Graças ao Dr. Ricardo Rodrigues, presidente da Câmara
Municipal de Vila Franca, aqueles de nós que não estamos por dentro dos
meandros político-económicos regionais ficamos a saber que o Relatório e Contas da Musami, de 2016, alerta
para que “a permanente política de limite financeiro [na região autónoma dos
Açores] está a conduzir as contas da região para uma situação de resgate, com
uma dívida sempre crescente e com muitos mecanismos de endividamento ativos,
através de empresas deficitárias e organismos com autonomia financeira
totalmente dependentes do orçamento regional” (p. 25).
Em boa hora o conhecido político nos chamou a atenção
para isto. Já se a forma como o fez foi igualmente boa – leia-se “democrática”
– ao ter promovido um inquérito a quem terá tido a responsabilidade – preferirá
o Sr. presidente o termo “desplante”?… – de um tal diagnóstico económico,
deixaremos aqui para outra oportunidade.
Falando por mim, nem sabia que dispomos online de tais
avaliações da nossa conjuntura económica feita por técnicos avalizados, neste
caso, pelos presidentes das seis Câmaras desta ilha. Para um leigo em economia,
como eu, tanto aquela facilidade de acesso, quanto estes avales, são bastante
úteis.
Mas essa chamada de atenção do dirigente do PS é
relevante muito para lá da minha insignificante pessoa, ou mesmo do liberalismo
a que esta coluna se vota. Pois todos quantos tínhamos informação de que, por
exemplo, Taiwan ou a Coreia do Sul encetaram crescimentos sustentados, desde a
década de 1980, sem terem desregulamentado nem liberalizado os seus sistemas
comercial, financeiro, laboral… percebíamos que o crescimento não exige necessariamente
o liberalismo económico. Este último, então defendido no seio do chamado
“consenso de Washington”, constitui apenas mais um dos caminhos do processo
anterior.
Todavia, pelo menos desde a síntese feita por Larry
Summers (secretário do Tesouro com Bill Clinton) em 2003, parecia claro que
haverá ao menos três condições da taxa de crescimento de um país ou região: a capacidade destes se integrarem na globalização
comercial e financeira. A sua eficácia na implementação de instituições (regras
e organizações) que assegurem os contratos e protejam os direitos de
propriedade. Enfim, a manutenção de uma moeda consistente, e – chegamos ao
ponto referido no Relatório da Musami – de finanças públicas sustentáveis.
Mais precisamente, a manutenção da estabilidade da
dívida pública, numa relação julgada “razoável” com os agregados nacionais
(nomeadamente com o PIB).
Exatamente o oposto do que foi feito pela governação,
em que o Dr. António Costa foi ministro de Estado (vice-primeiro ministro), que
conduziu a política económica nacional até ao resgate financeiro de 2011 (o
atual PM era então presidente da Câmara de Lisboa). Felizmente o atual governo
da República, repartindo o mérito com o PCP e o Bloco de Esquerda que o apoiam,
tem antes prosseguido o controlo da dívida pública encetado pelo governo do Dr.
Passos Coelho – que em 2013 a estabilizou em relação ao PIB (embora em mais do
dobro do que foi considerado “razoável” pelos fundadores da zona euro…).
Eis senão que, relativamente à nossa região, o
Relatório da Musami vem dizer que estaremos a seguir o exemplo do
Costa-ministro de Estado e não do Costa-primeiro ministro.
A nós, liberais, isto preocupa particularmente.
Não é por acaso que um dos movimentos que hoje visa
criar um partido liberal português, a Iniciativa Liberal, no nº 5 do seu
Manifesto estabelece que “o Estado deve ter limites na sua capacidade de
endividamento”.
Ou que até mais radicalmente, outro movimento que está
promovendo o mesmo objetivo político-partidário, os Democratas, na respetiva declaração
de valores deixa para segundo lugar a liberdade individual – valor que define o
liberalismo. Para colocar em primeiro lugar a sustentabilidade a longo prazo.
É que nós
enfatizamos o plano individual porque reconhecemos que, para além de cada pessoa,
há outras pessoas que precisamente são outras
– quer dizer, que podem pensar, sentir, decidir… de formas diferentes. Esta
diferença é o sinal de uma realidade que importa respeitar. Quem não o fizer,
arrisca-se a partir os dentes ao embater nela – como costuma acontecer aos
devedores que se furtam às respetivas obrigações que os credores, e os
potenciais emprestadores futuros, julguem razoáveis.
Em suma, não fazemos nossa a frase do papa económico
dos socialistas contemporâneos, J.M. Keynes, “a longo prazo, estaremos todos
mortos” – a qual aliás pode ser endossada por quaisquer defensores de
investimentos públicos desmesurados.
A longo prazo, contrapomos, estará viva a geração que
nos suceder, à qual não devemos menos respeito do que à nossa. E, nela, as
nossas filhas e filhos, de quem cuidamos mais do que a nós próprios.
Miguel Soares de Albergaria in Diário dos Açores 23 de Junho de 2017