28 de maio de 2020

2 margens 2020.05.28


Misturas

O Diácono Remédios, essa figura incontornável da cultura pop de XX diria do alto da sua sapiência: “Não havia nexexidade”. E foi isso mesmo que pensei ao ouvir a homilia do Domingo do Senhor Santo Cristo dos Milagres pelo Reverendo Cónego Adriano Borges. Sem querer entrar no terreno da interpretação bíblica, mas fazendo-o, eu diria que a parábola da apresentação de Jesus a Caifás, nem sequer foi feliz, bem pelo contrário, mas isso é arte que o clérigo saberá melhor do que Eu. Já a condenação de uma decisão de um tribunal, roça o domínio do inadmissível e uma tomada de partido escusada. A submissão da igreja ao poder dos homens é de longa data. Precisamente Caifás, o sumo-sacerdote contemporâneo de Jesus, disso era acusado por pactuar com os abusos de Pilatos o Juiz. Por cá, desde a fundação da nacionalidade a mescla é enorme. E mesmo no tempo do Estado laico das liberdades conquistadas, não esqueço os avisos no final das missas por esses Açores fora onde os reverendos, cheios de boas intenções, apelavam ao voto naquele partido que apontava as setas ao Céu. “Não havia nexexidade”.

In Jornal Açoriano Oriental edição de 26 de Maio de 2020

19 de maio de 2020

Minudências



Essa coisa de cumprir leis fundamentais e termos uma constituição é uma maçada. Mais! Quem defende essas coisas é inimigo do povo, dizem pelo submundo das redes sociais os defensores da saúde pública, transversalmente, desde os mais ignorantes aos supostamente mais sabidos, com as mentes confinadas, essas sim, pela campanha do medo sem fundamento cientifico algum, que as autoridades, também elas “borradas” de “cagufa”, por aí foram perpetrando. Estão todos prontos e na linha de partida para crucificar quem agita a bandeira dos direitos, liberdades e garantias. Memórias curtas, visões seletivas e práticas atávicas de quem muito bem instalado no teletrabalho ou no “dolce fare niente” se arroga o direito de confinar os outros para que não lhe peguemos o fogo no rabo-de-palha. Há um Ventura em cada Açoriano, em cada Português. Isso durará até ao dia em que vão ter que pagar a conta calada com os cortes do costume e sem subsídios de natal e férias. Nessa altura a tal lei fundamental será agitada pelos mesmos que agora a desprezam.


In Jornal Açoriano Oriental, edição de 19 de maio de 2020

12 de maio de 2020

Inutilidade



Estão a ser detidos, ilegalmente, em unidades hoteleiras do Açores cidadãos portugueses pelo simples facto de viajarem para as ilhas em uso do princípio constitucional da continuidade territorial. Não bastara já isso ser mau, agrava que uns pagam a conta no final e outros não, em função da área de residência habitual. Estamos perante aquilo que em português corrente se pode chamar de uma “birrinha” pela decisão do Governo de Portugal não ter fechado os aeroportos da Região invocando o tal preceito constitucional mesmo que árido. Tudo isso tem passado sob as barbas das mais diversas entidades obrigadas à proteção dos cidadãos, Ministério Público, Ordem dos advogados e Representante da República. O Sr. Embaixador Pedro Catarino, certamente em cumprimento das ordens do Sr. Presidente da República, com quem diz falar todos os dias, finge-se de morto e dessa forma está a demonstrar a inutilidade do cargo que ocupa, mesmo quando o Governo Regional dos Açores está a fazer um esforço hercúleo para ofender a constituição e assim demonstrar a necessidade do mesmo ou, pelo menos da função.

In jornal Açoriano Oriental, edição de 12 de Maio de 2020

5 de maio de 2020

Calamidade


 Estamos a assistir a uma tentativa de prolongar, em Estado de Calamidade, medidas que apenas podem ser tomadas em Estado de Emergência. Atentemos às diferenças: A declaração do Estado de Emergência permite suprimir direitos fundamentais porque esse decorre de um processo que envolve o Presidente da República e a Assembleia da República, cuja legitimidade democrática é inegável, e o Governo que não sendo eleito diretamente depende de ambos os mencionados; Já o Estado de Calamidade é meramente administrativo e basta meia dúzia de medidas, abusivamente implementadas, para se vislumbrarem, à vista de qualquer mero aprendiz de introdução ao direito, que elas ultrapassam as possibilidades constitucionais. Não vale tudo, “a bem da nação” ou como agora se diz em “politiquês” em nome da saúde pública. O Estado de Direito Democrático, ao invés do Estado Totalitário, é aquele em cujas instituições o cidadão é protegido por leis emanadas pelos eleitos democraticamente, executadas por um poder derivado desse sufrágio e com um poder judicial eficaz. Isto não é a Hungria.

In jornal Açoriano Oriental, edição de 05 de maio de 2020

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