A escalada das taxas de juro, a subida
das matérias-primas e a quebra das cadeias logísticas internacionais são
fatores que, associados à estagnação do rendimento das famílias, constituem
aquilo que se pode chamar de uma conjuntura potenciadora de instabilidade em
uma boa parte da humanidade. Há depois ainda uma parte dela – dessa humanidade –
que não sente os reflexos destas crises e conjunturas: é o mundo mais pobre, habituado
a viver com pouco, a viver com quase nada daquilo que consideramos básico; é o mundo
que sobrevive muito abaixo dos nossos padrões de pobreza extrema. É aquela
parte do mundo que conta muito nos discursos dos altos-comissários e dos secretários-gerais
das organizações internacionais, mas que, no fim das contas e desses
palavreados fáceis e bonitos, conta com poucos recursos, os que deveriam chegar
para essa gente ter um pouco mais de alimento e esperança. As organizações
internacionais gastam-se nas suas estruturas burocráticas de tal forma que não
lhes resta para cumprir o objeto da sua existência. Certo é que neste mundo
ocidental em que vivemos, com especial atenção para a Europa que vai da
Lusitânia aos Urais, isso pouco interessa desde que se mantenham as prebendas
do status-quo. Dois fatores vieram revirar do avesso a vida pacata e ilusoriamente
próspera em que vivíamos até 2008: a crise do subprime, com um abalo estrondoso
do Bears Stearnes, um gigante do crédito
hipotecário Norte americano e o colapso do Lehman Brothers e a crise das dívidas
soberanas. O banco criado no século XIX pelos irmãos Lehaman era o 4.º maior
dos Estados Unidos da América. A regulação internacional decorrente dos acordos
de Basileia tinha imposto aos bancos centrais regras de concessão de crédito
que limitavam muito os mercados, incentivando o garantismo das hipotecas imobiliárias.
Ora se só havia no sistema financeiro dinheiro disponível para a habitação e
consumo e para as dívidas soberanas foi precisamente aí que os bancos privados
investiram. Ao invés do que ousam dizer os defensores da regulação, não foi por
falta de regulação que o setor imobiliário cresceu especulativamente, nem, por
isso, que os bancos faliram. Foi precisamente porque os bancos centrais os
encaminharam para esse beco.
Na decorrência da crise financeira e na
esteira da falta de liquidez dos mercados andavam os estados mais pobres a
gastar por conta do futuro e a crise financeira rapidamente pôs a nu as
chamadas dívidas soberanas. Desde então, aquilo a que chamamos mundo ocidental não
mais recuperou, pois da crise financeira foi preciso tratar e a escolha dos
estados foram medidas cada vez mais reguladoras e impostos, em vez de liberdade
de empreender. Nalguns casos, como o português, aumentar impostos é como
ordenhar uma vaca já seca: o que dela mais se pode esperar é um coice!
Foi mesmo isso que aconteceu. Os
mercados não aguentaram as empresas e da crise financeira rapidamente passamos à
crise económica e dai à crise social. Perderam-se milhares de postos de
trabalho de cidadãos que hoje estão a produzir riqueza em países mais liberais
como os Estados Unidos, o Canadá ou a Reino Unido. Dessa crise, de 2008, ainda
não nos safamos, inventamos alguns bodes expiatórios, é certo, mas sair dela
ainda não saímos – se bem que agora não estamos na fase financeira da crise, já
chegamos à fase económica o que é muito mais difícil de resolver. O que se
espera dos governos de hoje é rigor nos gastos e seriedade nas políticas
laborais, de modo a recuperarmos a gente que perdemos e com isso fazermos
crescer a nossa economia. Sem crescimento económico não há riqueza e sem
riqueza não há estado. E é ao estado a que todos clamam nas horas difíceis.
Haja saúde!
In Jornal Diário Insular, edição de 05 de Julho de 2022
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