Ao
longo das minhas cogitações trazidas a público, não raras vezes, tenho
refletido sobre o deficiente estudo das humanidades e o desprezo que as
sociedades tecnocráticas contemporâneas têm manifestado pelas disciplinas que
nos ajudam a entender o comportamento humano em sociedade. Na verdade, a ideia
de que a sociologia, a história ou a filosofia, para só citar algumas, são
ciências do passado que nada podem fazer pelo presente foi passada pelos
tecnocratas dos anos 90 do século XX e pelos apologistas dessa tecnocracia
dominadora que dá pelo nome de “estudos económicos e financeiros”. Ora nada há
de mais falacioso do que acreditar que pode haver estudos económicos sem o
devido conhecimento dos comportamentos humanos que nos dão, não só, a história
como sobretudo a sociologia e a filosofia. Entender o porquê do aparecimento de
algumas correntes da filosofia política e perceber que hoje persistem questões
do passado, da modernidade, que carecem de ser reestudadas e readaptadas é
fundamental para a melhoria da literacia política e consequente construção de
uma sociedade mais esclarecida e logo de melhores cidadãos, mais exigentes com
os eleitos e mais intolerantes com os seus erros na mesma proporção que devem
ser mais tolerantes com os seus pares. O pauperismo da política regional
é apenas uma das muitas fragilidades dos Açores de hoje.
Verdadeiramente, não se compram livros, não se vai o teatro porque não o há e
se existe é uma coisa sem ideias.
Nos cafés ou no “Passeio
Publico” que em tempos era a “avenida de cú pró mar” e que hoje são as redes
sociais virtuais, o mesmo enfado, a mesma ausência de conhecimentos, o debate
do imediato sem consequência e sem um sentido de bem-comum. A conclusão assusta
o mais benévolo dos leitores. Os desencantos de hoje, são ainda mais
assustadores se nos centrarmos no que escreveram e sobre o que se debruçaram os
principais filósofos pós-modernos. Nietzsche, por exemplo, um dos principais exemplos desse
pensamento e um dos seus críticos mais acérrimos, lido com as devidas
recolocações geográficas e temporais, está tão atual que chega a assustar.
Assim como, se revisitarmos Eça de Queiróz, Ramalho Ortigão ou Antero, isso
para citar apenas alguns dos nossos melhores, veremos que os problemas
nacionais de oitocentos permanecem na atualidade. Mas recentrando estas minhas
lucubrações no desprezo pelo estudo das humanidades e na apologia das
tecnocracias, a crítica nietzschiana acaba mesmo por abranger os fundamentos da
razão, considerando que ”o erro e o devaneio estão na base dos processos
cognitivos e que a fé na ciência, como qualquer fé em verdades absolutas, não
passa de uma quimera”. Ora, “in our days” é precisamente a libertação
dessas quimeras, que não passam de mentiras vendidas a néscios, que temos que
nos libertar e construir uma sociedade de verdade, livre de plutocratas bem-falantes
que nos vendem ilusões e “amanhãs que cantam” mantendo numa espécie de limbo
lírico coletivo uma maioria trabalhadora e sacrificada em prol do bem-estar de
uns poucos. Um político Regional de enorme craveira dizia em tempos, que era
preciso acabar com os gastos em “violas e brasileiras” o que foi entendível por
alguns como o fim de uma época de “pão e circo” como na Roma antiga na sua fase
de decadência. Nada disso acabou, bem pelo contrário, até há quem por aí
defenda mais circo e mais forró e até mais pão sob a forma de esmola que é para
os contribuintes ficarem satisfeitos como se essas esmolas não viessem do trabalho
deles próprios transformado em taxas e impostos. Na verdade, menos circo
significa mais pão, mas não pela via da distribuição ao jeito do socialismo de
bodo, mas sim por via do crescimento económico e do desenvolvimento social e
cultural que aqui se preconiza. Só com uma sociedade mais culta, mais informada
e mais humanizada se pode garantir que são escolhidos os melhores e há um
verdadeiro escrutínio da governação e das decisões dos eleitos e escolhidos. Caso
contrário, viveremos como já vivemos recentemente numa espécie de tirania
liderada pelos piores. Com efeito, e ainda centrado em Nietzsche, a
decadência do ocidente começou quando o discurso filosófico, depois de
Sócrates, se afastou das virtudes da verdade e se deixou substituir pela
propaganda, ou seja, por um discurso das aparências, enganador e ilusório, que
transforma a realidade autêntica em metáforas ocas.
Haja saúde
In Jornal Diário Insular, edição de 23 de agosto de 2022
Sem comentários:
Enviar um comentário