O regresso das
férias e consequentemente à realidade do dia-a-dia proporciona-nos alguns
momentos de concentração, reflexão e até de ajuste da mente à realidade. Desta
feita, como quase sempre nos Açores, o regresso coincide com um período pré-eleitoral
“efervescente”.
Passado
um breve espaço temporal de adaptação ao ritmo frenético da rentrée e tendo já começado os neurónios em carburação plena com o
alto patrocínio das leituras estivais que estiveram a cargo de Garcia Marquez e
José Milhazes, perpassam-nos enormes preocupações sobre a liberdade, as
liberdades individuais e a liberdade de escolha durante os tempos que por aí
vêm.
Ambos,
Marquez e Milhazes, escreveram sobre a sua experiência na então denominada
Europa de Leste (recomendo a leitura de Garcia Marquez), com um hiato de meio
século sem que essa distância temporal tenha sido motivo de grande divergência
de opiniões o que não deixa de ser estranhamente inquietante. Mais do que as
intermináveis filas para a aquisição de alimentos e bens de primeira
necessidade, inquieta-nos o regime musculado de partido único e pensamento
único, sem sufrágio e sem escrutínio que foi imposto para lá da denominada
“cortina de ferro” que o excelente autor sul-americano descobriu afinal
tratar-se de uma simples barra de madeira pintada de branco com listas
vermelhas.
Talvez
por via da proximidade - assunto que retomarei adiante- as eleições para as
autarquias locais são as que geram mais emoções e até alguma agressividade nos
discursos dos candidatos. Apesar da lei eleitoral autárquica permitir
candidaturas de propositura independente dos partidos políticos formalmente
organizados, não deixa de ser intrigante que esses mesmos partidos apoiem
movimentos que consubstanciam a ideia de uma espécie de Partido anti Partidos.
O caso mais paradigmático na nossa
democracia doméstica é o movimento Santa Clara Vida Nova que recebe o apoio
expresso de todos os Partidos Políticos.
Os eleitos locais são, entre todos os que
exercem funções na gestão da polis, os que mais próximos dos cidadãos estão.
São por isso os que mais familiarizados estão com os seus anseios, preocupações
e desideratos. São no entanto também os que, por via dessa mesmo proximidade, os
mais escrutinados e que mais rapidamente podem ser condicionados nas suas
funções pelas vontades e apetites pessoais deste ou daquele cidadão eleitor que
tem mais ou menos influência nesta ou naquela Freguesias ou pequeno município.
O Municipalismo, como modelo de gestão de proximidade da coisa pública, apesar
das suas grandes virtudes, encerra enormes perigos como o da construção de um
sistema clientelar e com laivos de caciquismo.
O caciquismo não é um exclusivo
dos Partidos Políticos. No entanto, é a esses que se atribuem a maiores
responsabilidades na construção desta sociedade clientelar e “agradecida” que
vai alimentando uma “click” de carreiristas na gestão da coisa comum e que
apelida de “mal-agradecidos” os que, tendo passado por lugares de decisão
superiores possam ter alguma espécie de atividade cívica crítica do poder. Era
só o que faltava.
A hora de depositar o voto na
urna é a nossa hora de liberdade, o ato de riscar a cruz em cima do quadrado do
boletim de voto é a nossa hora de escolha, votar é exercer escolhas livremente.
Façamo-lo de forma consciente, livre e urbana, façamo-lo no pleno exercício dos
nossos direitos de cidadania, esse é o exercício mais liberal que podemos
identificar no contexto da polis.
Em eleições autárquicas mais do
que em qualquer outra eleição, por via das especificidades da lei eleitoral,
como já referimos, o fim do monopólio de propositura dos partidos tradicionais
é uma possibilidade. Porém, não é saudável para a vida democrática que os partidos
formalmente constituídos se substituam
em partidos informais encapotados em movimentos de cidadãos, a bem da
democracia e da liberdade é bom que se assegurem condições para a alternância e
a alternativa.
O unanimismo gerado à volta do Movimento
Santa Clara Vida Nova, por exemplo, é um sinal preocupante para a nossa
democracia, é um contra senso no regime e um perigoso ensaio para situações semelhantes.
Ir ás urnas em Santa Clara do Concelho de Ponta Delgada no próximo dia 1 de
Outubro não passará de um mero formalismo, a democracia não se compadece com
este tipo de coisa. Não é compreensível que 40 anos depois da revolução que
devolveu ao povo o poder de escolher não lhe seja dada alternativa nessa
escolha. Quando a democracia está ameaçada então todas as demais liberdades
estão sobe o cutelo do unanimismo da prepotência e da arrogância, mesmo que
essas não existam.
Nuno Barata Almeida e Sousa
Jornal Diário dos Açores Edição de 1 de Setembro de 2017
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