15 de junho de 2022

Viva o Senhor Espírito Santo

As festas em honra do Divino Paracleto são, sem sombra de dúvida, uma das poucas coisas que une a identidade dos açorianos. Na verdade, se a Açorianidade é feita de essências, e as nossas vidas são determinadas pela geografia e outro tampo pela história como escreveu Nemésio,   uma delas é, certamente, o culto à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. No entanto, a forma como elas se celebram de ilha para ilha ou até de vila e freguesia para freguesia, de rua para rua, revela o muito que temos de diverso dentro daquilo que nos une. Cada ilha, cada espaço, cada pedaço onde se juntam açorianos, tem as suas idiossincrasias e as suas vantagens comparativas. Erro grande, senão mesmo desastroso, é querer fazer igual, harmonizar, aquilo que a natureza e as gentes construíram diferente. Nem a geografia se altera nem a história se apaga.

É na diferença que nos afirmamos e nos complementamos, é na sã disputa que adquirimos ganas de crescer e fazer melhor, é na competitividade e na adversidade de quem viveu séculos a rudeza dos elementos que, resilientemente nos transcendemos, emigramos e imigramos, construímos pontes e futuros, uns melhores outros piores. Sim é o culto em honra do Senhor Espírito Santo que nos une mas as sopas daqui são melhores do que as dali, e o bodo dacolá é melhor do que o “dacoli”. O Império da festa “dá calças” no império de São João. É como ser do Lusitânia ou do Angrense, do Rego Botelho ou do José Albino, da banda nova ou da banda velha como nos conta Cristóvão D’Aguiar.

A este respeito não resisto em recontar uma história passada no Café Espírito Santo, ali na Rua D'Arquinha, em Ponta Delgada, e que acho deliciosa.

O Mestre Manuel Carreiro e os seus filhos foram e são, há muito, os grandes promotores das festas do Espírito Santo D’Arquinha. O Mestre Manuel Pintor, Homem de grandes convicções independentistas e defensor de tudo o que é Açores, por seu lado, foi o grande impulsionador do império da Rua do Passal, ruas quase contiguas.

Certo dia, vão para lá de mais de trinta anos, assisti a uma acesa discussão entre dois “adeptos” das festas. Depois de aduzidos quase todos os argumentos, os válidos e os nem por isso, o adepto do império D'Arquinha, quase derrotado pela exuberância do foguetório das festas dos ricos da Rua do Passal e pelos calores das cargas etílicas, sai-se com uma exclamação: "Home o Sô Esprite Santo D'Arquinha tá-se cagando pó Sô Esprite Santo da Rua do Passal". É isso mesmo.

Estranho é o facto do estado/região republicano e laico ter escolhido a segunda-feira do Espirito Santo para feriado regional, mas isso ainda se tolera, o que já não é aceitável, nem que aduzam todos os argumentos da nossa intrínseca religiosidade e da transversalidade da “festa”, é que a Região e as suas instituições promovam uma espécie de Império, com sopas e arroz doce e rosquilhas, com direito a Coroa e Bandeira a um canto, para comemorar a nossa ainda deslastrada autonomia e ainda “imberbe” democracia.

"Panem et circenses", é uma expressão latina que tenho usado recorrentemente nas minhas crónicas. Não é por puro acaso que recorro a esta expressão. Na verdade, o que estamos a assistir nos Açores nos últimos anos (desde as eleições regionais de 1992) é a uma crescente falta de interesse dos eleitores pelos assuntos relevantes da política regional e a uma cada vez maior alienação e apego ao acessório. Pão e circo, ou seja, festa e barriguinha cheia e estamos todos de acordo.

In jornal Diário Insular, edição de 14 de junho de 2022

 

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