14 de dezembro de 2015

Das liberdades individuais e do jacobinismo serôdio.

Ou um hipótese de nação.


Tamanho título poderia ser o de uma tese de mestrado ou de um mero ensaio filosófico mas não é. É apenas o título desta minha crónica semanal no jornal que me acolheu pela primeira vez nos idos de março de 1983.  A crónica é o género literário que melhor se enquadra nestes dias depois da nona de dezembro e do resultado que a Front National de Marine  le Pen obteve na primeira volta das regionais em frança. Na verdade, não é tempo (cronos) de falar de outra coisa. Na França a extrema-direita na Grécia a extrema-esquerda e um pouco por toda a parte se vão manifestando inquietantes sinais de fim do regime, de vontade de mudar.  Por todo o lado surgem preocupantes sinais de violência, instabilidade e intolerância que culminam, invariavelmente na retirada de liberdades individuais em prol de poderes reforçados dos estados. O Estado-moderno é, na verdade, o grande inimigo da liberdade.
Quando nos debruçamos sobre as teorias filosóficas dos contratualistas, nomeadamente sobre  Rousseau, conseguimos identificar inequivocamente como é que a sua teoria da “Vontade Geral” nos pode conduzir a uma enorme perca de liberdades individuais, ficamos Escravos, cedemos direitos, apetites individuais, opções e escolhas morais  e tudo isso em nome  desse desiderato a alcançar, em nome de uma coisa a que chamamos de “bem comum” mas que não sabemos bem o que é. Essa chamada “Vontade Geral”, tantas vezes evocada pelos assaltantes de poderes por esta Europa fora, e pelas massas ululantes, é perigosamente usada como conjunto do “argumentário” para o coartar das liberdades individuais. A liberade é, como tantas outras coisas, um bem ao qual só damos valor depois de o perdermos. Mas que, perdida, dificilmente é recuperável.
Obviamente, só os seres livres, de pensamento livre e capazes de pensar a construção de uma nação, seja ela a que for, são capazes de analisar e repensar a devolução de liberdades como um meio para a construção de uma nação melhor. Os restantes, os que vivem obcecados com a regulação, a legislação e com a ação do estado são incapazes de admitir a falência desse sistema (desde logo por ignorância a seu respeito) e agitam o fantasma do liberalismo e do neoliberalismo como se de coisa perniciosa se tratasse. Na verdade, esse é o grande paradoxo do socialismo, moderado e radical, por um lado diz-se democrático, defensor do estado-social, garante e às vezes “dono” da liberdade, mas culpa o liberalismo e o neoliberalismo de todos os males da humanidade. Essa espécie de jacobinismo serôdio, tem sido, de facto, o grande entrave ao desenvolvimento de sociedades mais justas e mais equilibradas. O fosso entre ricos e pobres não se cavou mais fundo por causa das liberdades mas sim, ao invés, pela falta delas. Foi a obsessão da regulação que destruiu a possibilidade de criar riqueza a partir de muito pouco ou de quase nada. Foi a regulação que acabou com a possibilidade dos chamados “self made man”. Foi o jacobinismo bacoco e serôdio que condenou os novos empreendedores, criadores de riqueza e consequentemente de postos de trabalho tantas e tantas vezes apelidando-os de novos-ricos e patos-bravos e que os perseguiu com leis e regulamentos que acabou lançando toda essa gente no desespero e a abandonar o tecido empresarial. Foi a regulação, o “regulamentozinho”, a “regrazinha”, a “fiscalizaçãozinha”, a “invejasinha”, a pequena “corrupção”, que potenciaram a concentração de riqueza e não a defesa das liberdades de estabelecimento, a proteção da propriedade privada e o comércio livre. Enfim, o socialismo interventivo na economia condicionou, regulou, regulamentou a vida dos cidadãos com tal complexidade que tornou o tecido económico dependente do próprio sistema político, talvez fosse esse mesmo o desiderato, tornar-nos todos dependentes de um qualquer Diretor Geral ou Secretário de Estado como se de Senhores Feudais se tratassem. No entanto, não se julgue este regime eterno.
Tal como escreveu Popper, Newton enterrou o determinismo teológico do medievo substituindo-o por um determinismo naturalista que Marx e Hegel substituíram por um determinismo histórico. Hoje o determinismo teológico está reduzido ao extremismo islâmico e o determinismo histórico às fábricas da nova china. As vozes em defesa de um Homem verdadeiramente livre têm cada vez mais eco.
Mesmo nos países mais socialistas, onde até na formatação das opiniões o estado tende a intervir, não há meio nem forma de condicionar o pensamento e as opções éticas de cada um. É nas liberdades individuais, nas opções e escolhas éticas que reside a essência da nação e não no Estado. A nação é o conjunto alargado das opções livres dos cidadãos o Estado é o conjunto das cedências que cada um de nós faz dessas liberdades. Quanto mais pode o estado menos podem os cidadãos e quanto menos podem os cidadãos menos livre é a nação. O regime busca e necessita de fazer um “reset”.


Diário dos Açores, 13 de  Dezembro de 2015



2 comentários:

Miguel Soares de Albergaria disse...

O determinismo naturalista, que nega a realidade de qualquer livre-arbítrio, encontra-se hoje nos fortes argumentos da psicologia evolucionista, da biosociologia, e das neurociências em geral. Talvez o seu maior calcanhar de Aquiles seja a constatação de que a existência de tais teorias, e das pessoas e instituições que as têm desenvolvido, se não implica algum desmentido delas - no reconhecimento de algum livre-arbítrio - pelo menos sugere-o. Pois é quando as sociedades funcionam como se os indivíduos fossem relativamente livres que elas mais e melhor produzem, inclusive teorias científicas heterodoxas!

Nuno Barata disse...

Obrigado pelo comentário e pela leitura atenta.

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