25 de agosto de 2022

A tirania da mediocridade

 

Ao longo das minhas cogitações trazidas a público, não raras vezes, tenho refletido sobre o deficiente estudo das humanidades e o desprezo que as sociedades tecnocráticas contemporâneas têm manifestado pelas disciplinas que nos ajudam a entender o comportamento humano em sociedade. Na verdade, a ideia de que a sociologia, a história ou a filosofia, para só citar algumas, são ciências do passado que nada podem fazer pelo presente foi passada pelos tecnocratas dos anos 90 do século XX e pelos apologistas dessa tecnocracia dominadora que dá pelo nome de “estudos económicos e financeiros”. Ora nada há de mais falacioso do que acreditar que pode haver estudos económicos sem o devido conhecimento dos comportamentos humanos que nos dão, não só, a história como sobretudo a sociologia e a filosofia. Entender o porquê do aparecimento de algumas correntes da filosofia política e perceber que hoje persistem questões do passado, da modernidade, que carecem de ser reestudadas e readaptadas é fundamental para a melhoria da literacia política e consequente construção de uma sociedade mais esclarecida e logo de melhores cidadãos, mais exigentes com os eleitos e mais intolerantes com os seus erros na mesma proporção que devem ser mais tolerantes com os seus pares. O pauperismo da política regional é apenas uma das muitas fragilidades dos Açores de hoje. Verdadeiramente, não se compram livros, não se vai o teatro porque não o há e se existe é uma coisa sem ideias. Nos cafés ou noPasseio Publico” que em tempos era a “avenida de cú pró mar” e que hoje são as redes sociais virtuais, o mesmo enfado, a mesma ausência de conhecimentos, o debate do imediato sem consequência e sem um sentido de bem-comum. A conclusão assusta o mais benévolo dos leitores. Os desencantos de hoje, são ainda mais assustadores se nos centrarmos no que escreveram e sobre o que se debruçaram os principais filósofos pós-modernos. Nietzsche, por exemplo, um dos principais exemplos desse pensamento e um dos seus críticos mais acérrimos, lido com as devidas recolocações geográficas e temporais, está tão atual que chega a assustar. Assim como, se revisitarmos Eça de Queiróz, Ramalho Ortigão ou Antero, isso para citar apenas alguns dos nossos melhores, veremos que os problemas nacionais de oitocentos permanecem na atualidade. Mas recentrando estas minhas lucubrações no desprezo pelo estudo das humanidades e na apologia das tecnocracias, a crítica nietzschiana acaba mesmo por abranger os fundamentos da razão, considerando que ”o erro e o devaneio estão na base dos processos cognitivos e que a fé na ciência, como qualquer fé em verdades absolutas, não passa de uma quimera”. Ora, “in our days” é precisamente a libertação dessas quimeras, que não passam de mentiras vendidas a néscios, que temos que nos libertar e construir uma sociedade de verdade, livre de plutocratas bem-falantes que nos vendem ilusões e “amanhãs que cantam” mantendo numa espécie de limbo lírico coletivo uma maioria trabalhadora e sacrificada em prol do bem-estar de uns poucos. Um político Regional de enorme craveira dizia em tempos, que era preciso acabar com os gastos em “violas e brasileiras” o que foi entendível por alguns como o fim de uma época de “pão e circo” como na Roma antiga na sua fase de decadência. Nada disso acabou, bem pelo contrário, até há quem por aí defenda mais circo e mais forró e até mais pão sob a forma de esmola que é para os contribuintes ficarem satisfeitos como se essas esmolas não viessem do trabalho deles próprios transformado em taxas e impostos. Na verdade, menos circo significa mais pão, mas não pela via da distribuição ao jeito do socialismo de bodo, mas sim por via do crescimento económico e do desenvolvimento social e cultural que aqui se preconiza. Só com uma sociedade mais culta, mais informada e mais humanizada se pode garantir que são escolhidos os melhores e há um verdadeiro escrutínio da governação e das decisões dos eleitos e escolhidos. Caso contrário, viveremos como já vivemos recentemente numa espécie de tirania liderada pelos piores.   Com efeito, e ainda centrado em Nietzsche, a decadência do ocidente começou quando o discurso filosófico, depois de Sócrates, se afastou das virtudes da verdade e se deixou substituir pela propaganda, ou seja, por um discurso das aparências, enganador e ilusório, que transforma a realidade autêntica em metáforas ocas. 

Haja saúde


In Jornal Diário Insular, edição de 23 de agosto de 2022

 

 


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