27 de março de 2019

Vai tarde



A estrela pop que deslumbrou os portugueses e se deslumbrou com Portugal há uma meia-dúzia de 300 dias, está então desiludida com os tratos de polé que os lusos lhe deram e classifica o nosso Povo como ingrato. Madona, ela mesma em carne e osso, mais osso que carne, afirma sermos um Povo ingrato por não a termos tratado com as vénias devidas a uma estrela da galáxia a que ela entende pertencer. Pois eu até acho que a dita estrela pop tem um certo jeito para a cantoria e um corpinho de fazer animar qualquer marialva luso, apesar de já ter tido melhores dias e a sua excessiva extravagância estragar muitas vezes o arranjinho.
Parece que no centro da discórdia está a pertinência de um autarca em não autorizar uma triunfante entrada equestre num palacete de uma vila histórica de Portugal. Ainda bem que restam resilientes e resistentes neste país onde, normalmente, os governantes se vergam a qualquer “biscareta” que fala estrangeiro.
Quanto à dita figura da música popular internacional apenas me resta desejar que faça boa viagem e que já devia ter ido ontem.

In Jornal Açoriano Oriental edição de 26 de Março de 2017

21 de março de 2019

Avante camaradas


O Secretário-Geral do PCP, numa entrevista recente recusou a possibilidade do regime coreano liderado por  Kim Jong-un ser uma ditadura. Na mesma série de respostas o camarada Jerónimo afirma que  Nicolas Maduro não é um ditador. Já, o putativo sucessor do metalúrgico na liderança do partido havia defendido que a Coreia do Norte não é uma ditadura. Para estes seguidores do camarada Estaline, a democracia é uma maçada e bom mesmo era chegar ao poder sem passar por eleições, a revolução assim era muito mais popular, nem que para isso fosse preciso exterminar todos os que se opusessem ao regime como fizeram os seus pais inspiradores, Lenine, Estaline, Mao, Ceausescu e por aí adiante. A Democracia contemporânea tem por garante a eleição, dos políticos, representantes do povo por escrutínio direto, universal e secreto. Qualquer regime que não passe por esse processo não é democrático. O que o PCP defende é a escolha dos poderes por uma espécie de grupo de supostos  sábios por conhecerem apenas uma verdade, o Comunismo. Essa gente está no governo de Portugal.


In Jornal Açoriano Oriental edição de 19 de Março de 2019

Poesia de intervenção

Sobre a poesia que hoje celebramos, sobre o centralismo que hoje combatemos e sobre  as ilusões que hoje vamos esbatendo no papel de "Velhos do Restelo", um poema de um grande da literatura Açoriana. Pedro da Silveira, o Pedro da Fajã Grande,  um Açoriano no Mundo, um dos poucos.



REQUIEM

Onde era a Vila com suas ruas e casas
agora é o asfalto do aeroporto.
Onde o Convento ainda a igreja
e talvez sernalhas e ratos
onde era a frescura do claustro.
Já não se vê onde morou James Mackay
e a Rua das Flores foi cortada ao meio.
O Avelar pegou de cabeça e outros
antes quiseram morrer que ver a morte,
cater-pillars e bull-dozers matando a Vila.
Mas onde tudo isso era e eles lá
e os plátanos da Praça e as araucárias
há cem anos guardando a paz das casas,
agora pousam aviões e há franceses.

Longe, numa cidade a que chamam Lisboa,
a Vila rendeu não sei quantos mil milhões
e mil nepotes sentam-se à mesa,
empunham facas e garfos, comem-na,
bebem-na, enfeitam-se, corneiam-se,
vão pensando se outras vilas – «lá na Ilha» –
ainda mais haverá para vender
a japoneses ou russos ou turcos
ou a um qualquer emir atomizado
da Arábia ou de Marte ou de Casa-do-Diabo.

Onde era a Vila não tem importância,
nem James Mackay, nem o Convento – nada!
Também eu se calhar serei vendido
e o preço (de saldo, claro está)
pode dar para dois rissóis com salada
e duas balas de peça

– que os políticos comem
e as fragatas decoram
Nossa Desgraça Lisboa.
            1972.

«Corografias», 1985

18 de março de 2019

Acima dos Açores só Deus.

Nesta mesma rubrica e na passada semana, com a ligeireza que a limitação de caracteres e a paciência do leitor exigem, abordei as questões do exercício da cidadania europeia como um veículo para garantirmos a nossa maior representatividade nos órgãos decisórios da União.
Essa representatividade nunca foi tão importante como agora, Na verdade, a simples possibilidade de vir a acontecer um Hard Brexit, desperta sensibilidades e faz soar campainhas de alarme por toda a Europa unida. A carta de Macron aos europeus da semana passada é bem um elucidário dos tempos que nos esperam e dos desafios que teremos que ultrapassar na construção da Europa tal como a desejaram os seus fundadores.
Na política caseira os poderes vão se descentralizando mas nem por isso se tornam mais hábeis ou mais democráticos ou, sequer, perdem os tiques de um centralismo metropolitano de outrora. Da São Caetano à Lapa, o PSD passou para a Guerra Junqueiro no Porto, mas nem por isso deixou de ser um partido centralista com o mesmo respeito pelas Autonomias constitucionais e pelos órgãos autónomos do próprio partido que tem um gato por um cão morto.
O PSD Açores não vai, pela primeira vez, ter um deputado europeu. Não vem qualquer mal ao mundo por isso, entre 1994 e 1999 o PS-Açores não teve um Deputado Europeu tendo delegado no então líder sindical José Manuel Torres Couto a função de representar os interesses dos Açores no PE, com recurso, inclusive, a um aluguer de casa de fachada em Ponta Delgada para, à boa maneira da construção de novas narrativas do socialismo autóctone, manter o fingimento. Torres Couto abandonou a política em 1999 por suspeitas de abusos na obtenção de verbas do Fundo Social Europeu, tendo sido absolvido, assim como todos os outros arguidos, já em finais de 2009 quando o processo chegou ao fim. A Ética republicana que enche a boca de muitos dos políticos de agora, naquela altura tocava nas consciências. Há coisas que não melhoraram com o tempo.
Recorde-se que, a falta desse deputado dos Açores no Partido Socialista Europeu não impediu o PS Açores, liderado por Carlos César a partir do final desse mesmo ano, de ganhar as eleições regionais que ocorreram sensivelmente dois anos depois na saudosa data de 13 de Outubro de 1996. Dai, a ideia de que esta foi uma pesada derrota para Alexandre Gaudência ser mais um wishful thinking da máquina socialista do que uma mera possibilidade.
Os Açores, não por serem periféricos, não por serem pobres, não por serem uma autonomia constitucional, não por ser Mota Amaral, apesar de também por isso tudo, deveriam estar representados sempre, em nome do interesse nacional, nas duas maiores famílias políticas do parlamento Europeu, o Partido Popular Europeu e o partido Socialista Europeu.
Essa “gentalha” que governa em Lisboa ou no Porto de olhos postos e boca aberta no Mar dos Açores, nas fontes hidrotermais, na mineração do mar profundo, na expansão da plataforma continental, na nossa posição geográfica como mais-valia para a nação na sua afirmação na economia azul, no espaço, na guerra nas alterações climáticas e todas essa demais parangonas que ao Povo dizem quase nada, sempre que tem uma oportunidade de tratar os Açores com desprezo fá-lo sem qualquer pejo.
O PSD dos Açores ameaça não fazer campanha eleitoral e não receber os candidatos, temo uma abstenção elevadíssima, vamos a votos, vamos nem que seja votar em branco para, tal como desafiei na passada semana, assim afirmarmos que aqui, no meio de Atlântico, tal como em 1975, somos uma aldeia de irredutíveis resistentes ao centralismo.
Não citarei Ciprião de Figueiredo neste particular até porque a feliz frase tomada pela Autonomia não é senão uma afirmação centralista, mas que o fogo abrase aqueles que se julgam acima dos Açores.

In Jornal Diário dos Açores edição de 17 de Março de 2019

11 de março de 2019

Exercer a Cidadania Europeia.


Anda por aí uma onda de indignação pela forma como o PSD de Rui Rio tratou o Dr. Mota Amaral no processo de escolha de candidatos às eleições europeias de Maio próximo. Onde essa que se compreende pelo estatuto do próprio, pela sua notoriedade nacional, pelo seu desempenho como europeísta, pela sua forma de estar na política, pelo simples facto de ser um político, no sentido mais purista do termo, e a europa neste momento difícil precisar mais de políticos do que de tecnocratas como aqui ou ali já escrevi e disse várias vezes.
No entanto, o que mais incomoda a classe político-partidária, em especial o PSD-Açores, não é o facto de Mota Amaral ter sido desconsiderado pelo PSD do Porto, mas tão só o facto de isso mesmo ser classificado como uma desconsideração pelos Açores. Lembro que já aconteceu no passado o Partido Socialista não ter um Açoriano em lugar elegível na lista nacional candidata às eleições europeias e não veio mal nenhum ao mundo por isso. A Madeira, com mais população do que os Açores, já esteve sem representação no parlamento Europeu.
Portugal e a Europa olham para nós (Açores) com especial bonomia e complacência. Na verdade, somos sobrevalorizados na nossa representatividade nos órgãos nacionais e europeus, desde as mais pequenas organizações ao mais alto nível da governação. Essa valorização não existe pelos nossos bonitos olhos, pela nossa posição geoestratégica (que só vale aos olhos de terceiros) ou pela nossa condição de ultraperiféricos, mas tão só pela nossa incapacidade de convergirmos até mesmo com os que estão em condições adversas como as nossas e distantes dos centros de decisão como nós estamos.
Mesmo a nível nacional, se consideramos a divisão administrativa por Distritos e os compararmos com as Regiões Autónomas, apenas 6 distritos têm menos habitantes do que os Açores, 3 têm aproximadamente o mesmo número e 10 têm mais do que os Açores sendo que 7 destes têm mais do dobro da população. Quer isso dizer que aplicada uma lógica (legitima) de representatividade numa lista nacional o primeiro candidato indicado pelas estruturas dos Açores iria, na melhor da hipóteses em 10º lugar da lista. Só uma logica de representatividade regional serve para sustentar, neste momento, que os Açores tenham candidatos em lugar elegível nas listas dos principais partidos.  Isso e o peso politico nacional do próprio candidato, como parece óbvio aconteceu num passado ainda recente com José Medeiros Ferreira.
Mas essa logica de representatividade pode ser alterada se a nossa participação cívica for maior do que a dos distritos com mais população que connosco “competem” por representação. Se votarmos mais, se participarmos mais nas questões europeias, melhor nos posicionamos no seio dos nossos respetivos partidos para a obtenção de lugares cimeiros nas listas. Se, ao invés, nos abstermos de participar civicamente nas decisões fundamentais para o nosso futuro, então aí perdemos as condições  de relevância que tanto buscamos.
Somos ou não cidadãos europeus? Queremos ou não sê-lo? Claro que somos e queremos ser. Só quem tenha estado muito desatento nos últimos 30 anos não percebe a importância que a União Europeia teve para o nosso desenvolvimento (ainda que não o tenhamos feito de forma tão célere e adequada quanto o desejado) . No entanto, não podemos olhar a Europa como apenas um financiador, a Europa não é nem pode ser para nós apenas o QREN e a discussão das “perspectivas financeiras” ou seja o planeamento financeiro plurianual da união, a cada 7 anos. O Projeto Europeu tem que ser participativo e uma das formas mais evidentes de manifestarmos esse nosso interesse em participar do projeto é precisamente na eleição dos parlamentares europeus.  Certamente não é com um nível da abstenção a rondar os 80% que vamos convencer os nossos parceiros nacionais e europeus da nossa importância e envolvimento na construção desta importantíssima organização internacional que é a União Europeia. Se, pelo contrário, conseguirmos convencer os eleitores de que a sua participação pode contribuir para mudar muita coisa, aí então estaremos no bom caminho para exigir seja de quem for, a nossa representatividade.

In jornal Diário dos Açores edição de 10 de Março de 2019



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