27 de julho de 2022

Uma questão de equilibrio

 

Em quase tudo nas nossas vidas há um ponto de equilíbrio que procuramos, ou deveríamos tentar encontrar. Equilíbrio que permita soluções, não só consensuais, como, acima de tudo, razoáveis.

Na economia, em especial na gestão e quando temos que fazer opções de investimento na esfera pública, essa busca do que é possível, do que é equilibrado e do que é razoável deve ser permanente. As opções erradas (que todos tomamos nas nossas vidas privadas e com os nossos recursos) tarde ou cedo são pagas, mas isso acontece à nossa custa, à custa dos nossos mais diretos familiares e ninguém tem absolutamente nada que ver ou a haver com isso.

Porém, no domínio da gestão da coisa pública exigem-se escrupulosas escolhas e assertivas opções; que não sejam perdulárias, pois os erros são pagos por todos e, quase sempre, esses erros beneficiam alguns, quase sempre, uns poucos… muito poucos!

É, por isso, importante um permanente escrutínio e uma escrupulosa avaliação do custo versus benefício de uma medida – o que em gestão se chama: equilíbrio. Este equilíbrio é sempre difícil, particularmente entre a eficácia e eficiência. Semanticamente semelhantes, tais substantivos têm, economicamente, significados bastante diferentes. Um dos exemplos que uso, recorrentemente, para explicar tal distinção é o do avião Concorde (os mais novos façam o favor de googlar). Essa aeronave transportava à velocidade mach2, passageiros entre a Europa e a América e era capaz de fazer um voo de Paris para Boston em metade do tempo de um Boeing 747 (Jumbo) que, à altura, era considerado o avião mais avançado desde sempre construído. Ora, o objetivo de transportar passageiros de forma rápida entre um ponto e o outro do planeta foi conseguido com o Concorde. Era, pois, um avião eficaz. No entanto, o custo da operação e o próprio custo da construção destas aeronaves vieram a revelar que este projeto não tinha qualquer viabilidade económica porque não era eficiente… Aquilo que proporcionara em eficácia não era obtido em eficiência. O projeto, que se iniciou em 1965, foi assim abandonado em 1978 e os últimos aviões construídos operaram até 2003.

Por cá, nestas ilhas abençoadas pela Natureza, mas tantas vezes maltratadas pelos Homens, a relação entre eficácia e eficiência torna-se ainda mais relevante, atendendo a que a Região é muito parca em recursos, para não dizer mesmo pobre.

A grande maquia dos recursos que consumimos, quer para investimento, quer para despesa corrente, provem de uma espécie de esmolas recebidas, por um lado, da “mão amiga” de Lisboa, através da Lei de Financiamento das Regiões Autónomas, e, por outro lado, ao abrigo do designado estatuto de ultraperiferia.

Quando damos uma esmola na rua e a vemos mal utilizada pelo recetor pensamos de imediato que não a merecia. Essa é a forma com que, quer os centralistas de Lisboa, quer os burocratas de Bruxelas, olham para uma Região como a nossa, porque passados muitos milhões de esmolas não conseguimos sair da situação de mão estendida. Isso porque os poderes de um passado ainda recente e os de agora se comportaram e comportam como aquele indigente que circula na baixa de Ponta Delgada, que pede para comer, mas gasta em bebidas ou drogas; que diz que tem fome, mas, na verdade, tem vícios.

Ora uma Região cujos governos se perderam e perdem nas eficácias imediatistas do eleitoralismo, em lugar de prevenir as eficiências de longo prazo; uma Região onde foi mais rápida a preocupação de substituir uns, de um Partido, pelos outros, dos outros três partidos, do que reformar a administração pública; uma Região onde foi mais fácil determinar encerrar empresas públicas sem estudar as soluções futuras, para fingir que se reforma; uma Região onde se derrama dinheiro nos problemas em lugar de o usar a prevenir esses problemas… será sempre uma região de pedintes, cada vez mais olhados com desconfiança por quem ainda vai dando as tais “esmolas”.

Assim, estamos como antes, mais do mesmo, com uma subtil diferença: os executantes são diferentes, mas que parecem pensar muito pior.

E se o socialismo é uma impossibilidade, o socialismo disfarçado é uma impossibilidade ainda maior.

 Haja saúde!

In Jornal Diário Insular, edição de 26 de julho de 2022


19 de julho de 2022

Entre São Bento e o Raton.

 

Desculpem-me os mais sensíveis, mas para o peditório de diabolizar os juízes do Tribunal Constitucional eu não dou. Por uma razão simples e que quem me lê e ouve há anos já terá percebido. Não temos outro texto constitucional que nos proteja dos apetites autoritárias e das derivas fascistas, sejam elas de que tipo forem e mesmo que sanitárias, como temos vindo assistir (Já agora, era tempo de acabar com as máscaras nos transportes públicos).

Goste-se ou não, é no Palácio Raton que residem as nossas garantias da separação de poderes, e é também nesse Tribunal que nos podemos estribar para vivermos, de facto e de direito, num Estado liberal, democrático e do direito. Os Juízes do Tribunal Constitucional são os fiscais da constitucionalidade das leis, são por isso o nosso último reduto, a nossa última guarda. Já bem basta a enorme quantidade de portarias e despachos que não lhes passam pelo crivo e que atropelam, diariamente, os nossos direitos, liberdades e garantias. Na realidade, zurzir nas decisões desses magistrados, sem antes fazer uma análise do processo legislativo, é a parte mais fácil e a que todos os politiqueiros e fazedores de opiniões fáceis, sem exceção, recorreram.

Na verdade, o centralismo está um pouco por todo o lado nas instituições, é um tumor que corrói o sistema político português. Desse centralismo, queixam-se as autonomias como se queixam outras regiões do país, assim como reclamam, dentro das Autonomias constitucionais insulares, os de umas ilhas em relação aos de outras ilhas. A ideia - muito europeia – da aplicação do princípio da subsidiariedade dos poderes e dos apoios, que derrama por cima para que chegue abaixo - como escrevi aqui a semana passada - está absolutamente errada, por ser ineficaz e até ineficiente. Os resultados estão à vista de qualquer um mais ou menos atento.

No caso em apreço, o da gestão partilhada do mar português, a questão a discutir, é mesmo o centralismo plasmado no texto constitucional. De nada serve “espernear” contra os juízes se eles apenas interpretam a lei fundamental, mesmo que tenha levado voto de vencido o seu Presidente, o que diz muito mais da figura em causa do que do conjunto dos seus pares, isso nunca pode servir de argumento para responsabilizar o Tribunal Constitucional. A nossa constituição é, de certo modo, centralista em relação a muitos aspetos que importam às autonomias constitucionais, que assim se chamam precisamente por serem decorrência desse texto.

O centralismo está, como se pode comprovar, no texto constitucional a autonomia que nos deram não foi uma concessão, foi apenas um rebuçado embrulhado em papel colorido reluzente com o qual nos contentamos mas que já não serve  - se é que alguma vez serviu - convenientemente os interesses do Povo Açoriano. É, por isso, urgente rever a constituição para conferir mais e melhores poderes às regiões autónomas. No entanto, isso só se faz com o acordo do PSD e do PS, esses são, na verdade, os dois partidos responsáveis pela existência de travões e entraves às autonomias, esses são os verdadeiros centralistas e disso não se podem esconder nem escapar por mais que queiram ou que lhes dê jeito eleitoralista. Viram-se contra os juízes. Pois é levar!

O verdadeiro e mais pernicioso centralismo está nos Deputados do PSD e do PS na Assembleia da República, os únicos que já podiam ter mudado o rumo de Portugal, mas não o fazem. O centralismo está em São Bento não está no Palácio Raton,  

Haja saúde.

In Jornal Diário Insular, edição do dia 10 de Julho de 2022

13 de julho de 2022

E vergonha Sr. Ministro?

 


António Costa e Silva foi apresentado à nação como uma espécie de guru que nos ia salvar a todos, de todos os males do “lock down covidesco”. Corria ainda o mês de junho de 2020, três meses apenas passados e já os estados-membros da União Europeia - essa organização internacional esdruxula - se apercebiam do preço que todos iriamos pagar pela cómoda decisão do “fique em casa pela sua suade”, tarde ou cedo essa máxima se transformaria no fique sem casa, sem emprego, sem trabalho. Rapidamente trataram de desenhar um programa de assistência económica e financeira que redundou naquilo que sempre redundam esses planos da União. Derramar dinheiro nos problemas, mas sempre de cima para baixo e bem peneirado que é para fazer jus à tal teoria da subsidiariedade que a Europa tanto propala, mas que não passa de um sistema de distribuição pelos que mais têm para tentar chegar à base depois de bem joeirado. Até mesmo a subsidiariedade nas competências tem tido esse resultado. Mas nas questões financeiras e económicas, a joeira tem a malha tão fina que na base os remediados estão a chegar ao ponto de serem quase indigentes. É um facto, apesar dos triliões de euros que os Estados-membro têm distribuído em apoios ao investimento e até à perca de rendimento, na base da pirâmide está um conjunto alargadíssimo de cidadãos para quem esses euros não passam de uma miragem e uma promessa vã.

O plano de Recuperação e Resiliência não é exceção a esse processo de dependência e redutora distribuição de recursos no seio da União Europeia.

Em debate radiofónico no Programa 2 Margens da Açores TSF, decorria junho desse ano 2020 sobre o PRR, Eu e o Pedro Arruda, na altura dissemos precisamente que ia acontecer isto que agora está a acontecer. O dinheiro do PRR não chegará sequer às empresas e muito menos às famílias. Apenas 2% das verbas não foram, até agora, gastas pelo Estado. Somos governados por medíocres porque os melhores não estão disponíveis para participar na vida pública.

Este Plano de Recuperação e Resiliência é um logro, uma mentira, é um plano de recuperação para uns poucos e de resiliência para a grande maioria dos portugueses onde se incluem os açorianos.

O tal António Costa e Silva, guru dos planos extraordinários que nos iriam fazer recuperar e que agora é ministro da economia veio dizer, entretanto, aos açorianos que o PRR foi desenhado sem ter em conta a dimensão das nossas empresas e a realidade das nossas Ilhas. Obrigado, António Costa e Silva por assumir o erro. Mas isso não nos traz mais pão para a boca, bem pelo contrário, retira algum.

Esse foi que mesmo António Costa e Silva que desenhou o PRR. Foi o incompetente, o incapaz que nos “venderam” como se fosse uma águia da gestão e da administração.  Aliás esse facto, mais comercial do que real, seria, de imediato, razão para a desconfiança de todos os Portugueses. Na verdade, os poderes, têm andado a “vender-nos” Dons Sebastião desde Alcácer Quibir e cada um é sempre pior que o outro.

Haja saúde.

In jornal Diário Insular, edição de 13 de julho de 2022


5 de julho de 2022

Uma tempestade perfeita

 

A escalada das taxas de juro, a subida das matérias-primas e a quebra das cadeias logísticas internacionais são fatores que, associados à estagnação do rendimento das famílias, constituem aquilo que se pode chamar de uma conjuntura potenciadora de instabilidade em uma boa parte da humanidade. Há depois ainda uma parte dela – dessa humanidade – que não sente os reflexos destas crises e conjunturas: é o mundo mais pobre, habituado a viver com pouco, a viver com quase nada daquilo que consideramos básico; é o mundo que sobrevive muito abaixo dos nossos padrões de pobreza extrema. É aquela parte do mundo que conta muito nos discursos dos altos-comissários e dos secretários-gerais das organizações internacionais, mas que, no fim das contas e desses palavreados fáceis e bonitos, conta com poucos recursos, os que deveriam chegar para essa gente ter um pouco mais de alimento e esperança. As organizações internacionais gastam-se nas suas estruturas burocráticas de tal forma que não lhes resta para cumprir o objeto da sua existência. Certo é que neste mundo ocidental em que vivemos, com especial atenção para a Europa que vai da Lusitânia aos Urais, isso pouco interessa desde que se mantenham as prebendas do status-quo. Dois fatores vieram revirar do avesso a vida pacata e ilusoriamente próspera em que vivíamos até 2008: a crise do subprime, com um abalo estrondoso do Bears  Stearnes, um gigante do crédito hipotecário Norte americano e o colapso do  Lehman Brothers e a crise das dívidas soberanas. O banco criado no século XIX pelos irmãos Lehaman era o 4.º maior dos Estados Unidos da América. A regulação internacional decorrente dos acordos de Basileia tinha imposto aos bancos centrais regras de concessão de crédito que limitavam muito os mercados, incentivando o garantismo das hipotecas imobiliárias. Ora se só havia no sistema financeiro dinheiro disponível para a habitação e consumo e para as dívidas soberanas foi precisamente aí que os bancos privados investiram. Ao invés do que ousam dizer os defensores da regulação, não foi por falta de regulação que o setor imobiliário cresceu especulativamente, nem, por isso, que os bancos faliram. Foi precisamente porque os bancos centrais os encaminharam para esse beco.

Na decorrência da crise financeira e na esteira da falta de liquidez dos mercados andavam os estados mais pobres a gastar por conta do futuro e a crise financeira rapidamente pôs a nu as chamadas dívidas soberanas. Desde então, aquilo a que chamamos mundo ocidental não mais recuperou, pois da crise financeira foi preciso tratar e a escolha dos estados foram medidas cada vez mais reguladoras e impostos, em vez de liberdade de empreender. Nalguns casos, como o português, aumentar impostos é como ordenhar uma vaca já seca: o que dela mais se pode esperar é um coice!

Foi mesmo isso que aconteceu. Os mercados não aguentaram as empresas e da crise financeira rapidamente passamos à crise económica e dai à crise social. Perderam-se milhares de postos de trabalho de cidadãos que hoje estão a produzir riqueza em países mais liberais como os Estados Unidos, o Canadá ou a Reino Unido. Dessa crise, de 2008, ainda não nos safamos, inventamos alguns bodes expiatórios, é certo, mas sair dela ainda não saímos – se bem que agora não estamos na fase financeira da crise, já chegamos à fase económica o que é muito mais difícil de resolver. O que se espera dos governos de hoje é rigor nos gastos e seriedade nas políticas laborais, de modo a recuperarmos a gente que perdemos e com isso fazermos crescer a nossa economia. Sem crescimento económico não há riqueza e sem riqueza não há estado. E é ao estado a que todos clamam nas horas difíceis.

 

Haja saúde!


In Jornal Diário Insular, edição de  05 de Julho de 2022

Arquivo do blogue