Ainda
antes da criação da diocese que ocorre em 1534, remonta ao tempo do designado
“grande castigo” em Vila Franca do Campo, outubro de 1522, o início de uma
manifestação de fé inigualável entre as gentes da ilha de São Miguel – as
Romarias Quaresmais. Desde então, todos os anos, ranchos de homens de quase todas
as freguesias, percorrem, durante uma semana os caminhos da ilha rezando em
todas as igrejas. Este fenómeno religioso de pendor popular, com 500 anos de
existência, nem sempre foi bem aceite pelo clero. D. António foi um dos seus
grandes defensores, apenas
privei com o Bispo de Angra uma vez e por pouquíssimo tempo, mas jamais poderei
esquecer o momento em que, humildemente se juntou a um rancho de romeiros de
São Miguel na sua caminhada de fé e esperança. Só quem vive uma romaria por
dentro pode aferir da sua importância e do seu potencial evangelizador, alguns
Padres já o fazem e já o entendem, mas isso só acontece de há poucos anos a esta parte.
Sem nunca perdermos de vista as questões
que se prendem com a história das Romarias Quaresmais da Ilha de São Miguel,
sem sequer negarmos a sua origem na inexplicabilidade dos fenómenos telúricos
de então e que hoje se explicam pelo conhecimento científico, devemos olhar as
nossas romarias sempre concentrados na espiritualidade, na religiosidade, na fé
que nos guia e menos no facto de estarmos a cumprir uma tradição, era assim que
D, António pensava a Romaria Quaresmal dos Romeiros de São Miguel.
Nós açorianos, enquanto Povo perseverante,
que foi capaz de se manter nestas ilhas de cujas entranhas arrancou as pedras,
as ervas daninhas e as silvas em busca do solo arável num trabalho colossal, também fomos e somos capazes de arrancar de
dentro de nós as pedras da inveja, as ervas daninhas da avareza e as
“silvas do pecado” para encontrarmos na nossa mente a paz desejável e a
capacidade de partilha e de caridade que faz da nossa comunidade um lugar
melhor. Nós, Povo eleito, que foi capaz de enfrentar os desafios da natureza,
suportou, ventos, chuvas e demais tormentas, para produzir e alimentar o seu
corpo, saberemos também reunir as nossas forças para encontrar através da
oração o alimento que tanto necessita a nossa Alma.
Foi, certamente,
ciente do potencial evangelizador das romarias quaresmais que, D. António de
Sousa Braga as acarinhou como nenhum outro bispo de Angra alguma vez o havia
feito. Na verdade, nos tempos que correm,
mais do que uma penitência, mais do que o cumprir de uma promessa por
agradecimento por uma graça recebida, a Romaria Quaresmal é um instrumento
fundamental para a evangelização. A fé que, ao longo de uma semana, ao longo
das estradas e caminhos aqueles que se cruzam com um rancho de romeiros nele
depositam é enorme. Dai que, algum clero que, durante muito tempo se arredou
das Romarias, recentemente se tenha aproximado e acarinhado esta gigantesca
manifestação de fé popular. Diz-nos o evangelista Mateus: "Como
é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida! E são poucos os que o
encontram". Para um romeiro é essa busca do caminho da vida, da porta
de entrada nesse lugar de paz que o leva à estrada todos os anos, é essa
evangelização diária, permanente, que tem obrigação de fazer junto daqueles que
em nele depositam fé e esperança, D. António foi um Bispo, foi Romeiro e por isso foi o Bispo Evangelizador.
Haja saúde
In Jornal Diário Insular, edição do dia 30 de agosto de 2020