28 de abril de 2020

Morrer da cura

A voz embargada do Presidente do Governo no fim de uma recente entrevista à RTP-a não enche a barriga àqueles que recorrem diariamente aos movimentos cívicos por um prato de sopa. Nem pouco mais ou menos. As estratégias de contenção do vírus, são uma utopia que apenas servem os que, com o vencimento garantido, estão em casa sem nada fazer um fazendo muito pouco. Por outro lado estão a destruir a uma velocidade avassaladora, empregos, empresas, famílias e até a matar doentes ditos não-covid por falta de assistência médica e exames de diagnóstico, mais do que do próprio vírus, estamos a, padecer da cura. Não vamos acabar com este maldito vírus nem dentro de 2 anos mesmo para os mais optimistas, estaremos sempre sujeitos a uma segunda vaga antes de existirem vacinas e tratamentos eficazes. O Mundo não pode ficar parado esse tempo todo. As economias mais frágeis sofrerão irreversíveis perdas e os mais pobres não sairão dessa condição e verão o seu grupo engrossado por aqueles que, aos milhões, passarão da condição de remediados para a de pobres irremediáveis.

In Jornal Açoriano Oriental, edição de 28 de Abril de 2020

22 de abril de 2020

Abril confinado



A Assembleia da República, insiste e bem, em comemorar o 25 de Abril apesar das medidas confinantes do Estado de Emergência. Com a opinião púbica e publicada dividida, mais para o lado do não do que para o lado do sim, fica-nos a ideia de que nada disso tem a ver com as verdadeiras razões sanitárias mas com atavismos que ainda povoam algumas cabeças que pululam pela nossa deslastrada democracia. Digamos que essa falta de lastro é fruto de uma certa iliteracia política que o país teima em não ultrapassar. Nem mesmo nos meios mais politicamente ativos se pode ainda falar de verdadeira Democracia. Ainda há muito decisor que não leu um único livro de ciência politica, de filosofia social ou nem sequer os princípios programáticos do partido onde milita. Afinal o que faz falta é mesmo instruir. Discutir se devemos ou não comemorar o 25 de Abril é resvalar para o que de pior a politica tem, apagar memórias. E já agora arrumem definitivamente essa ideia rocambolesca de adiar eleições. A Democracia não está sitiada, felizmente.


In Jornal Açoriano Oriental, edição de 22 de Abril de 2020

14 de abril de 2020

Miseráveis




Marcelo Rebelo de Sousa já não surpreende. Só surpreendeu por ter migrado do estilo popularucho das selfie e dos beijinhos por aqui e por ali, para um regime absolutamente populista que culminou esta semana com uma chamada para o Luís, o enfermeiro que assistiu à cabeceira, num hospital público de Londres, Boris Johnson aquele a quem os portugueses, que se julgam gente,  não se coíbem de criticar. O Luis, as suas competências adquiridas e o seu profissionalismo, são a personificação do que de melhor se faz em Portugal, os nossos profissionais de saúde são do mais humano e competente que há por este Mundo fora. O Luís, no entanto, teve que emigrar para o Reino Unido para ver essas suas competências reconhecidas, em Portugal estava a trabalhar sem condições, sem equipamentos de proteção e a ganhar 6,4 euros à hora. O Luís afinal, também representa o que de mais miserável existe neste país onde a única porta para o reconhecimento é a emigração. Exportamos os melhores e exportamos recursos materiais, isso explica porque somos cada vez mais pobres.


In Jornal Açoriano Oriental edição de 14 sw Abril de 2020

9 de abril de 2020

Pela calada...



…da noite do obscuro regime do  “Velho das Botas”, polícias e subversivos atuavam entre becos e vielas. Assim ficou a expressão conhecida para esses e para outros que faziam por passar despercebidas as suas manobras secretas. Por cá, em tempos difíceis, há quem se aproveite para ir fazendo o que quer e lhe apetece enquanto a grande maioria está, forçadamente, distraída com as preocupações decorrentes da propagação do vírus. Pela calada da doença, as máquinas irromperam pelos muros dentro do jardim do Museu Carlos Machado, bem depressa e antes que algum ativista tivesse permissão de sair da toca imposta onde nos encontramos. Não havia necessidade de agir assim tão prontamente com a obra que foi sucessivamente escondida da população por gerar contestação. Pela calada da COVID-19, AMISM/MUSAMI, relançaram o concurso público internacional para a construção de uma incineradora a que chamam central de valorização energética, mais um projeto feito pela calada sabendo-se da enorme contestação social que gerou. Deve ser parte do nosso plano para revitalizar a economia da EU.


In Jornal Açoriano Oriental, edição de 7 de Abril de 2020

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