Sem nunca perdermos de vista as questões que
se prendem com a história das Romarias Quaresmais da Ilha de São Miguel, sem
sequer negarmos a sua origem na inexplicabilidade dos fenómenos telúricos de
então e que hoje se explicam pelo conhecimento científico, devemos olhar as
nossas romarias sempre concentrados na espiritualidade, na religiosidade, na fé
que nos guia e menos no facto de estarmos a cumprir uma tradição.
Nós açorianos, enquanto Povo perseverante,
que foi capaz de se manter nestas ilhas de cujas entranhas arrancou as pedras,
as ervas daninhas e as silvas em busca do solo arável num trabalho hercúleo
também fomos e somos capazes de arrancar de dentro de nós as pedras da inveja, as ervas daninhas da avareza e as “silvas do pecado” para
encontrarmos na nossa mente a paz desejável e a capacidade de partilha e de
caridade que faz da nossa comunidade um lugar melhor. Nós, Povo eleito, que foi
capaz de enfrentar os desafios da natureza, suportou, ventos, chuvas e demais
tormentas, para produzir e alimentar o seu corpo, sabemos também reunir as
nossas forças para encontrar através da oração o alimento que tanto necessita a
sua Alma.
Aquilo que nos traz aos caminhos e atalhos da
nossa ilha, ano após ano, é mais do que cumprir uma tradição é mais do que palmilhar
“ os santos trilhos tal como fizeram os nossos avós”, é percorrer construindo e
tornando mais visível o caminho da salvação. É, sobretudo, uma manifestação de
fé popular que está muito para além dos fenómenos culturais, é um impulso que
cada Cristão desta Ilha do Arcanjo sente pelo menos uma vez na vida e que
depois de experienciar jamais abandona a não ser que o corpo não suporte já os
sacrifícios da romaria.
Não percamos de vista as tradições, tenhamos
o cuidado de não adulterar e aculturar a
Romaria Quaresmal de São Miguel transformando-a num fenómeno apenas cultural, sobretudo
não percamos a dimensão espiritual da Romaria transformando-a num objeto
económico ou numa atracão para a industria do turismo. Esta manifestação de fé
popular resistiu 500 anos, temos obrigação de a manter assim intacta e longe
das tentações da espuma dos dias.
É desta forma, manifestando a nossa fé, numa
corrente de oração sem parelha nas nossas Ilhas e por este Mundo Cristão a
fora, que voltamos aos “caminhos da paz” neste 2019.
In suplemento O Romeiro Jornal A Crença edição de 5 de Abril de 2019
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