5 de julho de 2022

Uma tempestade perfeita

 

A escalada das taxas de juro, a subida das matérias-primas e a quebra das cadeias logísticas internacionais são fatores que, associados à estagnação do rendimento das famílias, constituem aquilo que se pode chamar de uma conjuntura potenciadora de instabilidade em uma boa parte da humanidade. Há depois ainda uma parte dela – dessa humanidade – que não sente os reflexos destas crises e conjunturas: é o mundo mais pobre, habituado a viver com pouco, a viver com quase nada daquilo que consideramos básico; é o mundo que sobrevive muito abaixo dos nossos padrões de pobreza extrema. É aquela parte do mundo que conta muito nos discursos dos altos-comissários e dos secretários-gerais das organizações internacionais, mas que, no fim das contas e desses palavreados fáceis e bonitos, conta com poucos recursos, os que deveriam chegar para essa gente ter um pouco mais de alimento e esperança. As organizações internacionais gastam-se nas suas estruturas burocráticas de tal forma que não lhes resta para cumprir o objeto da sua existência. Certo é que neste mundo ocidental em que vivemos, com especial atenção para a Europa que vai da Lusitânia aos Urais, isso pouco interessa desde que se mantenham as prebendas do status-quo. Dois fatores vieram revirar do avesso a vida pacata e ilusoriamente próspera em que vivíamos até 2008: a crise do subprime, com um abalo estrondoso do Bears  Stearnes, um gigante do crédito hipotecário Norte americano e o colapso do  Lehman Brothers e a crise das dívidas soberanas. O banco criado no século XIX pelos irmãos Lehaman era o 4.º maior dos Estados Unidos da América. A regulação internacional decorrente dos acordos de Basileia tinha imposto aos bancos centrais regras de concessão de crédito que limitavam muito os mercados, incentivando o garantismo das hipotecas imobiliárias. Ora se só havia no sistema financeiro dinheiro disponível para a habitação e consumo e para as dívidas soberanas foi precisamente aí que os bancos privados investiram. Ao invés do que ousam dizer os defensores da regulação, não foi por falta de regulação que o setor imobiliário cresceu especulativamente, nem, por isso, que os bancos faliram. Foi precisamente porque os bancos centrais os encaminharam para esse beco.

Na decorrência da crise financeira e na esteira da falta de liquidez dos mercados andavam os estados mais pobres a gastar por conta do futuro e a crise financeira rapidamente pôs a nu as chamadas dívidas soberanas. Desde então, aquilo a que chamamos mundo ocidental não mais recuperou, pois da crise financeira foi preciso tratar e a escolha dos estados foram medidas cada vez mais reguladoras e impostos, em vez de liberdade de empreender. Nalguns casos, como o português, aumentar impostos é como ordenhar uma vaca já seca: o que dela mais se pode esperar é um coice!

Foi mesmo isso que aconteceu. Os mercados não aguentaram as empresas e da crise financeira rapidamente passamos à crise económica e dai à crise social. Perderam-se milhares de postos de trabalho de cidadãos que hoje estão a produzir riqueza em países mais liberais como os Estados Unidos, o Canadá ou a Reino Unido. Dessa crise, de 2008, ainda não nos safamos, inventamos alguns bodes expiatórios, é certo, mas sair dela ainda não saímos – se bem que agora não estamos na fase financeira da crise, já chegamos à fase económica o que é muito mais difícil de resolver. O que se espera dos governos de hoje é rigor nos gastos e seriedade nas políticas laborais, de modo a recuperarmos a gente que perdemos e com isso fazermos crescer a nossa economia. Sem crescimento económico não há riqueza e sem riqueza não há estado. E é ao estado a que todos clamam nas horas difíceis.

 

Haja saúde!


In Jornal Diário Insular, edição de  05 de Julho de 2022

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