3 de agosto de 2022

Das clientelas e do caciquismo no século XXI

 

Nos nossos Açores, de há anos a esta parte, o exercício da construção de clientelas políticas (mais até do que a pequena corrupção, também ela existente) tem sido um dos mais perniciosos problemas da democracia. Aliás, as clientelas caciques são uma prática que tem destruído a confiança dos cidadãos eleitores em relação aos seus eleitos e, principalmente, em relação ao seu Governo, que decorre do Parlamento, mas que, muitas vezes, não o respeita.

O clientelismo “caciquista” tem sido confundido com a própria corrupção. O prosseguimento dessas práticas e desse desrespeito pela Assembleia é também um desrespeito pelo espírito em que o Povo elege os seus legais e legítimos representantes, os Deputados. Muitos dos eleitos, uma vez no poder, alteram a sua forma de atuação em relação àquilo que apregoavam para cativar o voto dos eleitores, quando estavam na oposição. Há mesmo quem faça o contrário do que apregoa. E, por isso, diz o Povo, do alto da sua sabedoria, que “bem prega Frei Tomas, faz o que ele diz, não faças o que ele faz”.

São essas más práticas que levam a outra frase tantas vezes ouvida da boca de quem alimenta esperanças e as vê perdidas em vãs quimeras: “são todos iguais”! Lamento mas não, não são todos iguais. E essa é a desculpa que muitos usam, ora para não cumprirem o seu dever cívico de votar, ora para continuarem a votar nos mesmos do costume, porque chegam à conclusão que mudar para ficar tudo na mesma, mais vale que fique assim como está.

Há pouco mais de um ano, o Vice-presidente do Governo Regional entendeu criar uma delegação do seu departamento na Ilha do Corvo. Acreditamos todos que não seria apenas uma necessidade de criar clientelas políticas, mas sim uma questão operacional. Muitos duvidaram da boa-fé. Os que melhor conhecem a figura logo desconfiaram que seria para criar um lugarzinho para servir a alguém que o servisse a ele próprio e aos seus intentos. Mas parece que a nomeada, afinal, não era assim tão disponível a servir o chefe. Na verdade, um ano e meio depois, o lugar foi extinto e a tal não cliente despedida. Dizem as más-línguas que o caso ocorre, depois da mãe da tal não cliente ter apoiado a manifestação a favor do médico António Salgado. Pois, então, eu que não acredito em coincidências, nem em bruxas, fico perplexo com a velocidade com que o Sr. Vice-presidente mudou de opinião sobre a necessidade dos departamentos da sua responsabilidade na mais pequena ilha do arquipélago. Bastou ano e meio para o Sr. Vice-presidente do Governo, Dr. Artur Lima, ter percebido que o Corvo não necessitava de uma delegada dos seus serviços. Mais lesto do que Paulo Estevão, muito mais lesto, mas não menos malévolo.

Todo esse episódio aconteceu, ao mesmo tempo, que o Sr. Secretário da Saúde, através de uma mensagem numa rede social, se regozijava, em tom de reclamação, dos vira-casacas e do excesso de liberdade de expressão desses mesmos vira-casacas. Vivemos numa Região onde as pessoas podem falar à vontade. Era o que mais faltava!

O clientelismo político é um dos mecanismos mais perniciosos da nossa democracia e quando os Açorianos foram às urnas, em 2020, disseram que esta era uma das coisas com que queriam acabar.

Interrogam-se muitos, com certeza, por que razão faço esta interpretação dos votos dos Açorianos? Precisamente, porque alguns dos principais protagonistas dessas eleições viram reforçadas as suas posições. Foram os que mais combateram essas práticas, num passado ainda recente, que, na prática, e chegados ao poder, fizeram tudo aquilo que criticavam no partido que governou os Açores nos últimos 24 anos.

Por este andar muitas mais coisas destas sucederão nos próximos tempos, porque alguma dessa gente não estava preparada para governar e não tem estrutura moral para ter poder.

Será que vamos ter mesmo que continuar muito mais tempo a ser governados por gente desta?

Numa coisa o povo tem razão, quando diz que "são todos iguais": nos votos, o povo tem mantido uma tendência igualitária de votar sempre nos mesmos... Depois não nos podemos queixar!

Haja saúde.

in Jornal Diário Insular, edição de 02 de  Agosto de 2022


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