21 de dezembro de 2017

Coluna Liberal - Diário dos Açores- 2017.12.08


Dizer que a eleição do ministro das finanças português para a presidência do Eurogrupo trará vantagens significativas a Portugal constitui mais uma daquelas anedotas: “Vai um alemão, um francês e um português num avião, um dos motores começa a arder…”, e safa-se o espertalhão lusitano por convencer os outros a desgraçarem-se por cumprirem as regras, enquanto ele toma estas últimas apenas como papas e bolos para enganar tolos.
Alguém concebe que, se cargos como aqueles pesassem a favor dos países natais dos respetivos detentores, dois em cada três deles não seriam alemães, e o terceiro francês?
Tendo assim a apostar que o Doutor Mário Centeno foi esta semana adotado como porta-voz dos interesses económicos da França, que enjeitou o socialismo nas últimas legislativas, e da Alemanha, que mantém como chanceler a Sra. Merkel em cuja fotografia muitos apoiantes do governo de que ele continua ministro ainda há pouco pintavam bigodinhos à Hitler.
O que estabelecerá, na própria maioria que sustenta o executivo português, uma tensão entre as respostas às duas perguntas com que Isaiah Berlin abriu o seu célebre ensaio de 1969, “Two concepts of liberty”.
Qual é a área de ação em que alguém deve ser deixado livre de interferências alheias? A resposta a esta pergunta determina o que Berlin chamou “liberdade negativa”. Ou “liberdade de” ações, sejam de pessoas, de instituições ou do Estado, que impeçam cada sujeito de ser ou de fazer o que lhe for natural. Não é fácil definir essa natureza, mas, grosso modo, poderemos aceitar como tal a assunção e expressão de quaisquer ideias (que não acarretem a destruição de outrem).
A liberdade negativa será tanto maior quanto menos interferências houver sobre estas escolhas e comportamentos. Por exemplo, as famílias e empresas portuguesas serão tão mais livres negativamente quão menos o novo ministro das finanças alemão interferir na nossa economia.
Desde J. Locke, A. Tocqueville, B. Constant, J.S. Mill (séc. XVII-XIX)… os liberais têm porém alertado que a liberdade negativa absoluta constitui uma selva socioeconómica em que os que alcançam algum poder logo o podem usar para retirar aos restantes qualquer liberdade.
Pelo que, com I. Berlin, se deve perguntar também qual ou quem será a fonte da interferência que pode determinar alguém no que este é ou faz.  Determinando-se a “liberdade positiva”, ou “liberdade para” cada pessoa ou povo se comandar a si próprio.
Melhor dizendo, com Mill: …para o povo ser comandado por aqueles poucos que dizem fazê-lo em nome dele – a razão desta correção é ilustrada desde Estaline, ou os jacobinos, até ao governo chefiado por um avençado do Grupo LENA.
Facilmente se percebe que esta liberdade positiva estabelece alguma tensão com a anterior – por exemplo, se alguém não comer não terá poder para se autodeterminar; mas, para alimentar os filhos de um indigente, será preciso ir retirar riqueza a quem a tenha, interferindo assim com a liberdade negativa destes outros.
Temos duas formas de lidar com essa tensão, como aliás com qualquer outra.
Uma forma é a de qualquer das suas duas dissoluções. Seja a reivindicada pela deputada Mariana Mortágua na Conferência Socialista de 2016 em Coimbra: “A primeira coisa que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar dinheiro a quem está a acumular dinheiro”. Robespierre não diria melhor… Pelo que, até a bem da Dra. Mortágua, desejo-lhe um saudável falhanço. Seja a da referida selva, contra a qual aqui sigo os liberais clássicos.
Como Berlin magistralmente explicita, os próceres de qualquer dessas dissoluções presumem um mundo absolutamente resolvido. O que não é bem aquilo que a observação do mundo nos faz acreditar… Pelo que, juntamente com este filósofo e cavaleiro do reino britânico, fico à espera do argumento a priori que garanta a possibilidade de tal resolução.
Enquanto não no-lo apresentam, resta-nos humildemente a outra forma de lidar com a tensão entre a liberdade positiva e a negativa: integrá-la. Ou seja, aceitar que a imperfeição faz parte da vida, e ir tentando retificá-la, diminuí-la, caso a caso.
Designadamente, evitando seja o excesso, positivo, de uma governação federalista da UE, que colocaria todo o poder nas mãos daqueles poucos cuja voz agora será difundida pelo Doutor Centeno. Seja o excesso, negativo, de uma desregulação europeia que permita, por exemplo, que quaisquer avençados conquistem o poder político para melhor oprimir o povo.

Esperemos que a propalada arte de negociação do Dr. António Costa seja real, de modo a mantermos alguma concertação entre políticas que implementem uma e a outra liberdade. Como Isaiah Berlin e os liberais clássicos aconselham.

Miguel Soares de Albergaria, in Diário dos Açores 2017.12.08

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Miguel

A liberdade positiva é a liberdade para, como dizes. Pena que não aprofundes a análise
do conceito. O conceito de "liberdade de" é absurdamente simples mas a "liberdade para"
pressupõe a existência de condições sociais para agir.

A esganiçada da Mortágua provavelmente simpatizaria com a liberdade positiva. :)

Alguns aspectos da liberdade negativa podem ser ilustrados com a lenda do Barão Muenchhausen

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/3b/Muenchhausen_Herrfurth_7_500x789.jpg


O homem que consegue levantar-se a si próprio, solo. A auto-determinação absolutizada e transformada em mito.

O self-made man, o homem performance, o homem tudo ou nada...

Lindo...mas não passa de um mito, tão pernicioso nos seus efeitos políticos como a ideia de que o homem é um ser
intrinsecamente, necessariamente e inteiramente social. São dois determinismos, reversos da mesma moeda. De um lado, o totalitarismo da colectividade indelevelmente inscrito na concepçao social do homem. Do outro, o totalitarismo atómico da sociedade pós-moderna repleta de indivíduos estrela que celebram as suas virtudes e confessam os seus defeitos nos confessionais foleiros da TVi. Um dilúvio de individuos ignorantes, o declínio da própria individualidade (marcuse).

Sinceramente, estas duas formas de liberdade parecem-me claramente insatisfatórias. Nunca percebi o espanto q se faz em torno da positive and negative liberty.

Prefiro outros obras de Berlin, como o Crooked Timber of Humanity, for instance.

ta ta old chap

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