2 de setembro de 2017

Coluna Liberal

O regresso das férias e consequentemente à realidade do dia-a-dia proporciona-nos alguns momentos de concentração, reflexão e até de ajuste da mente à realidade. Desta feita, como quase sempre nos Açores, o regresso coincide com um período pré-eleitoral “efervescente”.
Passado um breve espaço temporal de adaptação ao ritmo frenético da rentrée e tendo já começado os neurónios em carburação plena com o alto patrocínio das leituras estivais que estiveram a cargo de Garcia Marquez e José Milhazes, perpassam-nos enormes preocupações sobre a liberdade, as liberdades individuais e a liberdade de escolha durante os tempos que por aí vêm.
Ambos, Marquez e Milhazes, escreveram sobre a sua experiência na então denominada Europa de Leste (recomendo a leitura de Garcia Marquez), com um hiato de meio século sem que essa distância temporal tenha sido motivo de grande divergência de opiniões o que não deixa de ser estranhamente inquietante. Mais do que as intermináveis filas para a aquisição de alimentos e bens de primeira necessidade, inquieta-nos o regime musculado de partido único e pensamento único, sem sufrágio e sem escrutínio que foi imposto para lá da denominada “cortina de ferro” que o excelente autor sul-americano descobriu afinal tratar-se de uma simples barra de madeira pintada de branco com listas vermelhas.
Talvez por via da proximidade - assunto que retomarei adiante- as eleições para as autarquias locais são as que geram mais emoções e até alguma agressividade nos discursos dos candidatos. Apesar da lei eleitoral autárquica permitir candidaturas de propositura independente dos partidos políticos formalmente organizados, não deixa de ser intrigante que esses mesmos partidos apoiem movimentos que consubstanciam a ideia de uma espécie de Partido anti Partidos.
O caso mais paradigmático na nossa democracia doméstica é o movimento Santa Clara Vida Nova que recebe o apoio expresso de todos os Partidos Políticos.
 Os eleitos locais são, entre todos os que exercem funções na gestão da polis, os que mais próximos dos cidadãos estão. São por isso os que mais familiarizados estão com os seus anseios, preocupações e desideratos. São no entanto também os que, por via dessa mesmo proximidade, os mais escrutinados e que mais rapidamente podem ser condicionados nas suas funções pelas vontades e apetites pessoais deste ou daquele cidadão eleitor que tem mais ou menos influência nesta ou naquela Freguesias ou pequeno município. O Municipalismo, como modelo de gestão de proximidade da coisa pública, apesar das suas grandes virtudes, encerra enormes perigos como o da construção de um sistema clientelar e com laivos de caciquismo.

O caciquismo não é um exclusivo dos Partidos Políticos. No entanto, é a esses que se atribuem a maiores responsabilidades na construção desta sociedade clientelar e “agradecida” que vai alimentando uma “click” de carreiristas na gestão da coisa comum e que apelida de “mal-agradecidos” os que, tendo passado por lugares de decisão superiores possam ter alguma espécie de atividade cívica crítica do poder. Era só o que faltava.
A hora de depositar o voto na urna é a nossa hora de liberdade, o ato de riscar a cruz em cima do quadrado do boletim de voto é a nossa hora de escolha, votar é exercer escolhas livremente. Façamo-lo de forma consciente, livre e urbana, façamo-lo no pleno exercício dos nossos direitos de cidadania, esse é o exercício mais liberal que podemos identificar no contexto  da polis.
Em eleições autárquicas mais do que em qualquer outra eleição, por via das especificidades da lei eleitoral, como já referimos, o fim do monopólio de propositura dos partidos tradicionais é uma possibilidade. Porém, não é saudável para a vida democrática que os partidos formalmente constituídos  se substituam em partidos informais encapotados em movimentos de cidadãos, a bem da democracia e da liberdade é bom que se assegurem condições para a alternância e a alternativa. 
O unanimismo gerado à volta do Movimento Santa Clara Vida Nova, por exemplo, é um sinal preocupante para a nossa democracia, é um contra senso no regime e um perigoso ensaio para situações semelhantes. Ir ás urnas em Santa Clara do Concelho de Ponta Delgada no próximo dia 1 de Outubro não passará de um mero formalismo, a democracia não se compadece com este tipo de coisa. Não é compreensível que 40 anos depois da revolução que devolveu ao povo o poder de escolher não lhe seja dada alternativa nessa escolha. Quando a democracia está ameaçada então todas as demais liberdades estão sobe o cutelo do unanimismo da prepotência e da arrogância, mesmo que essas não existam.

Nuno Barata Almeida e Sousa

Jornal Diário dos Açores Edição de 1 de Setembro de 2017




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