5 de julho de 2019

Situação Politica nos Açores




Diário dos Açores - Como analisa a proposta de Vasco Cordeiro no sentido de beneficiar os eleitores que tenham um bom histórico de participação eleitoral? É uma boa proposta para combater a abstenção?

Nuno Barata - Há uma razão para elogiar Vasco Cordeiro neste processo de construção da nossa “comunidade política”, a tenacidade de lançar ideias e propostas para a melhoria da nossa, por vezes, deslastrada autonomia. Tem sido assim, entra ano sai ano, em dia de “mordomia” institucional. Tenho abordado, variadíssimas vezes, a questão das excessivas dependências dos Açorianos em relação ao poder regional e local. Essas dependências criam uma espécie de caciquismo e esse caciquismo cria clientelas e essas clientelas redundam numa perca de qualidade da democracia, do pluralismo e redundam no desinteresse dos cidadãos pela participação nas decisões e nos próprios órgãos de poder seja ele local, regional ou nacional. Cada vez é mais difícil trazer para a vida pública pessoas válidas e com idoneidade. Dar benefícios a quem vai cumprir um direito cívico é criar a ilusão de que devem votar em quem lhes paga para votar ou seja no partido da situação, seja ele qual for. A construção dessas clientelas pode servir o partido no poder a curto e médio prazo, mas não serve sempre pois quando muda o poder as clientelas seguem-no dai que não seja sensato, sequer do ponto de vista estritamente partidário, apostar em soluções desta natureza clientelar.
Esta proposta, saída das cabeças das “eminencias pardas” dos gabinetes de Santana (não é só Alexandre Gaudêncio quem tem que se cuidar com a sua “entourage”) suscitou nos jornais de Portugal um “escarnento” debate e por isso não é motivo de regozijo ou orgulho nas instituições regionais. É, pelo contrário, motivo de vergonha. No meu caso é vergonha alheia.
 A Vasco Cordeiro, como escrevi no início, não se pode retirar mérito nas vastas tentativas que tem feito de alterar alguns processos. No entanto, a qualidade das ideias não é diretamente proporcional à sua quantidade. Este é um bom exemplo do que escrevo. Vale pelo esforço mas não vale nada pelo conteúdo.

Diário dos Açores - O Presidente do Governo propôs, igualmente, um Conselho de Concertação entre os Governos das Regiões Autónomas e o da República. É o melhor caminho para ajudar a resolver os casos pendentes entre os governos?

Nuno Barata - Os sucessivos governos do Partido Socialista nos Açores, sempre que na República governou o mesmo PS tal como acontece neste preciso momento, apregoaram e apregoam que as relações são excelentes e que o atual governo de António Costa é o melhor amigo dos Açores e dos Açorianos. Assim foi também nos Governos de José Sócrates e do Engª, Guterres o tal que nos estabeleceu uma “mesada” (Lei de financiamento das Regiões Autónomas) que muitos ainda hoje entendem como um progresso da nossa autonomia mas que mais não foi do que um assumir de incompetência de nos auto governarmos e de auto gerarmos fluxos financeiros suficientes para a nossa afirmação como região autónoma politica e administrativamente. Temos, efetivamente, a autonomia que nos é consentida por via da asfixia financeira e da falta de capacidade de ultrapassar os constrangimentos inerentes a essa falta de capacidade de gerar recursos. Por isso, é no mínimo estranho, que depois de anunciadas tantas boas relações, seja agora encontrada a necessidade de criar uma nova unidade orgânica em jeito de estrutura de missão para resolver o que está pendente nas relações entre as partes. Será que esperam mudanças em Lisboa?
Na verdade, existe um imenso rol de assuntos por resolver entre a Região e o Estado e que se adensam e se complicam ao longo dos anos e que não melhorou bem pelo contrário. Sem querer entrar em questões muito complexas como a da gestão partilhada do mar ou das decisões tomadas no âmbito do chamado Air Center, assuntos estes que podem ser mais difíceis de explorar e explanar nas parcas linhas que este jornal me disponibiliza e indo a questões mais práticas que dizem diretamente e diariamente respeito aos cidadãos, por exemplo: o folhetim em volta da cadeia de Ponta Delgada, da falta de condições da atual e da falta de concretização da nova,  é um excelente exemplo dessas más relações, bem como é também um excelente exemplo a falta de condições em algumas esquadras da PSP, a falta de viaturas das forças de segurança, a insipiente presença do estado naquilo que são as suas funções de competência exclusiva, justiça, defesa, segurança interna. Basta dizer que grande parte das viaturas que as brigadas da GNR e PSP usam nos Açores foram adquiridas pela próprio Região obrigada a substituir-se ao Estado que nos abandona.
Assumir a necessidade deste Conselho de Concertação entre governos, é assumir esse falhanço de mais de 40 anos de autonomia. Pois então que se assuma e que se diga isso mesmo aos Açorianos e que se mude rapidamente o sentido das coisas, caso contrário os resultados num futuro de curto, médio e de longo prazo serão os mesmos que agora nos desolam.

Diário dos Açores  - Como analisa a atual situação política? A situação nos transportes aéreos e marítimos de passageiros é uma pedra no sapato deste governo? E o papel da oposição?

Nuno Barata - A Região Autónoma dos Açores, parece-me óbvio, pela sua condição de centralidade atlântica e periferia europeia permanentes, só se desenvolverá social e economicamente quando vencer a questão das suas relações com o exterior e entre as suas próprias comunidades. Dai que os transportes sejam a nossa grande questão estratégica. Para melhor compreendermos esta necessidade, importa revisitar a história. Até à construção do Porto de Ponta Delgada cujas obras começaram em finais de XIX, São Miguel era uma Ilha periférica até mesmo no contexto do Arquipélago dos Açores. Na primeira metade do século XX a ilha desenvolveu-se e voltou a ser periférica com o crescimento da importância da aeronáutica civil e por consequente  falta de ligações aéreas com o exterior. Só a criação da SATA e os voos regulares entre o então aeródromo de Santana e os aeroportos das Lajes e Santa Maria (monopolistas nas ligações com os EUA e Lisboa) a partir de 1949, permitiram tirar de novo a Ilha de São Miguel dessa condição de periferia a que estava condenada. Nestes dois casos, Porto e SATA,  a tenacidade e a perseverança da elites micaelenses permitiu retirar a Ilha, de novo, dessa condição de periférica sendo que periferia significa também pobreza. Hoje os desafios são os mesmos, os objetivos também, as elites é que, sendo outras, não estão focadas na construção de soluções mas tão-somente na manutenção do poder e das clientelas bajuladoras que deslizam pelos salões de outrora com as mãos besuntadas de croquetes. Ou seja, não são elites, são simples poderes porque quem se comporta assim não merece tão elevado epiteto.
Relativamente aos transportes marítimos de passageiros inter-ilhas, com exceção para as Ilhas do denominado Triângulo, entendo (já o disse e escrevi inúmeras vezes) que ele não deve existir, esse transporte deve ser assegurado por via aérea, mais rápida, mais eficiente e mais eficaz, tal como foi desde os anos 8’0 do século XX, pela SATA-Air Açores e com o desaparecimento do  navio a motor Ponta Delgada. Foram já gastos em experiencias com navios e aventuras com gregos cerca de 84 milhões de euros nos últimos 20 anos, 40 milhões só nos últimos 7 (Atlânticoline) fora os apoios indiretos que não estão refletidos nas contas públicas desta empresa regional, tudo isso numa operação com que ninguém pode contar ao certo. Só por teimosia e irrefletida estratégia eleitoralista se mantem uma operação tão desastrosa como a que estamos a falar.
Curiosamente, no que concerne ao transporte de mercadorias, onde desenvolvem atividade três operadores privados e não existem Obrigações de Serviço Publico, as notícias são muitíssimo mais animadoras, ou seja, não há noticias o que indicia um bom desempenho.
Nos transportes aéreos o descalabro é ainda mais grave, porque desse não podemos abdicar e se perdermos a nossa companhia ficamos absolutamente reféns das estratégias comerciais de companhias cujos centros de decisão não estão minimamente preocupados com a nossa condição socioeconómica, com as nossas idiossincrasias ou sequer com a nossa condição de pobres periféricos. Por isso, importa salvar a companhia aérea regional com todas as forças possíveis. Importa separar duas realidades, o transporte de passageiros inter-ilhas e o transporte de passageiros e carga entre os Açores e o Continente Português.
No que concerne ao transporte de passageiros entre as Ilhas da Região ele deverá ser assegurado da forma mais eficiente possível tendo em vista a sustentabilidade económica da empresa por forma a garantir que  o serviço de mantem sem riscos de perder qualidade e equidade. Nesse sentido, há que reestruturar rotas e escalas por forma a não perigar o futuro do mesmo por via de caprichos quer do acionista único quer dos agentes externos que intervém muitas vezes nas decisões estratégicas da empresa. Os conselhos de administração deverão ter mais autonomia e o acionista deverá interferir menos nas decisões desses administradores.
No que concerne à Azores Airlines é expectável um plano credível para breve, sem romantismos bacocos que permita a essa companhia assegurar as ligações entre as Ilhas dos Açores e o Continente português, principalmente aquelas que não têm alternativa. Para tal deveremos agir
Concentrando-nos nas rotas mais rentáveis e abandonando em definitivo as experiencias com voos para fora dos mercados tradicionais. Assim, a partir de Ponta Delgada e Terceira, a aposta deve ser nos mercados do Continente Português, Estados Unidos e Canadá sendo que este último é um mercado em grande expansão e de elevado poder de compra que pode colmatar as falhas de fluxos turísticos durante o chamado inverno IATA. Só uma rentabilidade boa nestas 6 rotas mais importantes pode garantir condições para a companhia operar as rotas com obrigações de serviço público nas chamadas “gateways” menos apetecíveis, Pico, Faial e Santa Maria com Lisboa.
Neste desiderato, tem um papel fundamental a oposição que deverá comportar-se à altura de transformar os transportes num verdadeiro desígnio regional, abandonando a até agora ineficiente “politica da terra queimada” como aconteceu ainda recentemente com exigências de cargueiros interilhas , pernoitas nas Lajes, reforço de voos para ilhas onde os mesmos andam com ocupações ridículas e outras “boutades” que mais não tem feito do que afundar a companhia aérea numa “dívida insustentável” e lançado os açorianos uns contra outros numa luta pela canibalização da SATA.

In Jornal Diário dos Açores edição de 02 de Julho de 2019

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