25 de abril de 2005

25 de Abril

25 de Abril de mil novecentos e sempre
O 25 de abril diz-me muito mais hoje do que quando tinha catorze anos, estávamos num intervalo das aulas no Externato de Vila Franca e o Mário Fernando Brandão, mais velho do que eu dois ou três anos, veio a correr e a gritar que o Marcelo Caetano tinha sido afastado do poder. Eu não tive naquela altura a noção precisa do que estava a acontecer, nem nos dias seguintes. E nos meses que se seguiram irritavam-me as manifestações populares, o bulício. Disposição que não melhorou em 1975, 1976 quando qualquer coisa continuava a ser pretexto para um comício. Eu odiava comícios, quase tanto como odeio hoje o alarido à volta do futebol. Então porque raio é que eu tenho de achar que os putos de hoje têm de saber alguma coisa sobre a revolução dos cravos? Que já aconteceu há 31 anos? Eles já nasceram em democracia. Mas quando falo com alguém sobre o 25 de Abril, vem logo, ligeira, a remocada: os putos não sabem nada sobre o 25 de Abril, nem querem saber?.Claro que não querem saber. Para que é que querem saber que um punhado de militares levou a cabo um golpe de estado. Capitães de Abril da Maria Medeiros? ?Nunca vi. Ah, já sei. Aquela cena de guerra com uns tanques em Lisboa que a gaja mete um cravo na G3 dum soldado?? Pronto, é suficiente. Não será. Mas a eles basta-lhes saber o essencial. Que foi preciso o esforço e o sacrifício dum grupo de homens e mulheres para que hoje vivam em liberdade. Não têm de saber de que cor era a gravata preferida do Otelo Saraiva de Carvalho. Nem de que marca eram os tanques comandados por Salgueiro Maia. E que Marcelo Caetano tinha uma verruga no dedo grande da mão esquerda com a qual brincava quando estava nervoso.Por essas e por outras é que me odeio. Por achar que até sou um tipo culto que sabe coisas que pouca gente sabe. É mentira. Estou solidário com os rapazes e raparigas que têm dezoito anos. Eles têm é de saber coisas do seu tempo. Por exemplo com quantas carlsberg se pode atingir um estado de embriaguez absoluto.Isso sim, são conhecimentos práticos e úteis. O que eles têm de saber é que para se atingir algo de consistente é preciso trabalhar para isso. Tenho um filho com dezoito anos a quem tento fazer perceber essa evidência. Ele parece não compreender. Mas tenho a certeza que compreende. E que há-de fazer uso dessa compreensão a seu tempo.Entrevistei Gabriela Ataíde Mota que foi casada com Ernesto Melo Antunes, considerado o ideólogo da revolução de Abril. Uma senhora duma simplicidade desarmante que me manifestou a sua desilusão porque os jovens de hoje não sabem do que se passou. E garantiu-me que os militares eram pessoas generosas com uma vontade imensa de mudar as coisas.Acredito. E para mim, a melhor homenagem que podemos prestar a esses militares é que não se deve deixar esquecer que foi preciso uma revolução para mudar o estado das coisas. E que devemos fazer pequenas revoluções quer na nossa vida pessoal, quer na nossa vida enquanto membros duma comunidade. A revolução de Abril deveria servir para não nos esquecermos da urgência constante de revolucionar.
MR
Terça-Feira, dia 19 de Abril de 2005
in Digital Azores e Entramula

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