19 de julho de 2022

Entre São Bento e o Raton.

 

Desculpem-me os mais sensíveis, mas para o peditório de diabolizar os juízes do Tribunal Constitucional eu não dou. Por uma razão simples e que quem me lê e ouve há anos já terá percebido. Não temos outro texto constitucional que nos proteja dos apetites autoritárias e das derivas fascistas, sejam elas de que tipo forem e mesmo que sanitárias, como temos vindo assistir (Já agora, era tempo de acabar com as máscaras nos transportes públicos).

Goste-se ou não, é no Palácio Raton que residem as nossas garantias da separação de poderes, e é também nesse Tribunal que nos podemos estribar para vivermos, de facto e de direito, num Estado liberal, democrático e do direito. Os Juízes do Tribunal Constitucional são os fiscais da constitucionalidade das leis, são por isso o nosso último reduto, a nossa última guarda. Já bem basta a enorme quantidade de portarias e despachos que não lhes passam pelo crivo e que atropelam, diariamente, os nossos direitos, liberdades e garantias. Na realidade, zurzir nas decisões desses magistrados, sem antes fazer uma análise do processo legislativo, é a parte mais fácil e a que todos os politiqueiros e fazedores de opiniões fáceis, sem exceção, recorreram.

Na verdade, o centralismo está um pouco por todo o lado nas instituições, é um tumor que corrói o sistema político português. Desse centralismo, queixam-se as autonomias como se queixam outras regiões do país, assim como reclamam, dentro das Autonomias constitucionais insulares, os de umas ilhas em relação aos de outras ilhas. A ideia - muito europeia – da aplicação do princípio da subsidiariedade dos poderes e dos apoios, que derrama por cima para que chegue abaixo - como escrevi aqui a semana passada - está absolutamente errada, por ser ineficaz e até ineficiente. Os resultados estão à vista de qualquer um mais ou menos atento.

No caso em apreço, o da gestão partilhada do mar português, a questão a discutir, é mesmo o centralismo plasmado no texto constitucional. De nada serve “espernear” contra os juízes se eles apenas interpretam a lei fundamental, mesmo que tenha levado voto de vencido o seu Presidente, o que diz muito mais da figura em causa do que do conjunto dos seus pares, isso nunca pode servir de argumento para responsabilizar o Tribunal Constitucional. A nossa constituição é, de certo modo, centralista em relação a muitos aspetos que importam às autonomias constitucionais, que assim se chamam precisamente por serem decorrência desse texto.

O centralismo está, como se pode comprovar, no texto constitucional a autonomia que nos deram não foi uma concessão, foi apenas um rebuçado embrulhado em papel colorido reluzente com o qual nos contentamos mas que já não serve  - se é que alguma vez serviu - convenientemente os interesses do Povo Açoriano. É, por isso, urgente rever a constituição para conferir mais e melhores poderes às regiões autónomas. No entanto, isso só se faz com o acordo do PSD e do PS, esses são, na verdade, os dois partidos responsáveis pela existência de travões e entraves às autonomias, esses são os verdadeiros centralistas e disso não se podem esconder nem escapar por mais que queiram ou que lhes dê jeito eleitoralista. Viram-se contra os juízes. Pois é levar!

O verdadeiro e mais pernicioso centralismo está nos Deputados do PSD e do PS na Assembleia da República, os únicos que já podiam ter mudado o rumo de Portugal, mas não o fazem. O centralismo está em São Bento não está no Palácio Raton,  

Haja saúde.

In Jornal Diário Insular, edição do dia 10 de Julho de 2022

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