. Três palavras-chave encimam esse documento: Personalismo, Liberalismo e Solidariedade. Parece-me bem, mas vamos escalpelizar o que nos é dito nesse manifesto sobre estes três “eixos fundamentais”. Pouco ou quase nada, na verdade.
O documento não vai além de considerações vagas sobre o respeito pela vida, a dignidade humana e a pessoa no centro das decisões. Sim, concordo mas é pouco. Importa saber o que pensam os “aliados” sobre temas tão na ordem do dia como a eutanásia e o aborto (recuso usar a sigla IVG).
Para lá de pequenas referências à liberdade religiosa, a defesa da iniciativa privada e a liberdade económica, o manifesto perde-se em pormenores de programa de governo deixando algumas ideias basilares do liberalismo por explorar.
De matriz democrata-cristã, na esteira da doutrina social da igreja, o fundador deste movimento não poderia deixar de falar de solidariedade e de responsabilidade da sociedade pela proteção dos mais desfavorecidos, promovendo valores absolutamente essenciais ao desenvolvimento  das comunidades como são o da solidariedade “intra e inter-geracionais” e a promoção de políticas de combate à exclusão social promovendo assim uma real e verdadeira convergência social através da implementação de politicas capazes de criar oportunidades para todos e não apenas para alguns que, sabemos, são sempre os mesmos.
Pedro Santana Lopes, sempre o mesmo inconformado, resiliente, lutador, incompreendido por uma maioria de medíocres, permanentemente na busca do bem comum, saltando permanentemente para fora da sua zona de conforto, mais uma vez, dá uma lição de humildade, convicção, tenacidade e fé.
A sorte está lançada, ou como diziam os romanos na antiguidade clássica: Alea jacta est.


22 de agosto de 2018

Ainda se fosse Nicolas Maduro!




A polémica à volta do convite e “desconvite” a Marine Le Pen para discursar no websummit por pressão das “blocoreanas” evidencia bem o que essa gente que, ainda ostenta nas suas bandeiras os símbolos do socialismo soviético,  pensa ou melhor verborreia sobre as liberdades individuais e sobre o pensamento livre , seja ele qual for. Quem não pensa como eles não o pode expressar.
 Para essa gentinha que se julga gente e que segue atentamente e com aplauso as revoluções ibero-americanas e que encontra virtudes no líder da Coreia do Norte, todos os que não pensarem como eles terão de ser silenciados. Esta é, claramente, a  visão turva dessa gentalha descamisada dos blocos e dos PCs, dos Ciudadanos e quejandos. 
Sobre esse direito fundamental da construção do estado de direito democrático que é a liberdade de expressão essa gente tem uma visão clara, só pode falar quem concorda com a cartilha da esquerda extrema, seja ela mais contemporânea ou mais ao jeito dos Partidos Comunistas do  século XX, tanto faz.  Quem não pensar como eles ganha de imediato o epiteto de pernicioso, falso, perigoso, fascista etc.
Atente-se ao que chegou o “argumentário” dos seguidores de Trostki, Estaline, Lenine e outros bons rapazes. Acusam  Marine Le Pen de fascista, pró-nazi, nacionalista e xenófoba. Pior, é acusada de ser tudo isso e de não o afirmar claramente de ser uma dissimulada perigosíssima populista.
Ora essa “esquerdalha” que mentiu e mente  ao mundo o tempo todo, que tem no seu ADN os campos de trabalhos forçados da Sibéria, os Gulag, milhões de mortes em nome da revolução do proletariado  e que continua a construir narrativas falaciosas sobre as maravilhas do socialismo e do comunismo que, sabemo-lo todos hoje até por o estarmos a sentir na pele, trouxe ao mundo a fome e a miséria mesmo em Países onde o potencial endógeno era imenso, age como se o estivesse a fazer em causa própria.
Essa horda de deslumbrados mente e constrói realidades virtuais por isso acha que toda a gente é igual e que toda a gente, seja qual for a sua linha de pensamento, age de forma diferente do que pensa. Mentirosos compulsivos, vendedores expertos da banha-da-cobra, acham-se todos moralmente superiores aos demais quando na verdade a sua moral vale tanto como um punhado de cascas de lapas.
Para uma coisa serviu esta polémica. Serviu, na verdade, para comprovar que quem paga manda e que, apesar do evento ser supostamente privado, quem paga todo aquele arraial somos todos nós. Isso mesmo disse  Paddy Cosgrave, o Irlandês que lidera o evento, “se o governo português pedir para retirarmos o convite a Marine Le Pen nós retiramos”. O respeitinho é bonito e fica bem a qualquer um mas esse respeitinho tem apenas uma “moral”, absolutamente teleológica, a “ética” do vil metal.
Fogo vos abrase a todos que o povo, esse, já arde literalmente em fogos florestais e figurativamente na fogueira da pobreza e da coleta de impostos diretos , indiretos e encapotados e não há websummit que nos livre dessa “canalha”.


São Lourenço, 17 de Agosto de 2018.

13 de agosto de 2018

Vasco Cordeiro não merecia esta gentalha!

São mais do que as mãezinhas até porque alguns trouxeram famílias inteiras, os cristãos novos e os “agamelados” (gente que apenas sabe e consegue viver sentada à mesa do Estado/Região) que se juntaram ao Partido Socialista no encalço de, a pouco custo, canibalizarem o regime e assim satisfazerem os seus apetites privados em lugar de servirem a coisa pública. Não há qualquer mal em servir o Estado/Região, bem pelo contrário, o mal vem ao mundo é quando esse desiderato é substituído para usar o estado/região em seu beneficio ou dos seus familiares.
Há muitos donos de muita coisa que é pública nesta região e há muita gamela que deveria estar a servir o Povo e está apenas a servir os canibais do regime.
O caso recente, divulgado por este jornal, sobre o desvio de um meio de socorro à revelia das decisões técnicas, para servir um familiar de um decisor é bem demonstrativo do que aqui escrevo.
São uns “meia-tijela”, inúteis e  incapazes de construir seja o que for que dignifique o próprio regime que acham eles ser outra coisa qualquer. Dão-se a ares de gente mas não vão além de maus hábitos aburguesados. Fumam charutos cubanos  mas sacodem a cinza para cinzeiros de reles cristal. Bebem chá e, outras infusões da moda, de mindinho em riste achando que é assim que deve ser pegada uma xicara. Alimentam-se ruidosamente de croquetes e empadas e espevitam os dentes no final entre um copo de gin agitado, tantas vezes, com recurso ao dedo indicador
O Partido Socialista de 1996 era muito mais do que a meia dúzia de socialistas puros e resistentes ao regime “amaralista” capitaneados por um perseverante Carlos Cesar. O PS de 1996 era um estado de espirito, uma atitude, um movimento que nasceu nas regionais de 1992 em volta do saudoso Mário Machado e que juntou socialistas, democratas cristãos separatistas e outros “istas” e que apesar de uma estrondosa derrota não atirou a toalha ao chão e 4 anos depois, em 13 de outubro de 1996 fez mudar os destinos desta Região de forma muito significativa. Estava quebrado um ciclo.
Muitos dos que hoje percorrem os corredores do poder nem eram ainda seres pensantes (se é que alguma vez pensaram) e a sua ignorância sobre a tenacidade e a força que foram necessárias para alterar o rumo dos Açores nessa altura, não lhes permite sequer perceberem que cometem os mesmos erros que levaram ao colapso do regime de então. Prepotência, arrogância, nepotismo, perseguição, conspiração e falta de noção dos limites das suas ações e a falta de discernimento acerca do poder que lhes foi confiado. O poder democrático é efémero e a sua conquista é quase tão dolorosa como a sua perca.
Muitos, como se usa dizer comummente, assentaram praça em general e por isso são incapazes de imaginar o que foi a luta dos soldados nas trincheiras do lado oposto à hegemonia do PSD de Mota Amaral. Outros ficaram a “caçar de espreita” até ao contar final dos votos naquela noite quente de outubro e como a coisa ficou muito periclitante quedaram-se à espera dos anúncios dos dias seguintes para decidirem o que fazer, onde se posicionar.

Apetece parafrasear Batista Bastos e perguntar: Onde estavas a  12 de Outubro de 1996?


Ponta Delgada, 09 de Agosto de 2018

11 de agosto de 2018

Coluna Liberal - Jornal Diário dos Açores 10 de Agosto de 2018

Quando falámos de liberalismo logo somos associados ao capitalismo, ao liberalismo meramente económico. Ora esse é o enorme erro que o grosso da coluna anti liberal incorre quando nega o liberalismo por reação ao capitalismo selvagem. O estado liberal não é apenas um estado que permite o livre comércio a liberdade de estabelecimento e a concorrência.
Na verdade, o Capitalismos, o liberalismos económico, é uma consequência do liberalismo lato senso não um fim em si mesmo. O estado liberal assenta essencialmente nas liberdades políticas, nas liberdades cívicas, ou seja nas liberdades do cidadão.
Os grandes inimigos do estado liberal são os inimigos da liberdade que muito embora andem com a boca cheia dela, escorrem-lhes pelos cantos dos lábios todos os tiques dos totalitarismos, sejam eles mais remotos no tempo ou mais atuais.
O estado liberal encerra em si mesmo um ideal que ultrapassa as questões da economia e das finanças de forma transversal. É um filho da modernidade, do rescaldo da Guerra dos 30 anos, da crise sucessória, do fim dos impérios. É um movimento que, hoje como no passado pós iluminismo, é uma corrente de pensamento que pretende defender o cidadão, individualmente, de qualquer tentativa de instalação de sistemas de pensamento único, cultura dominante ou controlo da expressão de ideias. Nesse sentido, o socialismo e o comunismo foram mais longe do que os regimes totalitários mais conservadores, condicionando, estabelecendo barreiras, destruindo e reescrevendo até a história, condicionando e anulando o exercício do pensamento divergente dos seus respetivos regimes.
A denominada Revolução Cultural Proletária na China, implementada a partir da segunda metade da década de sessenta de XX,  é o exemplo mais paradigmático de uma campanha politico-ideológica perpetrada sobre um povo para neutralizar todo e qualquer pensamento e prática cultural dissidente do regime em afirmação depois do grande fracasso económico decorrente do plano chamada de Grande Salto para a Frente que redundou naquela que ficou conhecida como a crise da Grande Fome Chinesa.
A divulgação das ideias liberais é hoje tão importante como foi no rescaldo do primeiro grande conflito mundial ou na destruição dos totalitarismos decorrentes do segundo grande conflito à escala global de onde emergiu e se reforçou o estado socialista o grande inimigo das liberdades dos cidadãos.
Todos somos atropelados, diariamente, por opressão do estado nas nossas vidas e são esses atropelos, esse ultrapassar de limites da sua ação, que os liberais, os defensores do estado liberal, combatem e devem combater na espuma dos dias.
Revisitando alguns textos publicados nesta coluna para evitar repetições de ideias, dei comigo pensando o quão importante é, afinal, repetir algumas dessas ideias para ir deixando alertas sociais para a emergência de certos totalitarismos.
Hoje, com o permanente escrutinar de certas instituições do estado, nomeadamente da justiça , instituições essas que  já nem  deveríamos questionar, corremos o risco de atropelar direitos liberais adquiridos desde o iluminismo e que foram atropelados de forma consideravelmente perniciosa para a humanidade na emergência dos totalitarismos do século XX decorrentes, principalmente  da Primeira Guerra Mundial mas também do segundo conflito do qual emergiram o Socialismo Soviético,  o regime chinês e as revoluções populares da chamada ibero-américa que no seu conjunto fizeram já milhões de vitimas humanas e povos oprimidos e famintos.
Hoje, mais do que nunca, porque as ações do estado são mais encapotadas, mais dissimuladas e mais difíceis de medir os seus limites, mais necessidade temos de estarmos atentos para as situações que, de uma forma ou de outra, nos privam de certas liberdades individuais e até mesmo coletivas.
Vigilância é a palavra de ordem para os dias que correm.

6 de agosto de 2018

Tende Misericórdia de nós Senhor

São cerca de quatrocentas em Portugal e apoiam mais de 150 mil pessoas, na sua grande maioria idosos e desvalidos. Falo das misericórdias portuguesas, uma vasta faixa da população portuguesa é apoiada por essas instituições multiseculares de inspiração cristã. São catorze as obras de Misericórdia, sete corporais e sete espirituais, que estão na origem da instituição das Misericórdias Portuguesas por influência da Rainha D. Leonor de Lencastre. Durante muitos séculos da nossa história, estas foram as únicas instituições que deram apoio aos mais carenciados.
Hoje, a grande maioria das misericórdias portuguesas continua a ter uma importância muito relevante no apoio aos mais carenciados e no combate à pobreza e consequentemente à exclusão social. Porque o Estado não está onde devia estar para estar onde não deve, alguém tem que fazer o seu papel.
Nos últimos tempos, na espuma da “silly season”, depois de em 2016 alguns órgãos de comunicação social regionais terem alertado para situações de eventuais maus tratos nas unidades de cuidados continuados da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada, uma televisão nacional trouxe ao conhecimento dos portugueses notícias sobre esses supostos maus tratos.
Não vi nem vou ver a referida reportagem. Nem sequer é o teor da mesma que me importa analisar mas sim a forma despicienda e leviana como são feitos certos julgamentos públicos sem que se deixem as instituições tratarem os assuntos como eles devem ser tratados.
“Houve queixas ao Ministério publico”, comenta-se por aí nas redes sociais. Há-as todos os dias. E? Uma queixa no Ministério Público implica culpa formada? Condenação? Sequer pressupõe um facto? Claro que não!
Houve notícias nos jornais e televisões! Gritam tresloucados e ávidos de sangue os mais atrevidos e assíduos comentadores dos grupos do facebook e tweetam os mais presunçosos inocentes. E?
Esta é uma questão que nos devia preocupar a todos, pois que ninguém está livre de uma cabala ou de lhe ser encontrado um qualquer “rabo-de-palha” onde alguém possa chegar um fósforo.
Por estes mesmos dias, a direção de uma Juventude Partidária, liderada por aprendizes de “gameleiros” ainda cheirando a cueiros, vociferou acerca de questões da justiça e do direito. A solução para todos os males, segundo essa gente, passa pela instituição da delação premiada e pela inversão do ónus da prova. Medidas essas consideradas de relevante importância para o combate ao crime.
Veja-se só o que fazem esses julgamentos mediáticos. Levam a que esses imberbes “jovens turcos” direcionem, ora por mero populismos ora por simples ignorância, o seu discurso no sentido de um certo retrocesso civilizacional.
Para entendermos as morosidades do sistema judicial e as suas bonomias, temos que nos centrar na história do direito que se confunde, claramente, com a história do governo da Polis e da construção do Estado-moderno.
O tempo da notícia, não é o tempo da justiça. O direito não é jornalismo e as garantias que têm e devem ter os cidadãos sobre as eventuais prepotências dos agentes do Estado não são coisa que tenha sido fácil conquistar. O regresso a mecanismos como a delação premiada, e com maior gravidade e alcance  a inversão do ónus da prova, potenciam um ror de atropelos às garantias dos cidadãos inaceitáveis nos níveis de democracia que, mesmo deslastrada, a sociedade portuguesa já atingiu.
O regresso aos julgamentos no largo do pelourinho, que hoje pode aferir-se, são as redes sociais e as gordas nas capas dos tabloides, é um retrocesso civilizacional enorme.
Aos jovens aprendizes de politiqueiros recomenda-se que estudem filosofia antes de se inscreverem numa juventude partidária.


São Lourenço, 03 de Agosto de 2018 

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