9 de maio de 2005

Factos 3


Porque o número 4 da revista factos já está nas bancas, aqui fica para quem não comprou a revista, o texto publicado no seu número 3.

Do culto religioso à resignação
Ou razões para o empobrecimento


Esta crónica será publicada numa altura em que os Açorianos, de todo o mundo, mas em especial os Micaelenses estarão envolvidos até ao mais recôndito espaço das suas entranhas, nas festividades em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres.
Sei que não é politicamente correcto entrar nas convicções religiosas de cada um, mas também não é católico os senhores da Igreja entrarem no campo da política. A promiscuidade entre a politica e a Igreja foi uma constante ao longo dos tempos, a fé pouco conta quando se trata de politica ou quando o que está em causa é a barriguinha a dar horas. Mesmo os agentes religiosos tratam primeiro o seu corpo e só depois o espírito.
Sei que poucos irão gostar deste meu texto, toca em demasiadas feridas, mas isso é o que eu sei fazer, tocar onde arde, onde dói, para ver se a sociedade Açoriana trata estas feridas de longa duração que teimam em perdurar com a passagem dos tempos. Apetece-me gritar: Porra! Estamos no Século XXI!
O leilão para os lados do campo começa na segunda-feira imediatamente depois da Páscoa e só pára na semana seguinte ao Domingo do Senhor. À cidade chegam forasteiros de toda a parte. Elas vestem as primeiras roupas claras e leves anunciando a proximidade do verão. Eles, vestem fatos novos, com gravatas floridas, tudo vindo nos barris da América ou comprado nas promoções permanentes que Ponta Delgada vive desde que se instalou uma duradoira crise no comércio tradicional.
É tempo de consumo e de fé. Fé mas pouca que esta coisa do consumo dá muito mais gozo do que ir à missa. E depois um gajo até tem boa memória, e já vai à missa há mais de 30 anos, e de tanto ouvir a mesma "lenga-lenga" já sabe aquela "coisada" toda de trás para frente e de frente para trás.
Esta Região de fés exacerbadas, e romarias e procissões, pobre e carente, pouco produtiva e letárgica, deve, bastante, desse seu subdesenvolvimento ao excesso de religiosidade. Felizmente já vai havendo algum pragmatismo e algum agnosticismo por estas paragens e esse estado de espírito vai, também, dando os seus frutos. O desenvolvimento está à vista embora ainda haja quem confunda esse tal desenvolvimento com obras públicas e quem ache que empregadas camareiras de hotéis para nórdicos remediados trarão riqueza ao nosso Povo.
Felizmente o agnosticismo e o pragmatismo estão a tomar o lugar, pouco a pouco, daquela atitude tipicamente ilhoa do "seja o que Deus quiser".
Pergunta uma técnica de acção social a uma mãe carenciada mas com numerosa família: Porque razão a Senhora tem tantos filhos e está outra vez grávida se já não tem meio de sustentar a família que já tinha?
Foi Deus que quis assim ? Diz, resignada, a mulher de trinta anos, com ar de quem já passou dos cinquenta, apontando para a barriga que carrega o seu décimo filho e louvando a Deus que lhe deu mais este.
Se é bem verdade o ditado popular que diz "antes mais um do que menos um", também é verdade que o Deus que lhe pôs na barriga aquela décima criatura não tratará do seu sustento nem dos seus nove irmãos, não tratará de pagar nem a conta da farmácia nem a conta da mercearia. Esse Deus que levamos aos ombros a vida toda acaba por ser ingrato com quem, tão cegamente, o louva e acredita.
In revista Factos nº 3 Abril 2005

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