Há mais de vinte anos que este é o nosso dia.
Se te tivesse escrito este texto desde a nossa Ilha de Santa Maria, certamente seria bem diferente. O ambiente condiciona-nos a mente.
Sabes, hoje fui lobo-do-mar, perdido por minutos no imaginário destes canais entre a Ponta dos Rosais, na lânguida Ilha de São Jorge, a Manhenha na irreverente Pico e a Espalamaca na urbana Faial. Santa Maria será sempre a nossa Ilha, lembras-te, já lá vão mais de 20 anos e ela sempre entre nós, e os nossos filhos.
Como te dizia, hoje fui lobo-do-mar perdido entre o mar dos sargaços e a ponta de qualquer coisa. Avistei uma ganhoa que percorria em círculos o Monte da Guia entre a Baia de Santa Cruz e a do Porto Pim. Essa avezinha irrequieta pairava, afinal, por cima de ti, estavas no Alto do promontório da Guia olhando o mar à minha espera neste dia que é nosso.
Deixei, rapidamente, a ponta da Ilha com rumo ao morro de Castelo Branco. Antigamente havia ali pescadores. Sabias? Foram-se. Também um dia os pescadores de Santa Cruz serão uma história para contar aos netos e uma fotografia numa parede do bar do Peter. Eu vou ter lá uma, sabias? Tu sabes, tu sabes tudo sobre mim. Hoje discutem a aquacultura, viveiros para fabricar peixe para vender a turistas, vão fazê-lo, dizem eles, de uma forma descontraída, aqui não há gente descontraída, estão tolhidos há anos. São cientistas e outras coisas e vão fazê-lo num bar numa antiga fábrica da baleia, um dia as fábricas desta terra serão bares e restaurantes e essas coisas assim.
De repente, aproximei-me e tinhas desaparecido. Fiquei, outra vez, só. Olhando o mar inconsolável buscando uma gaivota, um garajau, algo que me acalentasse a alma neste dia frio de Inverno. São maiores já os dias, não notas? Notas sim, tu odeias os dias curtos. “Janeiro fora mais uma hora” diz o sábio povo na sua singeleza. Sábio? Sábio quando interessa. Noutras, bem é como sabes, passam-nos atestados de incapacidade intelectual, um carimbo dizendo inimputável.
Há mais de vinte anos que este é o nosso dia.
O vento sopra forte nos mastros, assobia, o tempo muda rápido. Os cabos tilintam num cântico alternado com o barulho da vaga grossa a bater na amura. Estou mesmo a chegar, espera por mim. Passas a tua vida à minha espera sem saber se estou de partida de chegada ou em trânsito. Gosto dessa expressão, passageiro em trânsito. Se não houvesse já dois livros com este título, aquele romance que te prometi um dia escreveria, teria essa frase na capa.
Hoje é o nosso dia, há mais de 20 anos.
Vai aquecendo uma sopa. Tens sopa de feijão? Põe a chaleira ao lume, apetece-me um chá preto da Avó Lourdes com uns carrilhos do Revoredo. O Revoredo ainda faz carrilhos de farinha de milho e daqueles biscoitos Faialenses, não faz? Quando a gente fala dessas coisas e de uma fatia de pão de milho com manteiga de vaca e açúcar, dizem-nos que falamos da açorianidade. Sabes que há quem diga que essas são as coisas que os nossos emigrantes procuram? Imagina a gente quer a coisas da América eles querem essas “desgraceiras” que a gente tem para aqui, mais uma bandeira do Senhor Espírito Santo. Açorianidade? Tais tontos, essa palavra não entra no nosso léxico nem com o acordo ortográfico que estão a fazer com os países que falam português.
Tontos mesmo. Em todo o sítio há marinheiros, caixeiros-viajantes, saltimbancos e mulheres amantes à espera dos seus amores. Há saudade, portanto. Os Ingleses dizem Home sic e nós, presunçosos, que não fazemos um grande feito desde que o Vasco da Gama morreu, achamos que Home sic não tem o mesmo sentido do nosso saudades, tais asnos.
Perdoa-me meu amor este palavreado mas sabes como fico irritado com essa gente que sai da Ribeira das Tainhas mas a Ribeira das Tainhas não sai dela. Eles chamam Açorianidade ao que deviam chamar Nação Açores, mas não têm coragem de assumir que somos um Povo, uma Nação, só nos falta o Estado para sermos totalmente livres.
Eu sei que não gostas de politica mas vais-me ouvido, com paciência, sempre é melhor vício do que fumar ou beber, não é?
Espera, não vás já, ainda tenho um tempinho. Olha a montanha do Pico. Vês duas luzes brilhando no canal como se fossem dois holofotes do farol da Manhenha? Sou eu. Sim são os meus olhos brilhando tanto só de falar em ti.
Hoje é o nosso dia, ontem foi o dia deles, dos namorados, mas hoje é que é o nosso dia, este e os mais 7664 que já passamos juntos, mesmo separados pela física.
Espera, não vás ainda. Faz-me companhia mais um bocadinho. Estou mesmo a chegar.
Se te tivesse escrito este texto desde a nossa Ilha de Santa Maria, certamente seria bem diferente. O ambiente condiciona-nos a mente.
Sabes, hoje fui lobo-do-mar, perdido por minutos no imaginário destes canais entre a Ponta dos Rosais, na lânguida Ilha de São Jorge, a Manhenha na irreverente Pico e a Espalamaca na urbana Faial. Santa Maria será sempre a nossa Ilha, lembras-te, já lá vão mais de 20 anos e ela sempre entre nós, e os nossos filhos.
Como te dizia, hoje fui lobo-do-mar perdido entre o mar dos sargaços e a ponta de qualquer coisa. Avistei uma ganhoa que percorria em círculos o Monte da Guia entre a Baia de Santa Cruz e a do Porto Pim. Essa avezinha irrequieta pairava, afinal, por cima de ti, estavas no Alto do promontório da Guia olhando o mar à minha espera neste dia que é nosso.
Deixei, rapidamente, a ponta da Ilha com rumo ao morro de Castelo Branco. Antigamente havia ali pescadores. Sabias? Foram-se. Também um dia os pescadores de Santa Cruz serão uma história para contar aos netos e uma fotografia numa parede do bar do Peter. Eu vou ter lá uma, sabias? Tu sabes, tu sabes tudo sobre mim. Hoje discutem a aquacultura, viveiros para fabricar peixe para vender a turistas, vão fazê-lo, dizem eles, de uma forma descontraída, aqui não há gente descontraída, estão tolhidos há anos. São cientistas e outras coisas e vão fazê-lo num bar numa antiga fábrica da baleia, um dia as fábricas desta terra serão bares e restaurantes e essas coisas assim.
De repente, aproximei-me e tinhas desaparecido. Fiquei, outra vez, só. Olhando o mar inconsolável buscando uma gaivota, um garajau, algo que me acalentasse a alma neste dia frio de Inverno. São maiores já os dias, não notas? Notas sim, tu odeias os dias curtos. “Janeiro fora mais uma hora” diz o sábio povo na sua singeleza. Sábio? Sábio quando interessa. Noutras, bem é como sabes, passam-nos atestados de incapacidade intelectual, um carimbo dizendo inimputável.
Há mais de vinte anos que este é o nosso dia.
O vento sopra forte nos mastros, assobia, o tempo muda rápido. Os cabos tilintam num cântico alternado com o barulho da vaga grossa a bater na amura. Estou mesmo a chegar, espera por mim. Passas a tua vida à minha espera sem saber se estou de partida de chegada ou em trânsito. Gosto dessa expressão, passageiro em trânsito. Se não houvesse já dois livros com este título, aquele romance que te prometi um dia escreveria, teria essa frase na capa.
Hoje é o nosso dia, há mais de 20 anos.
Vai aquecendo uma sopa. Tens sopa de feijão? Põe a chaleira ao lume, apetece-me um chá preto da Avó Lourdes com uns carrilhos do Revoredo. O Revoredo ainda faz carrilhos de farinha de milho e daqueles biscoitos Faialenses, não faz? Quando a gente fala dessas coisas e de uma fatia de pão de milho com manteiga de vaca e açúcar, dizem-nos que falamos da açorianidade. Sabes que há quem diga que essas são as coisas que os nossos emigrantes procuram? Imagina a gente quer a coisas da América eles querem essas “desgraceiras” que a gente tem para aqui, mais uma bandeira do Senhor Espírito Santo. Açorianidade? Tais tontos, essa palavra não entra no nosso léxico nem com o acordo ortográfico que estão a fazer com os países que falam português.
Tontos mesmo. Em todo o sítio há marinheiros, caixeiros-viajantes, saltimbancos e mulheres amantes à espera dos seus amores. Há saudade, portanto. Os Ingleses dizem Home sic e nós, presunçosos, que não fazemos um grande feito desde que o Vasco da Gama morreu, achamos que Home sic não tem o mesmo sentido do nosso saudades, tais asnos.
Perdoa-me meu amor este palavreado mas sabes como fico irritado com essa gente que sai da Ribeira das Tainhas mas a Ribeira das Tainhas não sai dela. Eles chamam Açorianidade ao que deviam chamar Nação Açores, mas não têm coragem de assumir que somos um Povo, uma Nação, só nos falta o Estado para sermos totalmente livres.
Eu sei que não gostas de politica mas vais-me ouvido, com paciência, sempre é melhor vício do que fumar ou beber, não é?
Espera, não vás já, ainda tenho um tempinho. Olha a montanha do Pico. Vês duas luzes brilhando no canal como se fossem dois holofotes do farol da Manhenha? Sou eu. Sim são os meus olhos brilhando tanto só de falar em ti.
Hoje é o nosso dia, ontem foi o dia deles, dos namorados, mas hoje é que é o nosso dia, este e os mais 7664 que já passamos juntos, mesmo separados pela física.
Espera, não vás ainda. Faz-me companhia mais um bocadinho. Estou mesmo a chegar.
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