Passado o inverno começam as corridas de bicicletas.
Mas uma está em curso há já uns anos.
Nela, há algum tempo atrás vinham os ciclistas a subir
a montanha. Uns “trepadores” à frente, depois estendia-se o pelotão, mas todos progredindo
com custo, naturalmente mais devagar do que tinham rolado
antes na planície. Para trás do pelotão, quatro atletas começaram a arrastar-se
até tenderem a cair para a berma.
Num último fôlego gritaram por socorro. Os diretores
das outras equipas disseram “Solidariamente, não podemos abandoná-los”,
enquanto pensavam que sem concorrentes suficientes nem haveria prova para eles
ganharem. Pelo que mandaram os seus carros irem rebocá-los até perto do cume da
montanha.
Quando lá chegaram, o candidato a diretor de uma
destas equipas atrasadas inchou o peito e bradou “Não chega! Vocês têm é que
pôr o nosso ciclista ao nível de todos por igual!” Os outros diretores nem lhe
responderam. Mas o povo da vila que se fazia representar por essa equipa gostou
da voz grossa, mais ainda do sonho de participar do pelotão, e nomearam-no novo
diretor de equipa.
Entretanto o pelotão já descia disparado o outro lado
da montanha, incluindo dois dos anteriores ciclistas atrasados. Enquanto os
mais fortes, ao longe na planície em frente, rolavam de novo a velocidade de
cruzeiro.
Ainda atrás na montanha, salvo numa retazinha em que
fosse por aproveitar um passageiro sopro de vento, fosse por outra razão
pontual qualquer, o nosso ciclista conseguiu rolar um pouco mais depressa do
que a maioria dos atletas à frente, o caso é que na descida, como antes na
subida, a distância entre ele e o pelotão tendeu a aumentar. Ficava em risco o
lugar do novo diretor…
Mas não fosse este aclamado pelos repórteres
desportivos como o mais habilidoso dos chefes de equipa!
O qual iluminou os espetadores exclamando “Vejam como estamos
a descer a montanha a uma velocidade muito superior àquela… a que a subimos!”
Uns poucos ainda se surpreenderam com a comparação.
Mas foram abafados pela maioria em volta que exclamava extasiada “Há que tempos
não rolávamos tão depressa! Nem na planície lá atrás, mas especialmente no
tempo daquele incompetente que nos dirigiu na subida. Com o nosso novo querido
chefe estamos melhores do que nunca estivemos!”.
E os diretores das outras equipas aplaudiram, fazendo
um sorrisinho para o lado: iria continuar a haver gente para as corridas, e,
com concorrentes desse calibre, eles (os das outras equipas) iriam continuar a
ganhá-las. Tinha valido a pena mandarem o reboque de socorro.
Não sei se chegaram a sobressaltar-se com o que
aconteceu em seguida. Mas logo se terão tranquilizado, pois o senhor diretor
tirou da cartola outra habilidade ainda que soou mais alto do que a seguinte
denúncia por alguns:
“A corrida é, em cada parte dela, entre nós e os
outros ciclistas. Não é entre agora nós-na-descida e antes nós-na-subida… Ora
estamos a ficar cada vez mais para trás deles”.
Mal ouviu as primeiras palavras, o senhor diretor mandou
pôr uma cabeleira que tapasse a cara do seu ciclista, e pintar-lhe uns olhos,
nariz e boca na nuca. O homem parecia agora virado no sentido inverso.
“Portanto, vamos é à frente da corrida! E o espaço
crescente entre nós e o pelotão é espaço que lhes estamos a ganhar. Viva o fim
da austeridade de resultados!” – e magotes de gente largaram foguetes a
festejar o fim da austeridade.
Sua excelência o senhor diretor sorriu então
satisfeito. Podia vir aí a planície, poderia até vir alguma nova montanha, ele e
os seus tinham os lugares garantidos.
E pouco importam pormenores como, por exemplo, o povo
da vila estar convencido de que um antigo diretor tinha roubado tudo o que
pudera enquanto não (!) preparava a equipa para a subida anterior; sabendo o
povo que o atual diretor tinha sido então o principal adjunto, assim como metade
dos que agora o acompanham ali tinham feito o tirocínio. Ou que o povo venha a
saber dos negócios de especulação imobiliária do senhor diretor, que o senhor
diretor declara imorais quando feitos por outros, etc. Pois basta que um adjunto,
aquele que puseram a presidir à assembleia municipal, venha anunciar que o que põe
em causa a vila não são roubos nem atrasos pintados em tons de conquista, mas
sim umas cenas de pancada no clube da lagartixa verde, para a indignação de
todos logo se voltar para ali.
Enquanto assim for, tem pois sua excelência razão em
sorrir satisfeito. Os seus lugares estarão seguros.
Publicado no Jornal Diário dos Açores edição de 25 de maio de 2018.