17 de agosto de 2022

Da ética e da lei.

Sou um herdeiro seguidor do polemismo de oitocentos, um admirador de Voltaire, Erasmo e Maquiavel, de Camilo, Garrett e Antero, o Santo Antero. É, contudo, em Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão que me revejo e cuja escrita revisito e admiro, pela coragem, pela fineza da critica de costumes tão mordaz como atual, pela certeza das suas convicções e pela sensatez da sua perseverança. Sobre a perniciosa omnipresença do Estado na vida da gente, sobre as derivas totalitaristas do PPD-PSD de Mota Amaral, e o caciquismo vigente na região desde o Estado Novo até ao advento da Nova Autonomia em 1996, podem ser lidos textos meus nos jornais Diário dos Açores, com Silva Júnior e Correio dos Açores, com Jorge Nascimento Cabral, andava ainda nos bancos do Liceu e escritos na velha máquina Royal portátil que, dizia meu avô, já tinha mais de quarenta anos de África. Polemista que se preza não deixa os seus créditos por mãos alheias e como tal não esperava certamente o caro leitor que o Professor Félix ficasse sem resposta ao seu artigo do passado dia onze nas páginas deste mesmo jornal. Lá das pedras dos fenícios saberá ele bastante ou talvez não, do que não sabe quase nada é mesmo de ética. Pois não é que o tal que se tornou má companhia do secretário da Ambiente também vem em defesa dos seus antigos e presentes correligionários de partido por terem feito só coisas legais. Claro que só fizeram o que a lei permite, a tal norma positivada onde cabe quase tudo o que eles criticavam num passado ainda recente. Aliás essa é a minha grande critica a este governo em especial aqueles que militaram no mesmo partido em que eu militei e que não perderam ao longo dos anos uma única oportunidade de lembrar precisamente que algumas decisões, por serem legais, nem sempre são as decisões mais acertadas. É o velho dilema entre a norma da lei e a norma ética. Mas, para o Professor Felix, desde que seja legal está tudo bem mesmo que amoral. É obvio que compete ao Governo nomear e renomear, organizar-se e desorganizar-se, mais isso do que aquilo,  e isso não traz mal nem ao mundo nem à politica. O episódio a que me referi criticamente e que o professor Felix defende acérrima e militantemente é aquele que aconteceu na Ilha do Corvo com a criação de um departamento da Vice-presidência do governo e que apenas onze meses e vinte dias depois foi extinto. Apenas é bizarro pelo facto de ter sido anunciado como muito relevante a sua criação e menos de um ano depois, por circunstâncias nunca explicadas mas que, localmente toda a gente conhece, o cargo ser extinto por alteração da orgânica do mesmo Governo. É legal diz o Professor Felix, obviamente que é. E ético será? Obviamente que não, digo eu. E não é ético desde logo porque se tratou de uma tentativa de criar clientelas políticas numa ilha que pode resolver as eleições nos Açores e ter terminado no dia em que as pessoas envolvidas se recusaram a ser meros clientes e caciques.  Mas o agravante é ter sido um episódio protagonizado por um membro do Governo que, enquanto oposição e muito bem, durante muitos anos e com veemência, criticou precisamente os “Boys for the jobs” do PS e esse tipo de manobra legal, mas pouco moral. Não tenho vergonha de ter pertencido ao CDS, parece que agora gostam de lembrar isso aos eleitores como se eu alguma vez o tivesse escondido e isso fosse uma mancha no meu passado de político e cidadão ativo. Aderi ao CDS em 1993 depois de ter sido eleito como independente para a Assembleia Municipal de Ponta Delgada e contribuí, mais do que muitos que hoje estão na política ativa e dela se servem em lugar de a servirem, para a queda do então “Império Amaralista” coisa que poucos, mesmo muito mais velhos, podem inscrever nos seus parcos currículos políticos e cívicos. É vastíssimo o rol de ações em que participei e promovi, algumas com sacrifícios pessoais e até materiais grandes, sempre na luta pelos ideais da democracia e da justiça social. Em relação ao CDS não guardo qualquer rancor (isso parece óbvio à vista de qualquer observador político mais atento) mas não tenho qualquer pena de o ter abandonado aquando da sua deriva totalitarista, autocrática e antidemocrática, já o professor Felix, também um crítico desse sistema, sempre gostou mais de estar com Deus e com o Diabo ao mesmo tempo para ver se calhava alguma coisa, e calhou.

Haja saúde.

In Jornal Diário Insular, edição de 17 de agosto de 2022

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