Contaram-me que o meu avô Eduardo, empresário da
indústria de laticínios desta terra em meados do século passado, dizia: “Eu sei
que tenho de arranjar empregos aos filhos das pessoas conhecidas. Mas eles, por
amor de Deus, que não façam nada!”
Assim não dou para o peditório, aberto nos últimos
meses na imprensa nacional, a favor de não sei que esclarecimento dos empregos
da família César.
Dizem que a esposa do deputado regional Carlos César
era funcionária da Biblioteca Pública de Ponta Delgada, sendo nomeada
coordenadora dos palácios da Presidência quando o marido presidiu ao seu
primeiro governo regional? E novamente nomeada coordenadora da criação da Casa
da Autonomia? Quando muito, faço votos que não tenha ponto a picar, e não abdique
dos cafés a meio da manhã e a meio da tarde.
Que a Dra. Rafaela Seabra Teixeira passou de
funcionária da Câmara Municipal da Ribeira Grande a chefe de gabinete da
secretária regional adjunta para os Assuntos da Presidência, não percebi se só depois de estabelecer uma relação
íntima com o filho do Sr. Carlos César? Sentir-me-ia mais descansado se
soubesse que é durante o horário laboral que a senhora gasta os seus 3.734 €
(brutos) mensais nas lojas desta terra.
O mesmo direi, mas agora nas lojas de Lisboa, do
salário superior aos de 73% de empregados da Gebalis – empresa pública que gere
os bairros sociais lisboetas – que foi atribuído à Dra. Inês César, contratada
(ainda segundo tais notícias) cinco dias depois de ter terminado o seu
contrato, por ajuste direto, com a junta de freguesia de Alcântara, detida pelo
PS, onde a sobrinha do Sr. Carlos César começara a trabalhar após a faculdade.
Diferentemente, o deputado Francisco César não foi
nomeado mas eleito. Supondo todavia que o filho do Sr. Carlos César terá sido
nomeado pela direção regional do partido para as listas socialistas a
apresentar ao eleitorado (que não consta que escrutine cada nome de cada
partido), à cautela também não acompanharei a indignação de outros tantos
comentadores se uma qualquer EDP vier a estender a tais políticos regionais
convites para jogos, desde a próxima supertaça até ao Mundial na Rússia – não
estou a suspeitar de favores fiscais ou outros, refiro-me apenas a se irem
entreter com futebol.
Eu também o faço. Mas só tenho dinheiro para ver os
jogos na TV, e, para que ao menos este dinheirinho me
reste, o mais seguro é que quaisquer filhos de pessoas conhecidas passem o
menos tempo possível a “trabalhar”. Desde porventura alguma das pessoas acima
mencionadas, até às levas de boys atrás
de cada novo governo, como sugerem, a nível nacional, os estudos referidos por
V. Matos e R.P. Antunes em “Cartão partidário? A garantia de uma carreira de
futuro” (Observador, 25/05/2017).
Voltando porém à forma verbal do meu avô, será que se têm de arranjar tais empregos? Sim, têm.
Pelo menos enquanto não implementarmos algo como Alexis de Tocqueville
reconheceu nos Estados Unidos da América, durante a sua viagem por essa então
jovem república, entre 1831 e 1832.
Daí resultou um dos maiores clássicos da literatura
liberal: Da Democracia na América
(1835). Em cujo volume 1 o aristocrata francês salientou a clara separação dos
poderes legislativo, executivo e judicial. Imagine-se: ao Presidente americano cabia
exclusivamente o executivo… mas faltando-lhe sequer o poder absoluto de nomear
funcionários públicos (isto sugere-nos qualquer coisa). E ainda menos o de
nomear os membros das listas a concorrer às câmaras legislativas (como os
presidentes dos nossos partidos, que assim escolhem quem os poderá depois
nomear para as chefias dos governos).
Hoje vemos que nem esse sistema evita que seja a filha
(sem outro estatuto além deste) do Presidente a sentar-se em reuniões do G20.
Mas, ao menos, aí isso nota-se, e pode ser que venha a ser recusado pela
maioria do povo americano.
Naturalmente todo esse edifício institucional seria
falseado se não fosse implementado, logo a partir das comunas (townships) e
tribunais locais, por pessoas que valorizam acima de tudo a liberdade e a
responsabilidade individual, o trabalho e obra de cada um. Por isso, cinco anos
depois, Tocqueville publicou o volume 2 da sua obra, agora sobre as
caraterísticas culturais dos americanos.
Nesta coluna teremos ocasião de voltar a Da Democracia na América. Por ora
registarei apenas a minha convicção de que, enquanto não implementarmos umas equiparáveis
evoluções cultural e institucional, o menos mau a que neste país e nesta região
se pode aspirar é que, nos seus bem remunerados empregos, os filhos das pessoas
conhecidas não façam nada.
Publicado no Jornal Diário dos Açores na sua edição de 21 de Julho de 2017
Publicado no Jornal Diário dos Açores na sua edição de 21 de Julho de 2017
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