Diário
dos Açores - Com a queda do governo no
parlamento, o que é que o Presidente da República fará agora?
Nuno
Barata - Cavaco Silva está refém do seu próprio discurso e
pouco mais poderá fazer do que devolver ao Parlamento a última palavra. Foi
isso mesmo que o Presidente da República disse ao País quando indigitou Passos
Coelho. Embora pouco provável, Cavaco Silva
pode, no entanto, decidir de duas maneiras a saber:
1- Convoca
Costa a Belém para o ouvir, acredita que existe um acordo de esquerda para um
governo de 4 anos (que não há porque o próprio Costa já disse que os orçamentos
vão ser negociamos caso a caso) e indigita-o primeiro-ministro. O folhetim
acaba por aqui;
2- Convoca
Costa, ouve-o e solicita mais consistência nas propostas e mais
responsabilização governativa dos seus parceiros na coligação (caso contrário
nada há que dê garantias ao Presidente da República de que o Governo vai durar
até à discussão do próximo Orçamento de Estado). Costa volta à roda das
negociações com Catarina Martins e Jerónimo de Sousa à procura de uma solução
governativa que foi o que Cavaco exigiu desde o início. Entretanto o Governo de
Passos e Portas mantem-se em gestão com o orçamento de 2015. Esse cenário,
pouco plausível, pode prolongar-se até às presidenciais fazendo Cavaco o papel
de Pôncio Pilatos deixando a decisão para quem vier depois dele. Não seria a
primeira vez que Portugal teria um governo de gestão. Neste caso nem é assim
tão grave se tivermos em conta que o orçamento por duodécimos teria como base o
orçamento de 2015 que foi um bom Orçamento de Estado.
Diário
dos Açores - Do que se conhece do acordo
à esquerda, acredita que o governo de António Costa será "consistente e
duradouro"?
Nuno
Barata - Para as nações, como para os indivíduos, as vida
rege-se por uma conta de deve e haver. Até agora e do acordo que se conhece e
de tudo o que foi propalado por António Costa e parceiros, apenas se conhece a
parte da despesa e a assunção clara de que o défice se manterá dentro dos
limites impostos pelo Tratado Orçamental. Nada ainda foi dito sobre a parte da receita,
absolutamente necessária, para fazer face a essa despesa e muito menos foi dito
em questões de impostos. Cauteloso, Costa ainda não "assuntou" do ponto de vista
fiscal o que pretende fazer e o Bloco e o PCP falam de taxar os ricos e
reverter as privatizações, ora isso são as cascas dos ovos e segundo se sabe
não se fazem omeletas com cascas. Este assunto tabu será discutido, certamente,
em sede de Orçamento de Estado para 2016 onde a discórdia entre as esquerdas
ficará patente. Importa lembrar que nas tais contas do deve e do haver a
matemática é implacável. Mais despesa requer mais receita (impostos diretos e indiretos)
ou maior défice, não há soluções mágicas.
Diário dos Açores - O papel de Carlos César como principal
colaborador de António Costa terá sido determinante para esta reviravolta? Ele
tem perfil para segurar os equilíbrios parlamentares à esquerda durante toda a
legislatura?
Nuno Barata
- O PS, constituindo Governo, enfrenta desafios que nenhum outro partido
enfrentou em Democracia em Portugal. Na verdade, será a primeira vez que um
partido governa com minoria parlamentar de apoio não sendo força mais votada e
com as forças da oposição sem fragilidades. Convenhamos, PSD e CDS-PP estão
mais fortes hoje do que estavam em 4 de Outubro.
A situação atual não é comparável nem aos governos
minoritários dos primórdios da nossa Democracia nem aos governos minoritários
do Prof. Cavaco, do Eng. António Guterres ou do Eng. José Sócrates. O Professor
Cavaco, no seu primeiro Governo, beneficiou de um desnorte no seio do PS, o
Eng, Guterres beneficiou do apoio do CDS e Manuel Monteiro e de um certo
descontrolo do PSD órfão do seu grande líder que havia sido Cavaco Silva e o
Eng. Sócrates beneficiou de uma situação de conjugação da saída de Durão
Barroso para a Europa e da militância socialista do presidente da República
Jorge Sampaio que demitiu um Governo sustentado por uma maioria parlamentar
estável sem explicar as suas razões ao País.
Nesse particular, o papel de Carlos Cesar ou de outro
qualquer político do PS que tenha que fazer a ligação às outras forças políticas
da esquerda está bastante dificultado.
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