2 de abril de 2019

Números para todos os gostos




São muito animadores os dados relativos à evolução da economia e finanças públicas de 2018. Na verdade, os propagandistas do regime têm se desdobrado em “papaguear” que  0,5% de défice é um feito histórico. Sem dúvida, é de louvar, eu não sou daqueles que entende que há vida para lá do défice e quem o diz ou é irresponsável ou demagogo. Foi assim que ganharam eleições. Mentindo.
José Lúcio de Azevedo, porventura o primeiro e único historiador da economia portuguesa, no seu incontornável “Épocas de Portugal Económico”(Livraria Clássica Editora, 1929) diz a certo trecho e cito de memória por isso com possível imprecisão que “Para cada povo existe, como para os indivíduos, uma conta de Deve e Haver, que nos dá o quilate das suas prosperidades, e por onde, cedo, até para os maiores impérios, os pródromos da decadência se denunciam.” É uma frase de fazer arrepiar os cabelos de Jorge Sampaio (a pior memória que a república pode ter) e dos seus seguidores de então.
Na verdade, só há vida para cá do défice, para lá do défice há apenas sacrifícios e se não estruturáramos a nossa economia para nos libertarmos do serviço da divida jamais atingiremos o crescimento desejado para convergirmos com os restantes parceiros da denominada zona euro . Esse número fantástico do défice foi atingido com base numa redução da prestação de serviços do estado através de cativações orçamentais e um brutal aumento de impostos. Duas mentiras resolveram, rapidamente os problemas do estado mas não resolvem os problemas do país. A primeira mentira é o orçamento de Estado aprovado pela “Assembleia do Povo” que não é cumprido a segunda mentira é a de que foi virada a página da austeridade.
O total desrespeito pelo orçamento aprovado é mais uma prova de que a política à portuguesa carece de outros e melhores protagonistas, o governo não pode desrespeitar um documento do parlamento sem consequências politicas e eleitorais, estão em causa o próprio Estado de Direito Liberal, a tão propalada legitimidade democrática e a básica teoria moderna da separação de poderes.
A carga fiscal aumentou, de acordo com os dados do INE, para um  novo máximo histórico dos últimos 25 anos. O valor de impostos e contribuições entregue pelos portugueses, pelas empresas e outras entidades ao Estado em 2018 atingiu os 35,4% do PIB. Austeridade encapotada e dissimulada por uma narrativa mentirosa, falaciosa e demagógica que atira para diante, para gerações futuras, alguns dos problemas estruturais do país. Não foi virada a página da austeridade, nem poderia ter sido, pois que para atingir um défice de tal cifra só é possível com mais receita de impostos e cortes nos investimentos.
Contudo, a austeridade das “esquerdas encostadas”, citando Assunção Cristas, é diferente da das direitas coligadas de então. Mas,  não deixa de ser austeridade. Encerra, no entanto, uma enorme diferença, aliás duas, a primeira é que a austeridade de agora é dissimulada, disfarçada e indirecta enquanto a outra era assumida e directa e sentida nos recibos dos vencimentos, fazendo soar campainhas para que todos ganchássemos consciência colectiva do esforço que estávamos a fazer para o Estado superar as dificuldades em que Sócrates, Costa e companhia nos haviam deixado. A segunda é que esta de agora é feita com recurso a impostos indirectos e de consumo e a cortes cegos nos básicos serviços públicos o que se reveste de uma enorme injustiça por tratar os mais favorecidos da mesma forma que trata os menos bafejados pelos rendimentos. Os pobres e os remediados pagam a redução do défice do mesmo modo que pagam os estabilizados e os ricos. A cifra de 0,5% de défice foi também conseguida à custa de serviços públicos reduzidos (cativações e reduzida execução das despesas de capital/investimento), o que também contribui para um desequilíbrio entre os mais desfavorecidos e os que estão mais confortáveis na vida podendo pagar no sector privado. O Estado Socialista Republicano e Laico é assim o Estado que se faz fraco com os mais fortes e forte com os mais fracos.

In Jornal Diário dos Açores edição de 31 de Março de 2019.



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