28 de junho de 2022

Estação tontinha ou gente tontinha?

Apesar de o calendário gregoriano e a Lua nos dizerem que ele já aí está há uma semana, o verão tarda a chegar na espuma da meteorologia. Entramos, assim, definitivamente, na denominada silly season,

Com os feriados de junho, a chegada da época estival e o aproximar das festividades de verão, as Ilhas dos Açores enchem-se de gente, umas por via das ligações aéreas com o exterior, outras até pela mobilidade interna. Certo é que se nota já muita gente a circular em todas as Ilhas. São turistas que nos vistam por curiosidade, filhos da terra que regressam, temporariamente em final de ano letivo, emigrantes que vêm às festas… Há de tudo e para todos os gostos e feitios. O turismo, seja ele qual for, é de relevante importância para o desenvolvimento socioeconómico da Região. No entanto, como não há só coisas boas neste sector, estamos ainda a tempo de não cometermos os mesmos erros que foram cometidos noutras regiões turísticas portuguesas que, certamente, hoje, se arrependem do caminho percorrido.

Não precisamos de muita gente, precisamos dos suficientes para irmos crescendo consolidadamente, com garantias de sustentabilidade económica, social e ambiental e com o ritmo que a resposta de cada uma das nossas realidades geográficas o permita. Não devemos cair na tentação de vender o nosso destino a baixo preço, pois tal banalização do preçário trará, no futuro, graves problemas sociais e ambientais, ao invés se valorizarmos o destino. Só cobrando bem pelos serviços prestados poderemos mais facilmente contribuir para que ele se torne sustentável nos seus 3 vetores essenciais.

Ao percorrermos as nossas Ilhas, de lés a lés, e de setor em setor, desde a preparação das eleições regionais de 2020 até hoje, ou seja, há já 2 anos, o que mais ouvimos de empresários, autarcas e instituições particulares de solidariedade social foi que “falta gente para trabalhar”. Falta mão-de-obra no turismo, na agricultura, nas pescas, nos serviços do Estado, nos serviços das autarquias, nas casas de povo, nos lares de idosos, nos hospitais… Há falta de mão-de-obra em todo o lado. Isto apesar de os últimos dados oficiais divulgados e publicados indicarem que, em Maio passado, a Região contava com 6033 desempregados, 3400 ocupados em programas de inserção socioprofissional e 1968 jovens em programas de estágio. Significa isto, 11401 Açorianos putativamente disponíveis para trabalhar! Causa, por isso, alguma estranheza a continuidade e permanente invenção de outros programas públicos de apoio à contratação de trabalhadores ou manutenção de desempregados sob o jugo público.

Se há falta de gente para trabalhar então não tem que haver apoios à contratação, bem pelo contrário. Quando o mercado tem procura e falta a oferta não cabe ao Estado/Região pagar para contratar ou para dar estabilidade a esses contratos. Muito menos cabe ao Estado/Região manter desempregados ocupados em programas pagos pelos impostos de todos os que trabalham. O Estado não se deve imiscuir onde não é necessário, sob pena de desregular o mercado. Sempre que o Estado introduz alterações no mercado através de mecanismos de intervenção cria mais problemas, do que aqueles que resolve. Os empresários têm que saber cativar gente para o trabalho, pagar convenientemente e, se necessário, aumentarem os preços dos seus serviços e produtos para pagar melhor a quem para eles produz. Só com melhores produtos e mais valorizados se pode criar riqueza que possa pagar melhores ordenados e, por isso, aumentar a produtividade e o mercado de emprego. Como dizem os americanos, lá naqueles países para onde gostamos de emigrar para crescer na vida: “se pagares amendoins, apenas consegues macacos”.

Haja saúde!

 

In Jornal Diário Insular edição de 26 de junho de 2022

21 de junho de 2022

O ar une o que o mar separa

 

O título desta crónica semanal, em tempo de festejos dos Santos Populares, mais concretamente as Sanjoaninas desta Ilha de Jesus Cristo, vem a propósito da tomada de conhecimento do “plano de reestruturação da SATA”, sendo que reestruturação, no caso em apreço, é um mero eufemismo.

Partilho esta reflexão, nesta altura, também a propósito da ideia de transporte marítimo de passageiros interilhas, nomeadamente a denominada “Linha Amarela” (que, sazonalmente, no verão, ligou as ilhas das Flores a Santa Maria) e que alguns defendem, reclamando ter sido esquecida pela atual maioria parlamentar.

Comecemos, então, precisamente pelo transporte marítimo de passageiros e por uma declaração de interesses: Particularmente e em termos empresariais, a “Linha Amarela” dava-me imenso jeito. Fui um grande utilizador daquele serviço, de maio a outubro, e seria um enorme beneficiado do mesmo, se acaso ainda existisse. Essa realidade, acrescenta à minha pessoa uma relativa superioridade moral para defender o seu fim, pois, egoisticamente, deveria estar do lado dos que defendem a manutenção do sistema. Só que, na verdade, esse serviço sazonal revelou-se um descalabro financeiro e económico. Redundou na exportação de muitos milhões de euros em alugueres de navios e na aquisição de combustíveis, em pouco contribuiu para a coesão económica e social e teve um incremento enorme na pegada ambiental. Tudo isso para uma ocupação e uma utilização que não ultrapassou os 18%. Milhões a mais para transportar gente a menos!  Acresce o facto de que, em alguns anos, o prejuízo com aquela linha ter ascendido aos 12 milhões de euros, numa Região onde falta dinheiro para meios complementares de diagnóstico e terapêutica, onde os cidadãos ficam à espera mais de três meses por um exame médico, por falta de capacidade, quer no público, quer no privado, e onde as escolas caem aos bocados por falta de investimento e manutenção. São as prioridades que alguns, sempre os mesmos bem acomodados do regime, acham que têm direito. Provavelmente os mesmos que fazem os exames no privado, que recorrem à cunha para marcar exames médicos ou os que defendem o ensino privado para apenas lá meterem os seus filhos e netos… São os parasitas do regime, que criaram um sistema social e económico incapaz de tirar da pobreza os que já lá se encontravam e que tem lançado nela muitos que se remediavam.

Todo esse desperdício de recursos e esse esforço financeiro foi feito durante anos e, ao mesmo tempo, em que o transporte aéreo era desprezado. Esbanjaram-se milhões em barcos gregos deixando a nossa companhia aérea – a que verdadeiramente nos une – à beira de ter que fechar por via de experimentalismos em rotas internacionais perdulárias e aviões que, comprovadamente, não serviam as rotas consolidadas da empresa.

O preço a pagar por esses desmandos do acionista/governo será caríssimo e está a ser empurrado para diante também pelo atual governo de coligação PSD/CDS/PPM, lá para finais de 2025, ou seja, para depois das próximas eleições regionais (realizem-se elas no prazo previsto ou antecipadamente).

A SATA é um símbolo da perseverança e empreendedorismo de alguns açorianos micaelenses, principalmente do Dr. Augusto Rebelo Arruda. Surgiu como forma de combater a periferia da ilha de São Miguel face às ligações aéreas internacionais. A SATA Air Açores é a via para o nosso desenvolvimento, é o único instrumento de coesão entre os diferentes territórios insulares, e esse instrumento tem que ser verdadeiramente salvo, mas de forma racional. Para isso é preciso reestruturar, de facto, a companhia e estancar a sangria de recursos que tem sido a Azores Airlines (SATA Internacional). Contudo, não podemos continuar nem com experimentalismos nem a acumular dívida em cima de dívida, como tem acontecido nos últimos anos.

Boas Sanjoaninas!

In Jornal Diário Insular, edição de 21 de junho de 2022



15 de junho de 2022

Viva o Senhor Espírito Santo

As festas em honra do Divino Paracleto são, sem sombra de dúvida, uma das poucas coisas que une a identidade dos açorianos. Na verdade, se a Açorianidade é feita de essências, e as nossas vidas são determinadas pela geografia e outro tampo pela história como escreveu Nemésio,   uma delas é, certamente, o culto à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. No entanto, a forma como elas se celebram de ilha para ilha ou até de vila e freguesia para freguesia, de rua para rua, revela o muito que temos de diverso dentro daquilo que nos une. Cada ilha, cada espaço, cada pedaço onde se juntam açorianos, tem as suas idiossincrasias e as suas vantagens comparativas. Erro grande, senão mesmo desastroso, é querer fazer igual, harmonizar, aquilo que a natureza e as gentes construíram diferente. Nem a geografia se altera nem a história se apaga.

É na diferença que nos afirmamos e nos complementamos, é na sã disputa que adquirimos ganas de crescer e fazer melhor, é na competitividade e na adversidade de quem viveu séculos a rudeza dos elementos que, resilientemente nos transcendemos, emigramos e imigramos, construímos pontes e futuros, uns melhores outros piores. Sim é o culto em honra do Senhor Espírito Santo que nos une mas as sopas daqui são melhores do que as dali, e o bodo dacolá é melhor do que o “dacoli”. O Império da festa “dá calças” no império de São João. É como ser do Lusitânia ou do Angrense, do Rego Botelho ou do José Albino, da banda nova ou da banda velha como nos conta Cristóvão D’Aguiar.

A este respeito não resisto em recontar uma história passada no Café Espírito Santo, ali na Rua D'Arquinha, em Ponta Delgada, e que acho deliciosa.

O Mestre Manuel Carreiro e os seus filhos foram e são, há muito, os grandes promotores das festas do Espírito Santo D’Arquinha. O Mestre Manuel Pintor, Homem de grandes convicções independentistas e defensor de tudo o que é Açores, por seu lado, foi o grande impulsionador do império da Rua do Passal, ruas quase contiguas.

Certo dia, vão para lá de mais de trinta anos, assisti a uma acesa discussão entre dois “adeptos” das festas. Depois de aduzidos quase todos os argumentos, os válidos e os nem por isso, o adepto do império D'Arquinha, quase derrotado pela exuberância do foguetório das festas dos ricos da Rua do Passal e pelos calores das cargas etílicas, sai-se com uma exclamação: "Home o Sô Esprite Santo D'Arquinha tá-se cagando pó Sô Esprite Santo da Rua do Passal". É isso mesmo.

Estranho é o facto do estado/região republicano e laico ter escolhido a segunda-feira do Espirito Santo para feriado regional, mas isso ainda se tolera, o que já não é aceitável, nem que aduzam todos os argumentos da nossa intrínseca religiosidade e da transversalidade da “festa”, é que a Região e as suas instituições promovam uma espécie de Império, com sopas e arroz doce e rosquilhas, com direito a Coroa e Bandeira a um canto, para comemorar a nossa ainda deslastrada autonomia e ainda “imberbe” democracia.

"Panem et circenses", é uma expressão latina que tenho usado recorrentemente nas minhas crónicas. Não é por puro acaso que recorro a esta expressão. Na verdade, o que estamos a assistir nos Açores nos últimos anos (desde as eleições regionais de 1992) é a uma crescente falta de interesse dos eleitores pelos assuntos relevantes da política regional e a uma cada vez maior alienação e apego ao acessório. Pão e circo, ou seja, festa e barriguinha cheia e estamos todos de acordo.

In jornal Diário Insular, edição de 14 de junho de 2022

 

Agendas (des)mobilizadoras

 
Em 21 de julho de 2020, quando os líderes europeus se aperceberam do colapso das suas já débeis economias, por via das medidas de contenção da proliferação do vírus SARS-COV-2 que eles próprios – uns amedrontados, outros reféns da opinião pública intoxicada, também com medo de um desconhecido agente patogênico – decidiram criar um pacote que veio a ficar conhecido por Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e que, entre nós, tomou o epíteto de “Bazuca”.

Esses dirigentes da UE chegaram a um acordo sobre um pacote global de 1 824,3 milhares de milhões de euros, que conjugava 1 074,3 milhares de milhões de euros do quadro financeiro plurianual (QFP) e 750 mil milhões de euros de um esforço extraordinário, o Next Generation EU. Era, como se usa dizer, dinheiro a rodos.

Por cá, as negociações seguiram com a República e, em 26 de agosto de 2020, o então Ministro do Planeamento informou a Região, através de ofício, de que a Região receberia 649 milhões de euros (cerca de 5% do valor do PRR para Portugal, que, à época, corresponderia a 12.974 milhões de euros). Passado algum tempo esse valor seria apenas de 580 milhões (4%) e os restantes 1% seriam acomodados em verbas nacionais às quais as empresas da Região poderiam concorrer, a par das restantes congéneres nacionais, formando-se em consórcios. O mesmo é dizer que esse bolo que veio a ficar fixado em 117,5 milhões de euros seria nacional e sem qualquer reserva para as empresas da Região (as Agendas Mobilizadoras, geridas num bolo nacional pelo IAPMEI, que, por sinal, afirma nunca ter ouvido falar de 117 milhões, mas sim de um total global de cerca de 980 milhões de euros).

Digam o que entenderem dizer, os ministros, os ex-ministros, o IAPMEI, a estrutura de missão, o Presidente do Governo, o ex-Presidente do Governo, conclua a Comissão de Inquérito o que concluir, uma coisa é certa: a Região e as nossas empresas não vão ter acesso aos 117 milhões de euros que correspondem a 1% do inicialmente previsto para os Açores no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência.

O Secretário Regional com a tutela deste processo, então Joaquim Bastos e Silva – que apenas pecou por excesso de voluntarismo – de pronto se esforçou para que as empresas regionais se habilitassem a esses concursos nacionais, nomeadamente nas verbas mobilizadoras para a inovação, descarbonização da indústria e transição digital.

As empresas açorianas em geral não vão ter acesso ao grande bolo da recuperação, mas vão ter que fazer um reforço de resiliência fora do comum. As famílias terão o mesmo esforço pela frente e isso passa-se tudo num País onde as escolas não têm condições, chove dentro dos tribunais e as policias estão instaladas em esquadras provisórias com carácter definitivo.

As empresas e os empresários dos Açores devem “agradecer” o desfecho de tal medida, em primeiro lugar, às Câmaras de Comércio de Angra do Heroísmo e Horta, que “incendiaram” a opinião pública perante a sua própria incapacidade de construir consórcios e tomados de serôdio “ciúme” da sua congénere de Ponta Delgada, trataram de dar o dito por não dito. Podem também agradecer, por fim, ao Sr. Presidente do Governo dos Açores, que numa extrema tibieza disfarçada de coragem deitou por terra o processo e assim condenou as empresas à insignificância.

In Jornal Diário Insular, Edição do dia 31 de Maio de 2022

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