1 de novembro de 2022

Cara Úrsula

 

Perdoa-me o “tutear” mas entras tantas vezes pela minha casa dentro que já sinto alguma intimidade. Eu vivo numa região ultraperiférica, no meio do Atlântico a uma distância de 2 horas de Avião de Lisboa e a 4 de Nova Yorque. Chamam-se Açores e são 9 ilhas dispersas e que distam entre si 800 km em linha reta. Somos ilhas pobres, sem recursos endógenos e sem acesso aos mercados com a facilidade que têm os europeus continentais. Tal como nós há mais umas quantas regiões da Europa política que estão fora da Europa geográfica e que padecem dos mesmos problemas ou de outros que, sendo diferentes, não são menos constrangedores do desenvolvimento socioeconómico. Guadalupe, Guiana Francesa, Martinica, Reunião, Saint-Barthélemy, Saint-Martin, Madeira, Canárias e Açores , de acordo com o tratado da União, artigo 299º, são Regiões Ultraperiféricas (RUP). Talvez já tenhas ouvido falar delas, estão enunciadas também no Artigo 349º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Sabes Úrsula? Aí nos corredores da centralidade belga onde te movimentas cometem-se os mesmos erros que nós por aqui, na nossa política doméstica, tendemos a olhar as grandes questões e deixamos a coisas pequenas por resolver, acontece porém,  que são as coisas pequenas que nos trazem os maiores constrangimentos e são as coisas pequenas que tratam de descredibilizar o papel dos políticos na solução da vida das pessoas que lhes pagam os ordenados.  Eu vou-me debruçar só sobre os que me dizem respeito e preocupação e que são os cidadãos da União Europeia que residem nos Açores e esta minha carta aberta em jeito de artigo de opinião, que certamente nem saberás da sua existência, não é apenas um alerta para ti Úrsula mas também para todos aqueles Açorianos que se deslumbram com as tuas políticas e que se satisfazem com as “tuas” esmolas. Cara Úrsula, há dias entraste pela casa dentro dos Açoreanos preocupada com a Ucrânia e com a economia daquele país terceiro e anunciaste 1,5 biliões de euros (acho que nem sei escrever este número) por mês durante o próximo ano de ajudas da União Europeia à Ucrânia. Eu percebo, é a tal perspetiva de que é preciso olhar os grandes problemas e que depois os pequenos se resolvem por subsidiariedade. Lamento dizer-te Úrsula, essa receita não tem funcionado, nós todos, em toda a Europa, estamos cada vez mais pobres, vivemos pior, temos menos recursos, menos qualidade de vida e somos cada vez mais escravos sem grilhões à vista. Os grilhões silenciosos escondidos e as correntes invisíveis dos regulamentos e das vossas políticas restritivas das nossas liberdades individuais - cara Úrsula - São bem piores do que aqueles que, sendo visíveis, vos envergonham.

Cara Úrsula, em 2012 quando estávamos em recuperação da crise em que as grandes economias mundiais nos lançaram e que os governos tenderam a políticas ainda mais reguladoras e portanto mais restritivas para as nossas parcas economias, um banqueiro Português com nome estrangeiro por sinal, dizia que o Povo aguentaria mais um esforço, “ai aguenta, aguenta” dizia esse “senhor” da finança. Facto é que o Povo aguentou, empobreceu, uns emigraram, outros mataram-se, alguns morreram de fome, mas os que ficaram, à semelhança dos que por cá vivem desde sempre e sendo portugueses desde 1143, aguentaram. Não vamos é continuar a aguentar muito mais. No caso aqui destas Ilhas que dão dimensão atlântica à Europa (sabes isso o que é não sabes Úrsula?) não temos outro remédio se não aguentar mais algum tempo, imagina tu  que até emigrar é mais caro para um açoriano do que para um qualquer continental seja ele espanhol, grego ou português. Por isso, Úrsula, preocupa-me essa forma como a Europa que tu diriges nos encaminha para um perigoso caminho e nos entrega na mão daqueles a que vocês burocratas dos corredores e do “bruxelês”, eufemisticamente, apelidam de “populistas”. Cara Úrsula, anunciares 1,5 Biliões de euros de apoio mensal à Ucrânia e saber o que eu sei sobre a pobreza dos Açorianos, não choca, chega a enojar e é por coisas como esta e outras parecidas que surgem os tais movimentos ideológicos que abrangem os regionalismos radicais, os nacionalismos e os extremismos populistas sejam à esquerda sejam à direita, pode dizer-se sem qualquer sombra de dúvida que eles decorrem de um certo falhanço do denominado “Grande Centrão”, e se é verdade que o processo de construção da União europeia cumpriu a sua função de contribuir para a paz na Europa, falhou socialmente e continua a falhar com uma boa maquia dos seus cidadãos.

Haja saúde.

 In jornal Diário Insular edição de 01 de novembro de 2022


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