22 de maio de 2018


Diário dos Açores - Assinalamos segunda-feira mais um Dia dos Açores, em que é habitual fazer um balanço da nossa caminhada autonómica. Há quem não tenha dúvidas de que valeu a pena, mas também há quem diga que ela estagnou. Qual a sua opinião?

Nuno Barata: A escolha da Segunda-feira de Pentecostes para dia da Região não poderia ter sido melhor. Na verdade, a única coisa que é transversal a toda a Sociedade Açoriana é o culto à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Um culto que mistura um significativo sentimento religioso do crente temente a Deus com uma não menos significativa dose de paganismo. No entanto, mesmo essas festas em honra do Divino Paráclito têm as suas idiossincrasias regionais, locais e até ao nível da rua ande os “impérios” se desenrolam e se exprimem numa peleja bairrista impressionante.
Valeu a pena? Sim, aparentemente sim. O regime autonómico do Século XX, ao invés do de XIX, confunde-se com o processo revolucionário  que levou à queda do Regime musculado de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano e também por isso terá valido a pena.
Embora seja bastante claro que o regime atual tem servido os interesses de algumas Ilhas em detrimento de outras e serviu os interesses daqueles que, sendo centralistas, sendo Portugueses mais do que Açorianos, encontraram nesta solução governativa um tampão à verdadeira autodeterminação do Povo Açoriano, pode afirmar-se que valeu a pena, pelo menos, ter tentado.
 O Povo, esse, descansou nos meandros confortáveis da teia de interesses que lhe foram servindo mais aqui ou mais acolá sem qualquer tipo de parcimónia. “Pão e circo” sempre mantiveram as massas mais tranquilas.
Infelizmente não temos meios de comparar, por exemplo, o que teria acontecido se em vez de um regime como o que temos no momento, tivéssemos tido um reforço dos poderes dos extintos Distritos Autónomos. Que tipo de desenvolvimento socioeconómico teriam alcançado algumas dessas comunidades, ou que atrasos teriam sentido outras. Ou se, por exemplo, o projeto independentista tivesse vingado.
O processo autonómico é tendencialmente progressivo e de construção permanente e por isso não se pode dizer que estagnou, quanto muito pode afirmar-se que tem sido de progressão lenta.

 Diário dos Açores  - Existe uma cidadania autonómica? Estes anos foram suficientes para se criar nas gerações uma consciência autonómica? Ou os cidadãos estão mais preocupados com a sua vida comum do dia-a-dia?

Nuno Barata: Não existe uma comunidade política Açores. Se os cidadãos vivessem “preocupados com a sua vida comum do dia-a-dia” não seria grave de todo, o problema é estarem preocupados com o dia-a-dia individual e desconectados das questões comuns. Esse é o verdadeiro problema do regime vigente e esse é também o maior constrangimento ao desenvolvimento económico e social dos Açores porquanto essa deficiente consciência coletiva e esta espécie de vazio de um devir comum não promovem a união entre as diferentes comunidades de ilha e locais.
Não podemos perder de vista, nunca, o desiderato que os nossos antepassados perseguiram e para fazer isso convenientemente e com eficácia temos que garantir a existência duma consciência coletiva, um sentimento de missão de um Povo que infelizmente não é sentido entre os Açorianos.
Ao contrário do que possa parecer o regime de autonomia dos Açores e da Madeira e as suas conquistas, não são dados adquiridos. São, ao invés e como escrevi há pouco, conquistas permanentes que apenas serão grandes se tivermos uma visão também ela grande dessa autodeterminação. Mas essa visão alargada do que queremos ser só será possível se existir um sentimento comum e uma cidadania açoriana, ativa, inquieta, perseverante e verdadeiramente coesa. É necessário transportar a geografia para a política, a noção de arquipélago para a noção de comunidade política e os conceitos para as práticas.

Diário dos Açores - Ainda há razões para desconfiarmos da solidariedade da república? Haverá preconceitos contra a Autonomia? Como serão os próximos anos?

Nuno Barata: Há sempre razões para estarmos atentos a tudo o que imana de poderes externos, seja do Terreiro do Paço, seja do Edifício Berlaymont. Mas essa espécie de monitorização permanente da nossa autonomia política e administrativa apenas depende de nós próprios, dos órgãos de Governo próprio da Região e do seu Povo que escolhe e apoia os seus representantes.

Ao correr dos últimos anos, acentuado com os momentos de crise económica, financeira e social que vivemos, são alimentadas, por parte dos inimigos das autonomias regionais e da regionalização em geral, narrativas que tendem a classificar os regimes autonómicos como perdulários, pesos excessivos nas contas do endividamento do Estado e outras coisas perniciosas. Aliás, esse mesmo tipo de argumento é esgrimido também contra os municípios por parte de quem defende uma maior centralização das decisões. Este é um dos grandes preconceitos recaídos sobre os regimes autonómicos, na verdade, a dívida pública das regiões autónomas, apesar de ser muito elevada quando comparada com o PIB regional, representa pouco mais de 1% da totalidade do endividamento externo do Estado Português. As autarquias todas representam 2%. Estes números desmentem os que, preconceituosamente, os esgrimem sem pontos de referência ou comparação. Se atentarmos a isso podemos afirmar que sim, existem muitos preconceitos relativamente às autonomias regionais.

A autonomia das regiões europeias, como é o nosso caso, assenta num princípio fundamental da governação da Europa, o princípio da subsidiariedade. Para as grandes ou pequenas Nações como para os indivíduos, até porque as nações são um conjunto de indivíduos, a autonomia ou a independência não se conquistam apenas por cedências das unidades políticas que estão acima na pirâmide da subsidiariedade, mas sim pela nossa capacidade de gerar riqueza capaz de sustentar e melhorar as nossas vidas. Quero com isto dizer que o nível de autonomia que temos ou teremos num futuro próximo, depende muito mais de nós do que de entidades externas.

 

Nuno Barata Almeida E Sousa

Vila do Porto 17 de Maio de 2017

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