Diário dos Açores - 43 anos depois do 25 de Abril, como estamos nos Açores em matéria de
liberdade, democracia e fortalecimento da sociedade civil?
Nuno Barata - Mais de quarenta anos depois os desígnios e os apetites do Povo português
não são, compreensivelmente, os mesmos que eram na reta final do Estado Novo.
Nessa altura, 25 de Abril de 1974, conquistamos o que se pretendia, o fim de um
regime totalitário estabelecido depois da grande crise da década de 20 do
século passado e conquistamos ainda o fim da chamada Guerra Colonial e consequente
desmantelamento do que restava do Império Ultramarino. Portugal tornou-se
então, formalmente, numa democracia do tipo ocidental, na pártica Abril está
por cumprir.
Nas ciências sociais não há
laboratórios onde possamos testar hipóteses, apenas a história nos serve de
esteio para as mais vastas e dispares teorias sociais. Hoje, falar de liberdade
de expressão como há 40 anos não faz sentido. Hoje falar de liberdade de
associação como há quarenta anos, também não faz sentido. No entanto, hoje podemos
afirmar, com toda a certeza, que em termos de liberdades individuais Abril está
por cumprir. Mesmo se nos determos sobre as liberdades coletivas facilmente
elencamos uma dúzia de situações em que falar de liberdade não passará de um
mero eufemismo.
A construção do Estado Moderno é só por si um travão nas liberdades individuais,
quanto mais estado menos individuo, Se atentarmos a esse domínio, hoje as
liberdades são menos do que há 20, 30, 40, e 60 anos. Os apetites legislativos,
reguladores e regulamentadores dos agentes do Estado são de tal ordem que
chegaram ao ridículo de regulamentar o tamanho mínimo para comercialização das
cenouras. Sem que a polis se aperceba de que se encontra espartilhada entre a
autoridade do estado e a liberdade individual, aquele vai entrando na esfera
deste outro de tal forma que o cidadão perde a sua mais preciosa condição, a de
ser livre.
Os contratualistas de XVII e XVIII, principalmente Rousseau, entendiam que
a cedência de liberdades individuais para uma entidade superior não podia ser
considerada perca de liberdade para a autoridade por se tratar de uma cedência
individual para um todo, “ dando-se a todos, não se dá a ninguém”. Obviamente
esse compromisso entre a liberdade e a autoridade, onde ceder e onde exercer
livremente a sua cidadania, em XVIII era bem diferente do que é hoje como hoje
não é comparável a 1974. No entanto, uma coisa parece-me clara, somos todos
cada vez menos livres porque todos cedemos todos os dias liberdades individuais
para esse tal todo que é ninguém. Nesse campo, põe-se ao filósofo um dilema
cada vez maior. O individuo cede voluntariamente os seus apetites éticos ao
Estado ou é este último que aos poucos vai subtraindo ao individuo as suas
pequenas liberdades? A resposta à próxima pergunta esclarece este dilema.
Diário dos Açores - Os órgãos políticos representativos
dos açorianos têm estado a altura? Os inúmeros casos de crispação no parlamento
regional são um mau exemplo?
Nuno Barata - A resposta a estas duas perguntas do Diário dos Açores, esclarece parte da
pergunta final deixada na resposta anterior que carece de uma análise muito
mais profunda do que este pequeno exercício técnico-jornalístico. Na verdade,
mais importante do que saber se o Estado deve ou não continuar a construir um
edifício legislativo arvorado em Procurador-Geral do bem comum é saber se os
agentes desse mesmo Estado são os adequados, dotados das necessárias
competências técnicas, conhecedores da realidade da polis e revestidos de uma
áurea ética irrepreensível. Nesse aspeto, quer na Região quer no Pais em geral
os agentes políticos não têm estado ao nível que seria de esperar. Os mais
recentes acontecimentos envolvendo políticos de carreira, banqueiros de renome,
empresários de sucesso e até membros do chamado poder judicial, demonstram à
saciedade o quanto falhou a classe politica e consequentemente o Estado na
proteção do bem comum, das esperanças dos cidadãos seus pares e na projeção de
um futuro melhor para os filhos da nação.
Na Região, onde apesar de tudo em termos de corrupção, nepotismo e
plutocracia as coisas têm corrido bem melhor do que no restante território
nacional, há por aqui e por ali casos que maculam sem remissão a imagem de quem
nos governa. Uns por ação, outros por omissão e outros ainda por ignorância,
ressalvando raríssimas e muito honrosas exceções, quase todos saem “com a
fralda suja”. No entanto, digamos que a gente está satisfeita pois continua
escolhendo os mesmos. Recorrendo de novo a Roussesau, cada um sabe o que deve
buscar para que fique satisfeito e em Democracia os eleitos não são mais nem
menos do que o espelho de um povo, o que não nos deixa grandes margens para nos
animarmos e acreditarmos que isto um dia pode melhorar.
Numa Região com níveis de desemprego assustadores, sem perspetiva de
crescimento da economia que permita ao sector privado criar postos de trabalho
e com percentagens elevadas de gente em idade laboral empregue em programas de
ocupação temporária dependentes de departamentos estatais/regionais e como tal totalmente
dependentes de decisões deste ou daquele agente do estado/região, é difícil
acreditar que não exista uma espécie de autocensura que priva o ser humano da
sua liberdade de escolha por decisão própria mas, obviamente, por influência externa e medos atávicos.
Os casos recentes de alguma crispação na sociedade civil em especial no
meio parlamentar, vem confirmar o que há
muito se vem receando, estamos a assistir a uma “ditadura da mediocridade” e a
uma sociedade politica com dois estratos, os que atingem o seu objetivo
(eleição e perpetuação no nível de rendimento que a eleição garante) por via da
retórica fundamentada no politicamente
correto e uma outra fação que, pelo contrário, prefere o discurso do
politicamente incorreto, duas práticas diferentes um mesmo objetivo. Isso não
augura nada de bom para a nossa sociedade.
A política é uma atividade demasiado nobre para ser desenvolvida por gente
sem fundamentos éticos e que assenta a sua atividade apenas com os olhos postos
em eleições por forma a perpetuar os seus níveis de rendimento pessoal (salvo
honrosas e muito poucas exceções). Tal como comecei a minha primeira resposta a
este inquérito, a história é o único laboratório das Ciências Humanas e
ensina-nos, assim de um jeito muito ligeiro, que na origem de todas os tipos de
totalitarismo estão os populismos, as crises financeiras e económicas (fome), a
plutocracia, o nepotismo e a corrupção.
O próprio Estado, tal como hoje conhecemos, primeiro grande atropelo às
liberdades individuais, nasceu conceptualmente no seio de guerras e da miséria
decorrente dos conflitos sociais e bélicos.
Para a economia e para as finanças existe uma conta de deve e haver por
onde se medem os sucessos e os insucessos, para a liberdade não existe esse
instrumento de medida e como tal cabe a cada um medir o nível que quer atingir
dessa mesma liberdade individual.