Tem andado por aí um burburinho por causa das declarações do Ministro Luís Amado concernentes às relações de Portugal com a Líbia e a Venezuela. Bem sei que o Ministro não foi feliz na forma como disse que, nas relações internacionais, umas vezes prevalecem os princípios, noutras os interesses. Também sei que pululam por aí umas virgens ofendidas que se indignam quando se fala de interesses e ainda mais de interesse nacional ou da nação. São palavras que lhes fazem recordar tempos áureos da diplomacia portuguesa e essa gente gosta mesmo é de mediocridade (coisa que este Ministro não é).
Embora existam várias escolas, a verdade é que, nas relações internacionais, só existe uma forma de estar, a realista, aquela em que cada estado defende na ordem externa o que é melhor para a ordem interna, independentemente dos princípios. A ordem interna ou ambiente interno e a ordem externa ou ambiente externo condicionam a acção do decisor. Contudo, elas não são determinantes pois na verdade, essas decisões são tomadas de acordo com as perspectivas políticas de cada um ou de cada conjunto de decisores, com base nas suas convicções, razões de ordem moral ética ou de interesse, ou ainda tendo em conta uma função específica do objecto da decisão política. Ou seja, a escolha ou decisão pode ser tomada seguindo um critério da ética da convicção Weberiana, dos valores (deontológico) ou dos objectivos (teleológico), ou ética da responsabilidade para seguir a terminologia de Max Weber.
Tucídides, na sua História da Guerra do Peloponeso, guerra essa que opôs Esparta a Atenas, explica as causas do conflito como sendo apenas o facto de Atenas se estar a tornar demasiado forte e isso inquietar os Lacedemónios, habitantes de Esparta.
Hobbes, Maquiavel, Morgenthau, Waltz e muitos outros ao longo da história da humanidade e das relações internacionais, discorreram sobre a questão do interesse nacional se sobrepor aos princípios no que à política externa concerne.
Na verdade, o realismo e o neo-realismo se quisermos diferenciar os pensadores da modernidade dos pensadores da contemporaneidade, como correntes da filosofia das relações internacionais são as mais pragmáticas e as que, no fundo, goste-se ou não, são mais eficientes. O realismo, a chamada realpolitik estão, por exemplo, de tal forma enraizadas nas diplomacias Germânica, Soviética, Americana e Francesa que, nesses casos, se pode inclusivamente falar de um realismo intrínseco (terminologia que uso frequentemente quando falo da política externa dos EUA), de tal forma arreigado que a política externa se tornou tecnicista e até cientifica se quisermos.
Não me choca que as democracias mais ou menos lastradas da Europa e da América do Norte mantenham relações com algumas ditaduras e autoritarismos africanos ou da chamada Ibero-america.
Por exemplo: Que mal trouxe para o nosso país o facto de José Sócrates ter andado a fazer umas “gracinhas” a Hugo Chavez? Na minha modestíssima opinião, nenhum. Ao invés, sempre se venderam uns computadores, um navio que estava emplastrado ao molhe há muito e parece que ainda conseguimos fazer umas “negociatas” com petróleo. Com a Líbia passou-se o mesmo e também com o regime liderado por José Eduardo dos Santos.
O que importa, isso sim é deveras obrigatório, é que o mundo democrático faça de tudo para ir democratizando o restante. Porém há coisas que apenas se mudam com grande envolvimento das populações locais e isso parece que agora está pronto a ser possível, pelo menos em algumas latitudes.
O caso de Angola é um dos mais delicados para a nossa diplomacia. Na verdade, a ex-colónia é, a par com o Brasil, uma das mais promissoras e emergentes economias do mundo e, consequentemente, uma grande oportunidade de negócios para algumas empresas portuguesas e tem sido um importante destino da nossa emigração o que nos tem servido de almofada para o desemprego (pequena é certo mas cada um que emigra é menos um à conta da segurança social). Caindo o regime, neste momento, poucas dúvidas há de que se seguirão tempos difíceis e Portugal bem como os restantes parceiros europeus, com a crise que atravessam, não têm capacidade para acolher uma onda de retornados como seria previsível.
Pelo que disse atrás, arrisco em dizer que no caso Angolano, a realpolitik tem um papel ainda mais importante do que nos outros casos onde ainda nos podemos dar ao luxo de pensar em algumas utopias e idealismos.