1 de setembro de 2017

O blogue feito de outras leituras_ Nuno Ferreira Domimgues


A SATA está a “ferro e fogo” depois de uma opera- ção de Verão perfeitamente desastrosa. Depois de muitos anos de erros e desmandas internas a SATA cometeu, este Verão, o único erro que nenhuma empresa em mercado aberto pode cometer: o de desconsiderar os seus clientes ao submetê-los às consequências de uma operação mal preparada e mal dimensionada. A palavra passada de boca em boca, por todos os que foram afectados pelos atrasos e cancelamentos recorrentes, é a pior campanha de marketing que a empresa poderia ter. A SATA foi, em tempos, uma empresa de referência, regional e nacional, de boa gestão, de profissionalismo e de um enorme orgulho por todos quantos nela, ou com ela, trabalhavam. Em 2008, a empresa tinha uma posição consolidada nos mercados onde operava, uma saúde financeira invejável e uma enorme reserva de capitais, acumulada por uma gestão de sucesso, num mercado que já come- çava, no entanto, a dar os seus primeiros sinais de mudança, com o fim do monopólio da TAP nas ligações a Lisboa e ao Porto. A SATA tinha, nesses tempos, uma estratégia bem definida, um rumo bem traçado, e um objectivo claro, definidos pelo accionista, e implementado, de forma diligente e responsável, por um conselho de administração competente e conhecedor, à data, do negócio da aviação.
O actual estado de degradação, financeira, operacional, da qualidade de serviço, e da paz social, foi “construído” ao longo de muitos anos e foi fruto da total incapacidade de adaptação da companhia às mudan- ças impostas pela evolução nos mercados da aviação. A degradação começou pela delapidação das reservas financeiras, com gastos em eventos faraónicos, de retorno muito duvidoso, com aumentos desmesurados dos encargos com despesas de pessoal, mais de 30% em poucos anos, para evitar greves, patrocionadas por todos os sindicatos, em vésperas de períodos eleitorais, e com admissões de pessoal desnecessário, para “pagamento” de favores políticos. A aquisição e o leasing de aviões desadequados às operações da transportadora provocou o aumento anormal dos gastos de manutenção e operação, sem que do lado da receita se tivesse o contraponto financeiro. Os Dash Q400, adquiridos novos com recurso a um avultado empréstimo bancário, não são adequados para fazer a operação inter-ilhas no arquipélago, por serem aviões de última geração, feitos de ligas leves, especialmente afectadas pelos gases vulcânicos e pelo ambiente marítimo. Os seus motores, de alto rendimento e com ciclos de aceleração e aumento de temperatura acentuados à descolagem, estão sujeitos a desgastes muito elevados em voos curtos, inferiores a uma hora e meia, como aqueles que a SATA Air Açores efectua. O A330, recentemente fretado, é um avião, com custos de operação e consumos de combustível muito elevados, só se rentabiliza em voos de longo curso, de duração superior a 8 horas, com taxas de ocupação médias elevadas, acima dos 70%, e em operações não sazonais. A decisão por este avião serviu somente os interesses dos pilotos da frota dos A310, que adquiriram forma-ção num avião mais moderno, operado pela TAP e pelas principais transportadoras aéreas. A nomeação de administrações incapazes de desenharem e implementarem um plano estratégico para a empresa, que a prepare para vencer os desafios actuais nos mercados da aviação e a ausência de uma definição clara das linhas e orientações gerais do que se pretende para a SATA, demonstra a incapacidade do accionista, ao longo de todos estes anos, para cumprir o seu papel. A operação de Verão deste ano, em que mais de 40% dos voos para a América e Canadá foram contratados a empresas “charter”, e que escalou para o único A330 mais pilotos e co-pilotos que aqueles que dedicou à frota dos três A310, mostra o perfeito estado de desorientação dos administradores, dos directores, bem como, o total alheamento do accionista.
A SATA vai pagar, este ano, vários milhões pelo fretamento de aviões e respectivas tripulações, mantendo em casa os seus funcionários, pilotos e pessoal de cabina. É uma decisão que, quase duplicando os custos de operação, dificilmente se poderá entender. A empresa tem estado, há muitos anos, à deriva; as opções e decisões tomadas têm sido, na maior parte das vezes, de natureza conjuntural, nunca tendo havido a necessária coragem política para fazer a necessária reestruturação da SATA. Sendo certo que se terá que reestruturar profundamente a empresa, também é claro, em meu entender, que esta deverá ter um papel de regulador do mercado, devendo por isso, manter-se na esfera pública. Não é a entrada de capital privado, por si só, que trará a boa gestão, mas é esse mesmo capital privado que trará uma gestão desligada do “serviço público”, sendo que este é o que melhor salvaguarda os interesses dos Açores. A omissão do accionista e a sua demissão do controlo que lhe é devido, poderá ser evitada no futuro, pela criação de uma Estrutura de Missão, nomeada e tutelada pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores, composta por uma equipa profissional e competente, com elementos dos diversos quadrantes políticos, que defina as linhas gerais estratégicas para a companhia, que nomeie o Conselho de Administração e acompanhe e vigie de perto os seus actos de gestão e os impactos dos mesmos na saúde financeira da empresa. Uma Estrutura de Missão como esta, dará a estabilidade necessária à equipa de gestão para reestruturar a empresa; as nomeações e indigitações dos membros da administração, bem como dos restantes directores da empresa, deixarão de servir para “premiar” carreiristas e oportunistas políticos.
A actual debilidade financeira da empresa e a incapacidade de gerar o capital circulante necessário para a sua vivência diária, obriga à venda de activos. A frota da Air Açores terá que ser alienada para que se diminuam os enormes encargos financeiros e para que se volte a ganhar a necessária credibilidade perante a banca, para se reestruturar a dívida do grupo; os “novos” aviões para a operação inter-ilhas deverão ser fretados, em contratos de longa duração. Os encargos com pessoal terão que se adaptar à realidade dos mercados e, mesmo que temporariamente, reflectir as dificuldades de tesouraria da empresa. Se se aligeirarem as condições e subsídios paralelos aos salários ainda inscritos nos Acordos de Empresa, negociados e acordados no passado, para realidades completamente distintas, conseguir-se-ão diminuições significativas, da ordem dos 5% do total dos encargos com pessoal, de cerca de EUR 3 milhões. Os sindicatos e os seus representados, têm que entender e aceitar que só pode distribuir riqueza quem a gera; e a SATA, que somente tem gerado ao longo dos últimos 5 anos, pesados resultados negativos, não tem riqueza para distribuir. Toda a estrutura de liderança do grupo terá que sofrer alterações profundas; o Grupo é constituído por empresas muito distintas e, por isso mesmo, a moldura da estrutura da direcção deverá também reflectir essa mesma diversidade. A um Conselho de Administração reduzido deverá reportar uma estrutura de directores gerais em cada uma das empresas ou centros de custo autónomos do Grupo: a SATA Air Açores, a Azores Airlines, a SATA Gestão de Aeródromos e o Centro de Formação de Santa Maria. Só assim se criarão as dinâmicas de gestão, operacional e comercial, que promovam o sucesso nos mercados em que cada empresa irá operar.
A SATA Air Açores, a operar ao abrigo do contrato de “serviço público” para o transporte inter-ilhas, deverá acomodar a estrutura de apoio às operações do grupo, contratualizando internamente os serviços prestados. Os custos operacionais deverão ser diminuídos em mais de EUR 8 milhões, com o re-dimensionamento das operações no Grupo Central, substituindo a lógica de ponto-a-ponto, por outra, bem mais económica, de encadeamento circular entre as ilhas Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico e Faial. Fretando aviões de manutenção mais barata e mais adaptados à realidade açoriana, aliviando os custos com pessoal e re-dimensionando as operações, melhoram-se as contas e poder-se-ão, inclusivamente, praticar valores de ida-e-volta entre os EUR 60 e EUR 80, servindo melhor os açorianos e quebrando a sazonalidade do turismo de estrangeiros, ao promover o turismo interno nos meses de época-baixa.
A Azores Airlines deverá devolver o A330 ou, na impossibilidade de poder fazê-lo, deverá afectá-lo a uma operação de afretamento a outras companhias. Os voos deverão ser garantidos pelos A310, até outros aviões, mais adaptados às rotas e à sazonalidade da operação dos voos de médio e longo curso, estarem disponíveis no mercado e em quantidade suficiente para uma substituição integral da frota. Comercialmente, a empresa deverá continuar a apostar na diáspora nos Estados Unidos da América e no Canadá e, em simultâneo, expandir a promoção do Destino Açores aos americanos e canadianos amantes do turismo de aventura e natureza; os Estados Unidos e o Canadá são os principais mercados emissores de turistas para este tipo de destinos, mais de 40% de todo o volume mundial. Na operação Açores-Continente, os A320 deverão ser posicionados principalmente nas rotas não liberalizadas, Horta, Pico e Santa Maria, pois são estas as que conferem a protecção contra as guerras comerciais com as Low Cost; em Ponta Delgada e na Terceira, os A320 deverão ser agentes reguladores do mercado, não permitindo aumentos desmesurados das tarifas e garantindo as frequências necessárias a uma boa qualidade de serviço.
A actual estrutura de custos da SATA, não permite encarar de forma positiva, a livre concorrência com as Low Cost. Quando a empresa decidiu entrar numa guerra dessas no Funchal, aquando da liberalização das ligações aéreas para o arquipélago da Madeira, perdeu muitos milhões de euros e foi obrigada a abandonar uma operação consolidada há muito anos. A SATA Gestão de Aeródromos deverá expandir os seus serviços para outros mercados, com aeroportos semelhantes àqueles que opera nos Açores, fornecendo serviços de engenharia ou mesmo, contratualizando concessões de gestão e operações de handling.
A enorme experiência dos quadros da empresa e os elevados níveis de qualidade praticados nos aeroportos dos Açores, capacitam a empresa para vencer em novos mercados.
O Centro de Formação de Santa Maria deverá expandir as suas sessões de treino e formação a alunos externos, numa altura em que se sabe que o mercado mundial está em franca expansão, pois vai necessitar de formar milhares de tripulações nos próximos 30 anos; só para pilotos, os diversos analistas mundiais do sector apontam para a necessidade de formar mais de 600 mil novos profissionais.
Por tudo o exposto acima, acredito que a solução não passa pela entrada de capital privado, ou pelo despedimento em massa de quadros; essa é a receita, de efeito duvidoso, daqueles a quem faltam ideias e verdadeiras soluções. O Quadro de Pessoal da SATA é muito especializado, levou muitos e muitos anos a formar, e será, todo ele, necessário para implementar uma estratégia de sucesso e executar a necessária reestruturação do grupo.
A SATA pode voltar a ser uma empresa de referência de aviação nos Açores e em Portugal. Para tal, é necessário que o actual accionista tome as necessárias medidas para a reestruturar profundamente. Deverá fazê-lo quanto antes, pois o mercado e os concorrentes não esperam e a situação da empresa degrada-se cada vez mais, a cada dia que passa. Não é com reuniões “Tupperware”, que mais não vão trazer do que aquilo que todos já sabem há muito e muito tempo, que serão encontradas as soluções. É com acções sérias e concretas, promovidas e implementadas pelo accionista, que a SATA poderá voltar a ser uma empresa de sucesso.

*Ex-Director Regional dos Transportes Aéreos e Marítimo

Jornal Diário dos Açores Edição de 29 de Agosto de 2017
Jornal Diário Insular Edição de 1 de Setembro de 2017

1 comentário:

Mário Guimarães disse...

Desconheço o senhor em questão no entanto ao seu comentário ou artigo, estranho sobretudo a falta de comentários, ou resposta a rebater. Sem dúvida mencionou dados importantes e verdadeiros e que embora se queiram esconder, são bem conhecidos. A SATA Internacional agora Azores Airlines iniciou-se com as "pulitiquices" e esse facto nada tem a ver com resultados económicos . A aquisição de aviões, decididas a belo prazer e interesse tal como os submarinos ,helicópteros e quejandos trouxeram fama aos governantes pela sua seriedade , desde o 25 de Abril. A realidade é que o País está a saque ocupando os estrangeiros o lugar dos nacionais pela falha propositada do sistema "pulítico" por eles (estrangeiros) fomentada na tal revolução de cordel.A ocupação económica é evidente e não necessita de soldados ocupantes como os alemães fizeram erradamente na Segunda Guerra Mundial. A "Resistance" fez o que os árabes fazem agora em desespêro de causa. Em suma,gostei de ler !

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