30 de agosto de 2022

António, Bispo de Angra

 

Foi assim que assinou até ao dia da sua partida para a dimensão celeste. Se tivesse que atribuir um cognome a D. António esse seria O Evangelizador. Diz o Povo, este nosso Povo ao qual me orgulho enormemente de pertencer, do alto da sua gigantesca cátedra tarimbeira que “santos da casa não fazem milagres”. Este foi mais um caso que não fugiu à regra, D. António foi um Bispo acarinhado por muitos, mas não foi justamente apoiado em muitas das suas missões nesta Diocese. É verdade que a sua missão não era fácil. Suceder a D. Aurélio e nos tempos que corriam e correm e com a relação que a Igreja tem assumido com sociedade açoriana e a resposta que esta tem dado às solicitações daquela nas últimas décadas, era tarefa hercúlea. Mesmo internamente a vida de D. António não foi facilitada. Na verdade, muitos dos clérigos que hoje, tecem loas à sua pessoa, não foram colaborantes enquanto este esteve em funções.

Ainda antes da criação da diocese que ocorre em 1534, remonta ao tempo do designado “grande castigo” em Vila Franca do Campo, outubro de 1522, o início de uma manifestação de fé inigualável entre as gentes da ilha de São Miguel – as Romarias Quaresmais. Desde então, todos os anos, ranchos de homens de quase todas as freguesias, percorrem, durante uma semana os caminhos da ilha rezando em todas as igrejas. Este fenómeno religioso de pendor popular, com 500 anos de existência, nem sempre foi bem aceite pelo clero. D. António foi um dos seus grandes defensores, apenas privei com o Bispo de Angra uma vez e por pouquíssimo tempo, mas jamais poderei esquecer o momento em que, humildemente se juntou a um rancho de romeiros de São Miguel na sua caminhada de fé e esperança. Só quem vive uma romaria por dentro pode aferir da sua importância e do seu potencial evangelizador, alguns Padres já o fazem e já o entendem, mas isso só acontece de há  poucos anos a esta parte.

Sem nunca perdermos de vista as questões que se prendem com a história das Romarias Quaresmais da Ilha de São Miguel, sem sequer negarmos a sua origem na inexplicabilidade dos fenómenos telúricos de então e que hoje se explicam pelo conhecimento científico, devemos olhar as nossas romarias sempre concentrados na espiritualidade, na religiosidade, na fé que nos guia e menos no facto de estarmos a cumprir uma tradição, era assim que D, António pensava a Romaria Quaresmal dos Romeiros de São Miguel.

Nós açorianos, enquanto Povo perseverante, que foi capaz de se manter nestas ilhas de cujas entranhas arrancou as pedras, as ervas daninhas e as silvas em busca do solo arável num trabalho colossal,  também fomos e somos capazes de arrancar de dentro de nós as pedras da inveja, as ervas daninhas da  avareza e as “silvas do pecado” para encontrarmos na nossa mente a paz desejável e a capacidade de partilha e de caridade que faz da nossa comunidade um lugar melhor. Nós, Povo eleito, que foi capaz de enfrentar os desafios da natureza, suportou, ventos, chuvas e demais tormentas, para produzir e alimentar o seu corpo, saberemos também reunir as nossas forças para encontrar através da oração o alimento que tanto necessita a nossa Alma.

Foi, certamente, ciente do potencial evangelizador das romarias quaresmais que, D. António de Sousa Braga as acarinhou como nenhum outro bispo de Angra alguma vez o havia feito. Na verdade, nos tempos que correm, mais do que uma penitência, mais do que o cumprir de uma promessa por agradecimento por uma graça recebida, a Romaria Quaresmal é um instrumento fundamental para a evangelização. A fé que, ao longo de uma semana, ao longo das estradas e caminhos aqueles que se cruzam com um rancho de romeiros nele depositam é enorme. Dai que, algum clero que, durante muito tempo se arredou das Romarias, recentemente se tenha aproximado e acarinhado esta gigantesca manifestação de fé popular. Diz-nos o evangelista Mateus:  "Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida! E são poucos os que o encontram". Para um romeiro é essa busca do caminho da vida, da porta de entrada nesse lugar de paz que o leva à estrada todos os anos, é essa evangelização diária, permanente, que tem obrigação de fazer junto daqueles que em nele depositam fé e esperança, D. António foi um Bispo, foi Romeiro  e por isso foi o Bispo Evangelizador.

 Haja saúde

In Jornal Diário Insular, edição do dia 30 de agosto de 2020

 

 


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