18 de março de 2019

Acima dos Açores só Deus.

Nesta mesma rubrica e na passada semana, com a ligeireza que a limitação de caracteres e a paciência do leitor exigem, abordei as questões do exercício da cidadania europeia como um veículo para garantirmos a nossa maior representatividade nos órgãos decisórios da União.
Essa representatividade nunca foi tão importante como agora, Na verdade, a simples possibilidade de vir a acontecer um Hard Brexit, desperta sensibilidades e faz soar campainhas de alarme por toda a Europa unida. A carta de Macron aos europeus da semana passada é bem um elucidário dos tempos que nos esperam e dos desafios que teremos que ultrapassar na construção da Europa tal como a desejaram os seus fundadores.
Na política caseira os poderes vão se descentralizando mas nem por isso se tornam mais hábeis ou mais democráticos ou, sequer, perdem os tiques de um centralismo metropolitano de outrora. Da São Caetano à Lapa, o PSD passou para a Guerra Junqueiro no Porto, mas nem por isso deixou de ser um partido centralista com o mesmo respeito pelas Autonomias constitucionais e pelos órgãos autónomos do próprio partido que tem um gato por um cão morto.
O PSD Açores não vai, pela primeira vez, ter um deputado europeu. Não vem qualquer mal ao mundo por isso, entre 1994 e 1999 o PS-Açores não teve um Deputado Europeu tendo delegado no então líder sindical José Manuel Torres Couto a função de representar os interesses dos Açores no PE, com recurso, inclusive, a um aluguer de casa de fachada em Ponta Delgada para, à boa maneira da construção de novas narrativas do socialismo autóctone, manter o fingimento. Torres Couto abandonou a política em 1999 por suspeitas de abusos na obtenção de verbas do Fundo Social Europeu, tendo sido absolvido, assim como todos os outros arguidos, já em finais de 2009 quando o processo chegou ao fim. A Ética republicana que enche a boca de muitos dos políticos de agora, naquela altura tocava nas consciências. Há coisas que não melhoraram com o tempo.
Recorde-se que, a falta desse deputado dos Açores no Partido Socialista Europeu não impediu o PS Açores, liderado por Carlos César a partir do final desse mesmo ano, de ganhar as eleições regionais que ocorreram sensivelmente dois anos depois na saudosa data de 13 de Outubro de 1996. Dai, a ideia de que esta foi uma pesada derrota para Alexandre Gaudência ser mais um wishful thinking da máquina socialista do que uma mera possibilidade.
Os Açores, não por serem periféricos, não por serem pobres, não por serem uma autonomia constitucional, não por ser Mota Amaral, apesar de também por isso tudo, deveriam estar representados sempre, em nome do interesse nacional, nas duas maiores famílias políticas do parlamento Europeu, o Partido Popular Europeu e o partido Socialista Europeu.
Essa “gentalha” que governa em Lisboa ou no Porto de olhos postos e boca aberta no Mar dos Açores, nas fontes hidrotermais, na mineração do mar profundo, na expansão da plataforma continental, na nossa posição geográfica como mais-valia para a nação na sua afirmação na economia azul, no espaço, na guerra nas alterações climáticas e todas essa demais parangonas que ao Povo dizem quase nada, sempre que tem uma oportunidade de tratar os Açores com desprezo fá-lo sem qualquer pejo.
O PSD dos Açores ameaça não fazer campanha eleitoral e não receber os candidatos, temo uma abstenção elevadíssima, vamos a votos, vamos nem que seja votar em branco para, tal como desafiei na passada semana, assim afirmarmos que aqui, no meio de Atlântico, tal como em 1975, somos uma aldeia de irredutíveis resistentes ao centralismo.
Não citarei Ciprião de Figueiredo neste particular até porque a feliz frase tomada pela Autonomia não é senão uma afirmação centralista, mas que o fogo abrase aqueles que se julgam acima dos Açores.

In Jornal Diário dos Açores edição de 17 de Março de 2019

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