É na diferença que nos afirmamos e nos
complementamos, é na sã disputa que adquirimos ganas de crescer e fazer melhor,
é na competitividade e na adversidade de quem viveu séculos a rudeza dos
elementos que, resilientemente nos transcendemos, emigramos e imigramos,
construímos pontes e futuros, uns melhores outros piores. Sim é o culto em
honra do Senhor Espírito Santo que nos une mas as sopas daqui são melhores do
que as dali, e o bodo dacolá é melhor do que o “dacoli”. O Império da festa “dá
calças” no império de São João. É como ser do Lusitânia ou do Angrense, do Rego
Botelho ou do José Albino, da banda nova ou da banda velha como nos conta
Cristóvão D’Aguiar.
A este respeito não resisto em recontar uma
história passada no Café Espírito Santo, ali na Rua D'Arquinha, em Ponta Delgada,
e que acho deliciosa.
O Mestre Manuel Carreiro e os seus filhos foram
e são, há muito, os grandes promotores das festas do Espírito Santo D’Arquinha.
O Mestre Manuel Pintor, Homem de grandes convicções independentistas e defensor
de tudo o que é Açores, por seu lado, foi o grande impulsionador do império da
Rua do Passal, ruas quase contiguas.
Certo dia, vão para lá de mais de trinta anos,
assisti a uma acesa discussão entre dois “adeptos” das festas. Depois de
aduzidos quase todos os argumentos, os válidos e os nem por isso, o adepto do
império D'Arquinha, quase derrotado pela exuberância do foguetório das festas
dos ricos da Rua do Passal e pelos calores das cargas etílicas, sai-se com uma
exclamação: "Home o Sô Esprite Santo D'Arquinha tá-se cagando pó Sô
Esprite Santo da Rua do Passal". É isso mesmo.
Estranho é o facto do estado/região republicano
e laico ter escolhido a segunda-feira do Espirito Santo para feriado regional,
mas isso ainda se tolera, o que já não é aceitável, nem que aduzam todos os argumentos
da nossa intrínseca religiosidade e da transversalidade da “festa”, é que a Região
e as suas instituições promovam uma espécie de Império, com sopas e arroz doce
e rosquilhas, com direito a Coroa e Bandeira a um canto, para comemorar a nossa
ainda deslastrada autonomia e ainda “imberbe” democracia.
"Panem et circenses", é uma
expressão latina que tenho usado recorrentemente nas minhas crónicas. Não é por
puro acaso que recorro a esta expressão. Na verdade, o que estamos a assistir
nos Açores nos últimos anos (desde as eleições regionais de 1992) é a uma
crescente falta de interesse dos eleitores pelos assuntos relevantes da
política regional e a uma cada vez maior alienação e apego ao acessório. Pão e
circo, ou seja, festa e barriguinha cheia e estamos todos de acordo.
In jornal Diário Insular, edição de 14 de junho de 2022
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