“Facista”, “Comuna”, “Neoliberal”!
Quando eu era novo, nesta ilha, se por exemplo um
indivíduo estacionasse o carro à frente da garagem de outro, e este lhe
dissesse para o tirar pois precisava de se servir dessa entrada, um dos
impropérios que se poderia ouvir do infrator era “A rua é de todos… facista!”. O mesmo “facismo” que levava esse dono da casa a queixar-se de lhe terem
garatujado umas palavras na parede que recentemente pintara de branco, ou o vendedor
de gravatas a não baixar os preços enquanto houvesse quem os pagasse, o
professor a não aceitar resoluções de equações do 3º grau mediante a fórmula do
2º grau…
Os cientistas políticos não convergem numa definição
exata de “fascismo”. Em todo o caso, associam-lhe traços como antirracionalismo;
defesa da luta pela qual sobrevivem os mais fortes; elitismo destes sob a
orientação de um líder autoritário que corporiza a nação; afinidade pelas
políticas socialistas relativas às baixas classes socioeconómicas, e ao
intervencionismo económico do governo. O leitor concordará que vai uma diferença
entre quem defenda isto e as personagens daqueles outros casos.
Passou-se o tempo, e à reclamação “facista!” sucedeu-se o rosnido “comuna!”. O caso mais esclarecedor que
conheço foi comigo: quando o PSD do Doutor Cavaco Silva se propôs privatizar as
grandes empresas públicas – mediante acordo constitucional com o PS do Dr. Vítor
Constâncio (o país não deve a este último apenas os encómios ao endividamento
público após o euro, e a ausência de supervisão bancária eficaz pelo BdP ao
BPN, BPP…) – eu votei com sinceridade naquele primeiro partido. Poucos anos
passados, porém, nas conversas sobre política comecei a perguntar aos meus
companheiros de voto o que é que no país estávamos a preparar para produzir, de
forma que porventura a diferença entre o custo de transporte desses próximos produtos
pelas novas autoestradas e IP’s, e um respetivo custo de transporte pelas
antigas estradas nacionais, pagasse a parcela portuguesa do custo daquelas vias
mais a sua manutenção ulterior. Enquanto privadamente repetia essa pergunta, publicamente
os deputados do PS disputavam ao governo a autoria dos projetos, e o mérito do saneamento
das contas públicas mais a negociação dos subsídios europeus, que haviam permitido
aquelas obras, mas nunca discutiam a primazia económica destas. Quanto ao CDS,
era então “o partido do táxi” – só mesmo os motoristas destes escutavam o que esses
4 deputados lhes diziam. Oposição, qualquer que fosse, restava a do PCP.
Assim, resposta à minha pergunta, nunca a obtive. Mas
um antigo conhecido “cumprimentou-me” um dia com algum azedume: “Oh… comuna!”. Ao pé da propriedade deste
dito, as anteriores classificações de “facista”
tornam-se respeitáveis taxonomias em doutoramentos de ciência política. Pelo
que me dispenso de a comentar.
O tempo continuou a passar. E, tal como a anterior
reclamação fora substituída por esse último rosnido, foi este agora substituído
pela terrível acusação “neoliberal!”. Atribuída, por exemplo, ao Dr. Passos
Coelho e ao Doutor Vítor Gaspar que em 2013, contra a regra acordada com a troika de que dois terços do equilíbrio
das contas públicas decorreriam de cortes nas despesas, e apenas um terço do
aumento das receitas, implementaram o “enorme aumento de impostos”. Atribuída,
antes disso, à desregulação dos novos mercados financeiros da última década do
séc. XX, etc.
Estou em crer que quem emite tal acusação estará a
referir-se a algo relativo ao velho conceito “liberalismo”. A definição deste
último é o que se irá fazendo nesta Coluna Liberal, que tenho o gosto de
partilhar com o Nuno Almeida e Sousa – aliás, que já começámos a esboçar nas
duas crónicas anteriores. Por agora, avançarei apenas que esta ideologia (ou
doutrina) política é rigorosamente contrária a “enormes” intervenções do Estado
na economia, nomeadamente através de impostos. Tanto como é contrária à
ausência de qualquer regulação do mercado, sem a qual há
muito se sabe que este tende a destruir-se.
A globalização financeira selvagem, o Dr. Passos
Coelho… serão pois tão liberais quanto é comunista quem desconfia da
centralização da economia de um país nas obras públicas. Quanto é fascista quem
reivindica o respeito pelo Código de Estrada.
No meu liberalismo, todavia, em nada quero restringir
a liberdade e criatividade linguísticas. Apenas me parece que, para se evitarem
ambiguidades e outras confusões, seria preferível remeter o “facista!”, o “comuna!” e o “neoliberal!”, por exemplo, para os estádios de
futebol, já enfastiados dos nomes do costume à orientação sexual do árbitro,
assim como às práticas dessa natureza da mãe e da mulher deste. Fora isso, não
vejo que uso possam ter.
Miguel Soares de Albergaria no Jornal Diário dos Açores Edição de 26 de Maio de 2017
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