Sou um herdeiro seguidor do polemismo de oitocentos, um
admirador de Voltaire, Erasmo e Maquiavel, de Camilo, Garrett e Antero, o Santo
Antero. É, contudo, em Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão que me revejo e cuja
escrita revisito e admiro, pela coragem, pela fineza da critica de costumes tão
mordaz como atual, pela certeza das suas convicções e pela sensatez da sua perseverança.
Sobre a perniciosa omnipresença do Estado na vida da gente, sobre as derivas
totalitaristas do PPD-PSD de Mota Amaral, e o caciquismo vigente na região
desde o Estado Novo até ao advento da Nova Autonomia em 1996, podem ser lidos
textos meus nos jornais Diário dos Açores, com Silva Júnior e Correio dos
Açores, com Jorge Nascimento Cabral, andava ainda nos bancos do Liceu e
escritos na velha máquina Royal portátil que, dizia meu avô, já tinha mais de quarenta
anos de África. Polemista que se preza não deixa os seus créditos por mãos
alheias e como tal não esperava certamente o caro leitor que o Professor Félix
ficasse sem resposta ao seu artigo do passado dia onze nas páginas deste mesmo
jornal. Lá das pedras dos fenícios saberá ele bastante ou talvez não, do que
não sabe quase nada é mesmo de ética. Pois não é que o tal que se tornou má
companhia do secretário da Ambiente também vem em defesa dos seus antigos e
presentes correligionários de partido por terem feito só coisas legais. Claro
que só fizeram o que a lei permite, a tal norma positivada onde cabe quase tudo
o que eles criticavam num passado ainda recente. Aliás essa é a minha grande
critica a este governo em especial aqueles que militaram no mesmo partido em
que eu militei e que não perderam ao longo dos anos uma única oportunidade de
lembrar precisamente que algumas decisões, por serem legais, nem sempre são as
decisões mais acertadas. É o velho dilema entre a norma da lei e a norma ética.
Mas, para o Professor Felix, desde que seja legal está tudo bem mesmo que
amoral. É obvio que compete ao Governo nomear e renomear, organizar-se e
desorganizar-se, mais isso do que aquilo, e isso não traz mal nem ao mundo nem à
politica. O episódio a que me referi criticamente e que o professor Felix
defende acérrima e militantemente é aquele que aconteceu na Ilha do Corvo com a
criação de um departamento da Vice-presidência do governo e que apenas onze
meses e vinte dias depois foi extinto. Apenas é bizarro pelo facto de ter sido
anunciado como muito relevante a sua criação e menos de um ano depois, por
circunstâncias nunca explicadas mas que, localmente toda a gente conhece, o
cargo ser extinto por alteração da orgânica do mesmo Governo. É legal diz o
Professor Felix, obviamente que é. E ético será? Obviamente que não, digo eu. E
não é ético desde logo porque se tratou de uma tentativa de criar clientelas políticas
numa ilha que pode resolver as eleições nos Açores e ter terminado no dia em
que as pessoas envolvidas se recusaram a ser meros clientes e caciques. Mas o agravante é ter sido um episódio protagonizado
por um membro do Governo que, enquanto oposição e muito bem, durante muitos
anos e com veemência, criticou precisamente os “Boys for the jobs” do PS e esse
tipo de manobra legal, mas pouco moral. Não tenho vergonha de ter pertencido ao
CDS, parece que agora gostam de lembrar isso aos eleitores como se eu alguma
vez o tivesse escondido e isso fosse uma mancha no meu passado de político e
cidadão ativo. Aderi ao CDS em 1993 depois de ter sido eleito como independente
para a Assembleia Municipal de Ponta Delgada e contribuí, mais do que muitos
que hoje estão na política ativa e dela se servem em lugar de a servirem, para
a queda do então “Império Amaralista” coisa que poucos, mesmo muito mais
velhos, podem inscrever nos seus parcos currículos políticos e cívicos. É
vastíssimo o rol de ações em que participei e promovi, algumas com sacrifícios
pessoais e até materiais grandes, sempre na luta pelos ideais da democracia e da
justiça social. Em relação ao CDS não guardo qualquer rancor (isso parece óbvio
à vista de qualquer observador político mais atento) mas não tenho qualquer
pena de o ter abandonado aquando da sua deriva totalitarista, autocrática e antidemocrática,
já o professor Felix, também um crítico desse sistema, sempre gostou mais de
estar com Deus e com o Diabo ao mesmo tempo para ver se calhava alguma coisa, e
calhou.
Haja saúde.
In Jornal Diário Insular, edição de 17 de agosto de 2022
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