Diário dos Açores - Assinalamos segunda-feira mais um Dia dos Açores, em que é habitual fazer um balanço da nossa caminhada autonómica. Há quem não tenha dúvidas de que valeu a pena, mas também há quem diga que ela estagnou. Qual a sua opinião?
Nuno Barata: A
escolha da Segunda-feira de Pentecostes para dia da Região não poderia ter sido
melhor. Na verdade, a única coisa que é transversal a toda a Sociedade Açoriana
é o culto à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Um culto que mistura um significativo
sentimento religioso do crente temente a Deus com uma não menos significativa
dose de paganismo. No entanto, mesmo essas festas em honra do Divino Paráclito
têm as suas idiossincrasias regionais, locais e até ao nível da rua ande os
“impérios” se desenrolam e se exprimem numa peleja bairrista impressionante.
Valeu a
pena? Sim, aparentemente sim. O regime autonómico do Século XX, ao invés do de
XIX, confunde-se com o processo revolucionário que levou à queda do Regime musculado de
Oliveira Salazar e Marcelo Caetano e também por isso terá valido a pena.
Embora
seja bastante claro que o regime atual tem servido os interesses de algumas
Ilhas em detrimento de outras e serviu os interesses daqueles que, sendo
centralistas, sendo Portugueses mais do que Açorianos, encontraram nesta
solução governativa um tampão à verdadeira autodeterminação do Povo Açoriano, pode
afirmar-se que valeu a pena, pelo menos, ter tentado.
O Povo, esse, descansou nos meandros confortáveis
da teia de interesses que lhe foram servindo mais aqui ou mais acolá sem
qualquer tipo de parcimónia. “Pão e circo” sempre mantiveram as massas mais
tranquilas.
Infelizmente
não temos meios de comparar, por exemplo, o que teria acontecido se em vez de
um regime como o que temos no momento, tivéssemos tido um reforço dos poderes
dos extintos Distritos Autónomos. Que tipo de desenvolvimento socioeconómico
teriam alcançado algumas dessas comunidades, ou que atrasos teriam sentido
outras. Ou se, por exemplo, o projeto independentista tivesse vingado.
O processo
autonómico é tendencialmente progressivo e de construção permanente e por isso
não se pode dizer que estagnou, quanto muito pode afirmar-se que tem sido de
progressão lenta.
Diário
dos Açores - Existe uma cidadania
autonómica? Estes anos foram suficientes para se criar nas gerações uma
consciência autonómica? Ou os cidadãos estão mais preocupados com a sua vida
comum do dia-a-dia?
Nuno Barata:
Não existe uma comunidade política Açores. Se os cidadãos vivessem “preocupados
com a sua vida comum
do dia-a-dia” não seria
grave de todo, o problema é estarem preocupados com o dia-a-dia individual e
desconectados das questões comuns. Esse é o verdadeiro problema do regime
vigente e esse é também o maior constrangimento ao desenvolvimento económico e
social dos Açores porquanto essa deficiente consciência coletiva e esta espécie
de vazio de um devir comum não promovem a união entre as diferentes comunidades
de ilha e locais.
Não
podemos perder de vista, nunca, o desiderato que os nossos antepassados
perseguiram e para fazer isso convenientemente e com eficácia temos que
garantir a existência duma consciência coletiva, um sentimento de missão de um
Povo que infelizmente não é sentido entre os Açorianos.
Ao
contrário do que possa parecer o regime de autonomia dos Açores e da Madeira e
as suas conquistas, não são dados adquiridos. São, ao invés e como escrevi há
pouco, conquistas permanentes que apenas serão grandes se tivermos uma visão
também ela grande dessa autodeterminação. Mas essa visão alargada do que
queremos ser só será possível se existir um sentimento comum e uma cidadania
açoriana, ativa, inquieta, perseverante e verdadeiramente coesa. É necessário
transportar a geografia para a política, a noção de arquipélago para a noção de
comunidade política e os conceitos para as práticas.
Diário dos
Açores - Ainda há razões para
desconfiarmos da solidariedade da república? Haverá preconceitos contra a
Autonomia? Como serão os próximos anos?
Nuno Barata: Há sempre razões para
estarmos atentos a tudo o que imana de poderes externos, seja do Terreiro do
Paço, seja do Edifício Berlaymont. Mas essa espécie de monitorização permanente
da nossa autonomia política e administrativa apenas depende de nós próprios, dos
órgãos de Governo próprio da Região e do seu Povo que escolhe e apoia os seus
representantes.
Sem comentários:
Enviar um comentário