27 de junho de 2017

Coluna Liberal - Açores a caminho do resgate financeiro?

Graças ao Dr. Ricardo Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Vila Franca, aqueles de nós que não estamos por dentro dos meandros político-económicos regionais ficamos a saber que o Relatório e Contas da Musami, de 2016, alerta para que “a permanente política de limite financeiro [na região autónoma dos Açores] está a conduzir as contas da região para uma situação de resgate, com uma dívida sempre crescente e com muitos mecanismos de endividamento ativos, através de empresas deficitárias e organismos com autonomia financeira totalmente dependentes do orçamento regional” (p. 25).
Em boa hora o conhecido político nos chamou a atenção para isto. Já se a forma como o fez foi igualmente boa – leia-se “democrática” – ao ter promovido um inquérito a quem terá tido a responsabilidade – preferirá o Sr. presidente o termo “desplante”?… – de um tal diagnóstico económico, deixaremos aqui para outra oportunidade.
Falando por mim, nem sabia que dispomos online de tais avaliações da nossa conjuntura económica feita por técnicos avalizados, neste caso, pelos presidentes das seis Câmaras desta ilha. Para um leigo em economia, como eu, tanto aquela facilidade de acesso, quanto estes avales, são bastante úteis.
Mas essa chamada de atenção do dirigente do PS é relevante muito para lá da minha insignificante pessoa, ou mesmo do liberalismo a que esta coluna se vota. Pois todos quantos tínhamos informação de que, por exemplo, Taiwan ou a Coreia do Sul encetaram crescimentos sustentados, desde a década de 1980, sem terem desregulamentado nem liberalizado os seus sistemas comercial, financeiro, laboral… percebíamos que o crescimento não exige necessariamente o liberalismo económico. Este último, então defendido no seio do chamado “consenso de Washington”, constitui apenas mais um dos caminhos do processo anterior.
Todavia, pelo menos desde a síntese feita por Larry Summers (secretário do Tesouro com Bill Clinton) em 2003, parecia claro que haverá ao menos três condições da taxa de crescimento de um país ou região: a capacidade destes se integrarem na globalização comercial e financeira. A sua eficácia na implementação de instituições (regras e organizações) que assegurem os contratos e protejam os direitos de propriedade. Enfim, a manutenção de uma moeda consistente, e – chegamos ao ponto referido no Relatório da Musami – de finanças públicas sustentáveis.
Mais precisamente, a manutenção da estabilidade da dívida pública, numa relação julgada “razoável” com os agregados nacionais (nomeadamente com o PIB).
Exatamente o oposto do que foi feito pela governação, em que o Dr. António Costa foi ministro de Estado (vice-primeiro ministro), que conduziu a política económica nacional até ao resgate financeiro de 2011 (o atual PM era então presidente da Câmara de Lisboa). Felizmente o atual governo da República, repartindo o mérito com o PCP e o Bloco de Esquerda que o apoiam, tem antes prosseguido o controlo da dívida pública encetado pelo governo do Dr. Passos Coelho – que em 2013 a estabilizou em relação ao PIB (embora em mais do dobro do que foi considerado “razoável” pelos fundadores da zona euro…).
Eis senão que, relativamente à nossa região, o Relatório da Musami vem dizer que estaremos a seguir o exemplo do Costa-ministro de Estado e não do Costa-primeiro ministro.
A nós, liberais, isto preocupa particularmente.
Não é por acaso que um dos movimentos que hoje visa criar um partido liberal português, a Iniciativa Liberal, no nº 5 do seu Manifesto estabelece que “o Estado deve ter limites na sua capacidade de endividamento”.
Ou que até mais radicalmente, outro movimento que está promovendo o mesmo objetivo político-partidário, os Democratas, na respetiva declaração de valores deixa para segundo lugar a liberdade individual – valor que define o liberalismo. Para colocar em primeiro lugar a sustentabilidade a longo prazo.
 É que nós enfatizamos o plano individual porque reconhecemos que, para além de cada pessoa, há outras pessoas que precisamente são outras – quer dizer, que podem pensar, sentir, decidir… de formas diferentes. Esta diferença é o sinal de uma realidade que importa respeitar. Quem não o fizer, arrisca-se a partir os dentes ao embater nela – como costuma acontecer aos devedores que se furtam às respetivas obrigações que os credores, e os potenciais emprestadores futuros, julguem razoáveis.
Em suma, não fazemos nossa a frase do papa económico dos socialistas contemporâneos, J.M. Keynes, “a longo prazo, estaremos todos mortos” – a qual aliás pode ser endossada por quaisquer defensores de investimentos públicos desmesurados.

A longo prazo, contrapomos, estará viva a geração que nos suceder, à qual não devemos menos respeito do que à nossa. E, nela, as nossas filhas e filhos, de quem cuidamos mais do que a nós próprios.

Miguel Soares de Albergaria in Diário dos Açores 23 de Junho de 2017

10 de junho de 2017

Coluna Liberal _ Hayek,Hayek Esse Diabo!

O título desta minha Coluna Liberal de hoje vem a propósito de um comentário de um leitor, atento e assíduo, ao meu artigo de há um mês. Sendo o primeiro intuito desta coluna esclarecer equívocos à volta dos conceitos e das práticas liberais, não só como ideário económico mas principalmente no campo da filosofia política à qual Hayek dedicou mais de metade da sua produção bibliográfica na segunda metade da sua vida adulta, nada mais apropriado para esta minha segunda crónica do que desmistificar a demonização que os grandes inimigos da liberdade insistem em materializar no Liberalismo. Foi precisamente na área da filosofia social e política que Hayek se afirmou como pensador do liberalismo contemporâneo, uma espécie de doutrina social e política indissociável da doutrina económica mas nunca tendente a as confundir nem sequer tendente a “disputar palco” com a Democracia. Hayek, em “Caminhos para a Servidão”, por exemplo, ou em “fundamentos para o Liberalismo” faz um apelo e constrói uma linha de raciocínio que nos leva à conclusão de que, na contemporaneidade, essa relação desconexa é, ao invés, de complementaridade. Tal como também defendeu Norberto Bobbio já no final da sua vida de sábio, o liberalismo, ou a sua aceção mais comum, corresponde a uma ideia das funções do Estado e dos seus limites de atuação que nos garantam proteção quer em relação ao chamado estado absoluto assim como em relação ao denominado estado social ou estado providência. Para Hayek, como para Bobbio, o Estado Liberal, em contraponto com o estado absoluto, do ponto de vista filosófico, é aquele que garante a não ingerência no gozo dos direitos naturais do individuo. Será então o Estado Liberal individualista? Claro que não, bem pelo contrário. Esse é o argumento utilizado pelos seus detratores, acusam os liberais de serem individualistas e avessos às questões do bem comum. Na verdade, a ideia de bem comum está sempre presente em toda a doutrina liberal desde a ascensão do Estado Liberal de XVII e XVIII até aos nossos dias , os caminhos para o alcançar é que são diferentes, são caminhos que se centram  na “inobjetibilidade”  do ser humano, na sua liberdade, criatividade e sentido de responsabilidade na vida do coletivo. No fundo o Estado Liberal recusa o Homem como um simples conjunto de matéria e recusa “cilindrar” a liberdade individual em nome de vagos interesses supostamente coletivos.
Hoje, a complementaridade entre o Estado Liberal e a Democracia de que nos falam Hayek e Bobbio em meados do século XX, são inegáveis, só os Estados Democráticos são, de facto, capazes de proteger as liberdades individuais assim como os estados totalitários são simultaneamente antiliberais e antidemocráticos. O Estado administrativo, tal como o conhecemos hoje, o estado que planeia centralmente através de normas e regulamentos, o Estado dos automatismos que retirou humanismo à administração em nome de uma maior clareza e imparcialidade é um Estado capaz de nos conduzir ao mais inequívoco estado de dependência e é, por isso, o grande inimigo e a mais forte ameaça política à liberdade individual. O Estado Administrativo Contemporâneo (expressão do autor), dos automatismos, das plataformas digitais e das decisões à distância de um click, ao contrário do que é afirmado pelos seus defensores, não nos protege das injustiças e das más opções e dos erros humanos, bem pelo contrário. Hoje, quando o humano erra a introduzir as informações num sistema automatizado, a culpa passa a ser da máquina e primeiro que alguém corrija esse erro tudo demora demasiado tempo, cronos esse que para os indivíduos pode não existir.
Hoje, sessenta anos depois de Hayek se ter  dedicado ao estudo das contradições e ao escrutínio do socialismo de então é importante esclarecer a diferença entra o Estado liberal e o Estado Social ou Estado Providencia  mas sem perder o rasto ou a esteira desse pensamento liberal do século que assistiu a duas grandes guerras mundiais e ao parto e morte dos mais vis totalitarismos.  O estado totalitário Socialista Soviético não foi menos castrador das liberdades individuais do que o foram os fascismos de Itália e Espanha ou o Nacionalismo de Salazar. O estado socialista soviético que aboliu as empresas privadas, nacionalizou a propriedade privada e concentrou no Estado os meios de produção e promoveu um sistema de “economia planificada” alicerçado em planos a cinco anos não é um estado que respeite as liberdades individuais nem sequer respeite as opções éticas de cada um enquanto individuo. Daí a grande contradição da esquerda contemporânea que tem a boca cheia da palavra liberdade mas a “alma” a transbordar de tiques totalitaristas e antidemocráticos dos regimes de então e de agora.

Publicado em Diário dos Açores, Ponta Delgada  9 de Junho de 2017







8 de junho de 2017

O Blogue feito pelo Diário Insular.Leitura obrigatória

DIZ HÉLDER MENDES, VIGÁRIO GERAL DA DIOCESE DE ANGRA, SOBRE AS FESTAS PROMOVIDAS POR AUTARQUIAS, GOVERNO E OUTROS

Apropriação do Espírito Santo
é "um pouco herética"


O Espírito Santo tem uma dimensão "vistosa" que é apelativa, diz Hélder Mendes. O vigário geral da Diocese diz que não compete às autarquias e ao Governo organizar coroações e dar esmolas. 
A apropriação do Espírito Santo por parte de Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia, entidades governamentais ou coletividades é "um pouco herética", diz Hélder Mendes. Em entrevista à Antena 1/Açores, o vigário geral da Diocese de Angra defende que a organização de coroações e a distribuição de esmolas por parte dessas entidades é apenas aparência e, portanto, vazia de substância.
"Quando os estatutos das irmandades dizem que a finalidade é prestar culto à terceira pessoa da Santíssima Trindade e a prática da caridade, em princípio este é o espírito de um sujeito individual que é religioso ou de uma irmandade constituída por sujeitos que também são religiosos e que têm esse fim: louvar o Espírito Santo e praticar obras de caridade. A uma pessoa coletiva não religiosa ou um sujeito coletivo não religioso falta-lhe esta dimensão", avançou.
O responsável diocesano, que falava no programa Grande Entrevista, emitido ontem na rádio pública regional, entende, por isso mesmo, que as entidades em causa devem abster-se dessas práticas.
"Não me parece que faça sentido - quer dizer, pode fazer sentido do ponto de vista político, mas tendo em conta a conversa que estamos a ter, da aparência ou da vista, parece-me que essas entidades não o deveriam promover e desligar a atitude de um sujeito religioso que verdadeiramente fez aquela promessa ou tem aquela intenção, abstendo-se de toda essa parte - que é o motor - e ficar só com a aparência para que os outros vejam. Não compete às autarquias estarem a fazer esmolas, mesmo que digam que as esmolas não são de orçamentos públicos - pois então que sejam feitas através de irmandades. Não têm de ser as autarquias a gerir pensões, a gerir esmolas, a fazer coroações quando isso compete a sujeitos religiosos ou a entidades coletivas com uma finalidade religiosa", disse.
Segundo Hélder Mendes, esta "utilização" do Espírito Santo não só retira à festa a sua motivação - ligada, conforme referiu, ao culto da terceira pessoa da Santíssima Trindade e à caridade -, como também dificulta o trabalho da Igreja, isto é, o trabalho de evangelização.
"Hoje praticamente todos os párocos da Diocese acompanham as famílias nas suas casas, nos impérios e nas igrejas. Agora, uma Câmara? Como é que se vai evangelizar uma Câmara a convidar meninas, bandeiras, rainhas e filarmónicas?", questionou.
Ainda assim, referiu o vigário geral da Diocese de Angra, a situação em causa não deixa de criar um dilema às paróquias. É que ainda que não tenham motivações religiosas, as festas não deixam de lado essa dimensão. As coroações, por exemplo, mesmo as que são organizadas por autarquias, passam pela Igreja.
"A Câmara de Angra, por exemplo, durante uns anos suspendeu a coroação do Espírito Santo e penso que com muito mérito. (...) A festa do Espírito Santo foi até ao 11 de junho e depois a 24 de junho há o São João que não é Espírito Santo e, portanto, não têm de chamar turistas para fazer o Espírito Santo, nem convidar irmandades pela ilha para virem a Angra - estou a dizer Angra, mas Ponta Delgada está da mesma maneira - ou crianças e impérios para vir fazer uma coroação à cidade. Mas fazer o quê se já fizeram há quinze dias nos seus impérios? É uma representação vazia e essas representações vazias não têm de ser alimentadas", sustentou.
TURISTAS NOS BODOSEm entrevista à Antena 1/Açores, Hélder Mendes referiu-se, ainda, a um fenómeno que diz ser recente, mas que começa a espalhar-se pela Região. Trata-se, avançou, da organização de festas do Espírito Santo só para os turistas verem.
Segundo o vigário geral da Diocese de Angra, essa prática constitui mais uma "montagem fictícia".
"Mas mesmo assim, entre duas possibilidades, eu escolheria essa, a do turista ir ver o bodo do domingo de Pentecostes ou da Santíssima Trindade, do que a de andar durante o verão a fazer montagens para que as autarquias ou as comissões de festas estejam a montar cenários que não são verdadeiros. Deixa até numa atitude de incómodo a própria Igreja", considerou.
Nessa linha, aliás, o responsável alertou para o perigo de caracterizar a festa do Espírito Santo apenas como sendo "uma questão meramente cultural".
"É verdade que é cultura e ainda bem que assim é, mas a sua raiz e a sua motivação são outras, são mais profundas, e quando se tira essa motivação espiritual para aparência só de vista, estamos a esvaziar a verdadeira razão ou a essência do Espírito Santo e a ficar só com a casca. Para essa entidade que promove saiu a atividade muito bem, mas de facto não é um bom serviço ao Espírito Santo ou à motivação da festa. Não passa pela cabeça de ninguém uma autarquia fazer uma procissão do Senhor Santo Cristo com andor igual àquele, que é muito bonito", atentou.
Sopas são para
quem precisa
FUNÇÕES DE STATUS SOCIALOra, segundo Hélder Mendes, também as famílias correm o risco de esvaziar o Espírito Santo de sentido. Em causa, considerou, estão as funções por convite - e que deixam de lado a oferenda de sopas e pão a quem mais necessita.
"Haver os convidados, por um lado, é necessário: é bonito convidar as pessoas para haver um certo controlo da dimensão da refeição. Mas de facto, tem esse perigo de se convidar aquele que me pode convidar e esse que convida alguém para a coroação já fica, de alguma maneira, com um ponto ou com um crédito para ser convidado quando, de facto, o que o evangelho diz a esse propósito é que quando fizeres um ato destes convida aquele que não te pode pagar", afirmou.
Para o vigário geral da Diocese de Angra, aliás, utilizar o Espírito Santo para promoção social é um "desastre".
"Se a pessoa convida como sendo uma festa privada, às vezes para honra do próprio imperador ou imperatriz, para que aquela família seja socialmente destacada, de facto é de pôr em questão. É um desastre, é quase invocar o nome de Deus em vão. De facto, pode haver essa tentação de uma promoção social em nome do Espírito Santo", avançou.
Ainda assim, Hélder Mendes mantém-se positivo quanto a essas práticas e diz que o que continua a ver-se são "as sopas para todos".
Para além disso, referiu, o Espírito Santo mantém a essência da caridade e da partilha sem vaidade.
"Os verdadeiros atos mais discretos do Espírito Santo não aparecem, porque são tão localizados e são tantos em simultâneo que é impossível dar conta da riqueza do que se passa. O que se nota, o que é público, são os grandes espetáculos de aparências, que são mediatizados - já se convocam os meios de comunicação social para que estejam ali. O mais genuíno e verdadeiro não é isto. O que se passa nas casas das pessoas, nas construções dos altares, não é disto; o que se passa nos impérios durante a oração não é disto; as esmolas que se dão na rua sem ser aos irmãos também não são disto. Há irmandades que vivem simplesmente disto", sublinhou.

IGREJA VAI EMITIR DOCUMENTOS SOBRE O ESPÍRITO SANTO
Evangelizar a festa
A Diocese de Angra está a preparar documentos sobre o Espírito Santo. O que se pretende, avançou Hélder Mendes à Antena 1/Açores, é avançar com uma maior evangelização da religiosidade popular. E evangelizar, adiantou o vigário geral, não é disciplinar.
Em causa está documentação - que deverá estar pronta no prazo de um ano - sobre a fé, sobre as celebrações e sobre a caridade.
"A Igreja não é o único interveniente, nem é dona do Espírito Santo - não há donos do Espírito Santo. Agora, entende que há uma dimensão que tem a ver com a fé cristã, porque se é o mistério da Santíssima Trindade, se a Igreja vive da fé e da comunhão no Pai, no Filho e no Espírito, se o evangelho está sempre a remeter-nos para o Espírito Santo que é o espírito de Cristo, a sua memória, a Igreja tem todas as fontes para ir acompanhando a presença e a ação do Espírito Santo - nas pessoas, na alma das pessoas, na vida da comunidade, na vida da Igreja, na vida do mundo. É isso que procura fazer, porque não há propriamente uma entidade reguladora ou uma entidade fiscalizadora", disse.
No programa Grande Entrevista, Hélder Mendes chamou, ainda, a atenção para o perigo de regionalizar a festa.
"Os Açores quase se apropriaram do Espírito Santo. Ora, o Espírito Santo é o espírito de Deus, é universal e está em todas as partes do mundo. Se nos Açores permanece com esse enquadramento, então temos de zelar é pela sua integridade e não pela sua apropriação. Ninguém se deve apropriar do Espírito Santo, nem a Região, nem sequer a Igreja", afirmou.

6 de junho de 2017

Coluna Liberal-Miguel Albergaria

Facista”, “Comuna”, “Neoliberal”!

Quando eu era novo, nesta ilha, se por exemplo um indivíduo estacionasse o carro à frente da garagem de outro, e este lhe dissesse para o tirar pois precisava de se servir dessa entrada, um dos impropérios que se poderia ouvir do infrator era “A rua é de todos… facista!”. O mesmo “facismo” que levava esse dono da casa a queixar-se de lhe terem garatujado umas palavras na parede que recentemente pintara de branco, ou o vendedor de gravatas a não baixar os preços enquanto houvesse quem os pagasse, o professor a não aceitar resoluções de equações do 3º grau mediante a fórmula do 2º grau…
Os cientistas políticos não convergem numa definição exata de “fascismo”. Em todo o caso, associam-lhe traços como antirracionalismo; defesa da luta pela qual sobrevivem os mais fortes; elitismo destes sob a orientação de um líder autoritário que corporiza a nação; afinidade pelas políticas socialistas relativas às baixas classes socioeconómicas, e ao intervencionismo económico do governo. O leitor concordará que vai uma diferença entre quem defenda isto e as personagens daqueles outros casos.
Passou-se o tempo, e à reclamação “facista!” sucedeu-se o rosnido “comuna!”. O caso mais esclarecedor que conheço foi comigo: quando o PSD do Doutor Cavaco Silva se propôs privatizar as grandes empresas públicas – mediante acordo constitucional com o PS do Dr. Vítor Constâncio (o país não deve a este último apenas os encómios ao endividamento público após o euro, e a ausência de supervisão bancária eficaz pelo BdP ao BPN, BPP…) – eu votei com sinceridade naquele primeiro partido. Poucos anos passados, porém, nas conversas sobre política comecei a perguntar aos meus companheiros de voto o que é que no país estávamos a preparar para produzir, de forma que porventura a diferença entre o custo de transporte desses próximos produtos pelas novas autoestradas e IP’s, e um respetivo custo de transporte pelas antigas estradas nacionais, pagasse a parcela portuguesa do custo daquelas vias mais a sua manutenção ulterior. Enquanto privadamente repetia essa pergunta, publicamente os deputados do PS disputavam ao governo a autoria dos projetos, e o mérito do saneamento das contas públicas mais a negociação dos subsídios europeus, que haviam permitido aquelas obras, mas nunca discutiam a primazia económica destas. Quanto ao CDS, era então “o partido do táxi” – só mesmo os motoristas destes escutavam o que esses 4 deputados lhes diziam. Oposição, qualquer que fosse, restava a do PCP.
Assim, resposta à minha pergunta, nunca a obtive. Mas um antigo conhecido “cumprimentou-me” um dia com algum azedume: “Oh… comuna!”. Ao pé da propriedade deste dito, as anteriores classificações de “facista” tornam-se respeitáveis taxonomias em doutoramentos de ciência política. Pelo que me dispenso de a comentar.
O tempo continuou a passar. E, tal como a anterior reclamação fora substituída por esse último rosnido, foi este agora substituído pela terrível acusação “neoliberal!”. Atribuída, por exemplo, ao Dr. Passos Coelho e ao Doutor Vítor Gaspar que em 2013, contra a regra acordada com a troika de que dois terços do equilíbrio das contas públicas decorreriam de cortes nas despesas, e apenas um terço do aumento das receitas, implementaram o “enorme aumento de impostos”. Atribuída, antes disso, à desregulação dos novos mercados financeiros da última década do séc. XX, etc.
Estou em crer que quem emite tal acusação estará a referir-se a algo relativo ao velho conceito “liberalismo”. A definição deste último é o que se irá fazendo nesta Coluna Liberal, que tenho o gosto de partilhar com o Nuno Almeida e Sousa – aliás, que já começámos a esboçar nas duas crónicas anteriores. Por agora, avançarei apenas que esta ideologia (ou doutrina) política é rigorosamente contrária a “enormes” intervenções do Estado na economia, nomeadamente através de impostos. Tanto como é contrária à ausência de qualquer regulação do mercado, sem a qual há muito se sabe que este tende a destruir-se.
A globalização financeira selvagem, o Dr. Passos Coelho… serão pois tão liberais quanto é comunista quem desconfia da centralização da economia de um país nas obras públicas. Quanto é fascista quem reivindica o respeito pelo Código de Estrada.

No meu liberalismo, todavia, em nada quero restringir a liberdade e criatividade linguísticas. Apenas me parece que, para se evitarem ambiguidades e outras confusões, seria preferível remeter o “facista!”, o “comuna!” e o “neoliberal!”, por exemplo, para os estádios de futebol, já enfastiados dos nomes do costume à orientação sexual do árbitro, assim como às práticas dessa natureza da mãe e da mulher deste. Fora isso, não vejo que uso possam ter.

Miguel Soares de Albergaria no Jornal  Diário dos Açores Edição de 26 de Maio de 2017

Arquivo do blogue