21 de março de 2019

Poesia de intervenção

Sobre a poesia que hoje celebramos, sobre o centralismo que hoje combatemos e sobre  as ilusões que hoje vamos esbatendo no papel de "Velhos do Restelo", um poema de um grande da literatura Açoriana. Pedro da Silveira, o Pedro da Fajã Grande,  um Açoriano no Mundo, um dos poucos.



REQUIEM

Onde era a Vila com suas ruas e casas
agora é o asfalto do aeroporto.
Onde o Convento ainda a igreja
e talvez sernalhas e ratos
onde era a frescura do claustro.
Já não se vê onde morou James Mackay
e a Rua das Flores foi cortada ao meio.
O Avelar pegou de cabeça e outros
antes quiseram morrer que ver a morte,
cater-pillars e bull-dozers matando a Vila.
Mas onde tudo isso era e eles lá
e os plátanos da Praça e as araucárias
há cem anos guardando a paz das casas,
agora pousam aviões e há franceses.

Longe, numa cidade a que chamam Lisboa,
a Vila rendeu não sei quantos mil milhões
e mil nepotes sentam-se à mesa,
empunham facas e garfos, comem-na,
bebem-na, enfeitam-se, corneiam-se,
vão pensando se outras vilas – «lá na Ilha» –
ainda mais haverá para vender
a japoneses ou russos ou turcos
ou a um qualquer emir atomizado
da Arábia ou de Marte ou de Casa-do-Diabo.

Onde era a Vila não tem importância,
nem James Mackay, nem o Convento – nada!
Também eu se calhar serei vendido
e o preço (de saldo, claro está)
pode dar para dois rissóis com salada
e duas balas de peça

– que os políticos comem
e as fragatas decoram
Nossa Desgraça Lisboa.
            1972.

«Corografias», 1985

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