Diário dos Açores - Como analisa a proposta de Vasco Cordeiro no sentido de beneficiar os eleitores que tenham um bom histórico de participação eleitoral? É uma boa proposta para combater a abstenção?
Nuno Barata - Há uma razão para elogiar Vasco Cordeiro
neste processo de construção da nossa “comunidade política”, a tenacidade de
lançar ideias e propostas para a melhoria da nossa, por vezes, deslastrada
autonomia. Tem sido assim, entra ano sai ano, em dia de “mordomia”
institucional. Tenho abordado, variadíssimas vezes, a questão das excessivas dependências
dos Açorianos em relação ao poder regional e local. Essas dependências criam
uma espécie de caciquismo e esse caciquismo cria clientelas e essas clientelas
redundam numa perca de qualidade da democracia, do pluralismo e redundam no
desinteresse dos cidadãos pela participação nas decisões e nos próprios órgãos
de poder seja ele local, regional ou nacional. Cada vez é mais difícil trazer
para a vida pública pessoas válidas e com idoneidade. Dar benefícios a quem vai
cumprir um direito cívico é criar a ilusão de que devem votar em quem lhes paga
para votar ou seja no partido da situação, seja ele qual for. A construção
dessas clientelas pode servir o partido no poder a curto e médio prazo, mas não
serve sempre pois quando muda o poder as clientelas seguem-no dai que não seja
sensato, sequer do ponto de vista estritamente partidário, apostar em soluções
desta natureza clientelar.
Esta proposta, saída das cabeças
das “eminencias pardas” dos gabinetes de Santana (não é só Alexandre Gaudêncio
quem tem que se cuidar com a sua “entourage”) suscitou nos jornais de Portugal um “escarnento” debate e por isso não é
motivo de regozijo ou orgulho nas instituições regionais. É, pelo contrário,
motivo de vergonha. No meu caso é vergonha alheia.
A Vasco Cordeiro, como escrevi no início, não
se pode retirar mérito nas vastas tentativas que tem feito de alterar alguns
processos. No entanto, a qualidade das ideias não é diretamente proporcional à
sua quantidade. Este é um bom exemplo do que escrevo. Vale pelo esforço mas não
vale nada pelo conteúdo.
Diário dos Açores - O Presidente do
Governo propôs, igualmente, um Conselho de Concertação entre os Governos das
Regiões Autónomas e o da República. É o melhor caminho para ajudar a resolver
os casos pendentes entre os governos?
Nuno Barata - Os
sucessivos governos do Partido Socialista nos Açores, sempre que na República
governou o mesmo PS tal como acontece neste preciso momento, apregoaram e
apregoam que as relações são excelentes e que o atual governo de António Costa
é o melhor amigo dos Açores e dos Açorianos. Assim foi também nos Governos de
José Sócrates e do Engª, Guterres o tal que nos estabeleceu uma “mesada” (Lei
de financiamento das Regiões Autónomas) que muitos ainda hoje entendem como um
progresso da nossa autonomia mas que mais não foi do que um assumir de
incompetência de nos auto governarmos e de auto gerarmos fluxos financeiros
suficientes para a nossa afirmação como região autónoma politica e
administrativamente. Temos, efetivamente, a autonomia que nos é consentida por
via da asfixia financeira e da falta de capacidade de ultrapassar os
constrangimentos inerentes a essa falta de capacidade de gerar recursos. Por
isso, é no mínimo estranho, que depois de anunciadas tantas boas relações, seja
agora encontrada a necessidade de criar uma nova unidade orgânica em jeito de
estrutura de missão para resolver o que está pendente nas relações entre as
partes. Será que esperam mudanças em Lisboa?
Na verdade, existe um
imenso rol de assuntos por resolver entre a Região e o Estado e que se adensam
e se complicam ao longo dos anos e que não melhorou bem pelo contrário. Sem querer
entrar em questões muito complexas como a da gestão partilhada do mar ou das
decisões tomadas no âmbito do chamado Air Center, assuntos estes que podem ser
mais difíceis de explorar e explanar nas parcas linhas que este jornal me
disponibiliza e indo a questões mais práticas que dizem diretamente e
diariamente respeito aos cidadãos, por exemplo: o folhetim em volta da cadeia
de Ponta Delgada, da falta de condições da atual e da falta de concretização da
nova, é um excelente exemplo dessas más
relações, bem como é também um excelente exemplo a falta de condições em
algumas esquadras da PSP, a falta de viaturas das forças de segurança, a
insipiente presença do estado naquilo que são as suas funções de competência
exclusiva, justiça, defesa, segurança interna. Basta dizer que grande parte das
viaturas que as brigadas da GNR e PSP usam nos Açores foram adquiridas pela
próprio Região obrigada a substituir-se ao Estado que nos abandona.
Assumir a necessidade
deste Conselho de Concertação entre governos, é assumir esse falhanço de mais
de 40 anos de autonomia. Pois então que se assuma e que se diga isso mesmo aos
Açorianos e que se mude rapidamente o sentido das coisas, caso contrário os
resultados num futuro de curto, médio e de longo prazo serão os mesmos que
agora nos desolam.
Diário dos Açores - Como analisa a atual situação política? A
situação nos transportes aéreos e marítimos de passageiros é uma pedra no
sapato deste governo? E o papel da oposição?
Nuno Barata - A Região Autónoma dos Açores, parece-me óbvio, pela sua
condição de centralidade atlântica e periferia europeia permanentes, só se
desenvolverá social e economicamente quando vencer a questão das suas relações
com o exterior e entre as suas próprias comunidades. Dai que os transportes sejam
a nossa grande questão estratégica. Para melhor compreendermos esta necessidade,
importa revisitar a história. Até à construção do Porto de Ponta Delgada cujas
obras começaram em finais de XIX, São Miguel era uma Ilha periférica até mesmo
no contexto do Arquipélago dos Açores. Na primeira metade do século XX a ilha
desenvolveu-se e voltou a ser periférica com o crescimento da importância da
aeronáutica civil e por consequente falta de ligações aéreas com o exterior. Só a
criação da SATA e os voos regulares entre o então aeródromo de Santana e os
aeroportos das Lajes e Santa Maria (monopolistas nas ligações com os EUA e
Lisboa) a partir de 1949, permitiram tirar de novo a Ilha de São Miguel dessa
condição de periferia a que estava condenada. Nestes dois casos, Porto e SATA, a tenacidade e a perseverança da elites micaelenses
permitiu retirar a Ilha, de novo, dessa condição de periférica sendo que periferia
significa também pobreza. Hoje os desafios são os mesmos, os objetivos também,
as elites é que, sendo outras, não estão focadas na construção de soluções mas tão-somente
na manutenção do poder e das clientelas bajuladoras que deslizam pelos salões
de outrora com as mãos besuntadas de croquetes. Ou seja, não são elites, são
simples poderes porque quem se comporta assim não merece tão elevado epiteto.
Relativamente aos transportes marítimos de passageiros inter-ilhas, com exceção
para as Ilhas do denominado Triângulo, entendo (já o disse e escrevi inúmeras
vezes) que ele não deve existir, esse transporte deve ser assegurado por via
aérea, mais rápida, mais eficiente e mais eficaz, tal como foi desde os anos
8’0 do século XX, pela SATA-Air Açores e com o desaparecimento do navio a motor Ponta Delgada. Foram já gastos
em experiencias com navios e aventuras com gregos cerca de 84 milhões de euros
nos últimos 20 anos, 40 milhões só nos últimos 7 (Atlânticoline) fora os apoios
indiretos que não estão refletidos nas contas públicas desta empresa regional, tudo
isso numa operação com que ninguém pode contar ao certo. Só por teimosia e
irrefletida estratégia eleitoralista se mantem uma operação tão desastrosa como
a que estamos a falar.
Curiosamente, no que concerne ao transporte de mercadorias, onde
desenvolvem atividade três operadores privados e não existem Obrigações de
Serviço Publico, as notícias são muitíssimo mais animadoras, ou seja, não há
noticias o que indicia um bom desempenho.
Nos transportes aéreos o descalabro é ainda mais grave, porque desse não
podemos abdicar e se perdermos a nossa companhia ficamos absolutamente reféns
das estratégias comerciais de companhias cujos centros de decisão não estão
minimamente preocupados com a nossa condição socioeconómica, com as nossas
idiossincrasias ou sequer com a nossa condição de pobres periféricos. Por isso,
importa salvar a companhia aérea regional com todas as forças possíveis.
Importa separar duas realidades, o transporte de passageiros inter-ilhas e o
transporte de passageiros e carga entre os Açores e o Continente Português.
No que concerne ao transporte de passageiros entre as Ilhas da Região ele
deverá ser assegurado da forma mais eficiente possível tendo em vista a
sustentabilidade económica da empresa por forma a garantir que o serviço de mantem sem riscos de perder
qualidade e equidade. Nesse sentido, há que reestruturar rotas e escalas por
forma a não perigar o futuro do mesmo por via de caprichos quer do acionista
único quer dos agentes externos que intervém muitas vezes nas decisões
estratégicas da empresa. Os conselhos de administração deverão ter mais
autonomia e o acionista deverá interferir menos nas decisões desses
administradores.
No que concerne à Azores Airlines é expectável um plano credível para
breve, sem romantismos bacocos que permita a essa companhia assegurar as
ligações entre as Ilhas dos Açores e o Continente português, principalmente
aquelas que não têm alternativa. Para tal deveremos agir
Concentrando-nos nas rotas mais rentáveis e abandonando em definitivo as experiencias
com voos para fora dos mercados tradicionais. Assim, a partir de Ponta Delgada
e Terceira, a aposta deve ser nos mercados do Continente Português, Estados
Unidos e Canadá sendo que este último é um mercado em grande expansão e de
elevado poder de compra que pode colmatar as falhas de fluxos turísticos
durante o chamado inverno IATA. Só uma rentabilidade boa nestas 6 rotas mais
importantes pode garantir condições para a companhia operar as rotas com
obrigações de serviço público nas chamadas “gateways” menos apetecíveis, Pico,
Faial e Santa Maria com Lisboa.
Neste desiderato, tem um papel fundamental a oposição que deverá
comportar-se à altura de transformar os transportes num verdadeiro desígnio
regional, abandonando a até agora ineficiente “politica da terra queimada” como
aconteceu ainda recentemente com exigências de cargueiros interilhas ,
pernoitas nas Lajes, reforço de voos para ilhas onde os mesmos andam com
ocupações ridículas e outras “boutades” que mais não tem feito do que afundar a
companhia aérea numa “dívida insustentável” e lançado os açorianos uns contra
outros numa luta pela canibalização da SATA.
In Jornal Diário dos Açores edição de 02 de Julho de 2019