A vida dele era como uma lâmpada fundida, um vácuo numa redoma de vidro. Sentia-se um filamento quebrado entre dois pólos. No entanto, carregando na mão um saco pleno de quimeras e na outra, um cesto de esperanças, caminhava estrada fora ao som de um assobio melódico e com o frio a fazer-lhe ranger os dentes a mostra pelo sorriso que lhe rasgava o rosto de orelha a orelha.
Queria ele lá saber da algazarra que se ouvia dentro das casas. Que coisas teria o menino feito no presépio? Que tropelias? Que boas-novas teria trazido para que todos aqueles meninos estivessem tão eufóricos? Eram os mesmos meninos, que durante o resto do ano, saíam de casa embrulhados em casacos de feltro de marca registada e com mochilas da barbie e do action man, carregadas de livros, às costas. Eram depositados nas escolas assim como quem deixa um cão no canil municipal e vai de férias. Eram os meninos felizes de hoje os mesmos meninos infelizes dos outros dias todos do ano.
Entre o saco das quimeras e o cesto das esperanças havia um corpo franzino habituado ao frio e à chuva. As mãos gretadas do sal da água da mar e os lábios roxos do frio. Viu ao longe um estábulo e lembrou-se daquela imagem do menino deitado nas palhas aquecido pelo bafo da vaca e do burro. Correu para lá, gritou ante portas de madeira velha e trancas de aço, mas lá de dentro nada. Rodopiou e viu luz por uma janela. Trepou pelas paredes lisas de um armazém até chegar a uma pequena janela que parecia a de uma prisão. Lá dentro, nem palhas, nem pastores nem burros. Só vacas, frias, ou melhor gélidas, vacas não, máquinas de fazer leite. Nem as vacas são já como eram., estão a tornar-se mais humanas, ou seja menos livres. Que raio de humanismo é este que nos faz cativos? Que raio de inteligência nos deram que a usamos para nos fazermos escravos de tudo e de qualquer coisa?
Por estes dias, toda a gente festeja qualquer coisa, poucos festejam o nascimento de Jesus de Nazaré.
Deixou-se cair da janela com grades e seguiu o seu caminho que os dias não estão para perder tempo com coisas inúteis. Havia de chegar a casa ainda antes da meia-noite. Naquele dia, rebentaram bombas em Bagdad, morreram dezenas de homens, mulheres e crianças na faixa de Gaza, há inocentes a passar fome, a morrerem de fome, no Biafra, Darfur, aqui ao lado. Hei-de ter um naco de pão de milho com manteiga e açúcar.
Queria ele lá saber da algazarra que se ouvia dentro das casas. Que coisas teria o menino feito no presépio? Que tropelias? Que boas-novas teria trazido para que todos aqueles meninos estivessem tão eufóricos? Eram os mesmos meninos, que durante o resto do ano, saíam de casa embrulhados em casacos de feltro de marca registada e com mochilas da barbie e do action man, carregadas de livros, às costas. Eram depositados nas escolas assim como quem deixa um cão no canil municipal e vai de férias. Eram os meninos felizes de hoje os mesmos meninos infelizes dos outros dias todos do ano.
Entre o saco das quimeras e o cesto das esperanças havia um corpo franzino habituado ao frio e à chuva. As mãos gretadas do sal da água da mar e os lábios roxos do frio. Viu ao longe um estábulo e lembrou-se daquela imagem do menino deitado nas palhas aquecido pelo bafo da vaca e do burro. Correu para lá, gritou ante portas de madeira velha e trancas de aço, mas lá de dentro nada. Rodopiou e viu luz por uma janela. Trepou pelas paredes lisas de um armazém até chegar a uma pequena janela que parecia a de uma prisão. Lá dentro, nem palhas, nem pastores nem burros. Só vacas, frias, ou melhor gélidas, vacas não, máquinas de fazer leite. Nem as vacas são já como eram., estão a tornar-se mais humanas, ou seja menos livres. Que raio de humanismo é este que nos faz cativos? Que raio de inteligência nos deram que a usamos para nos fazermos escravos de tudo e de qualquer coisa?
Por estes dias, toda a gente festeja qualquer coisa, poucos festejam o nascimento de Jesus de Nazaré.
Deixou-se cair da janela com grades e seguiu o seu caminho que os dias não estão para perder tempo com coisas inúteis. Havia de chegar a casa ainda antes da meia-noite. Naquele dia, rebentaram bombas em Bagdad, morreram dezenas de homens, mulheres e crianças na faixa de Gaza, há inocentes a passar fome, a morrerem de fome, no Biafra, Darfur, aqui ao lado. Hei-de ter um naco de pão de milho com manteiga e açúcar.
In Açoriano Oriental-Suplemento de Cultura-2006.12.28
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