4 de outubro de 2022

E ainda nem vamos a meio caminho

 

Não! Na verdade não temos turistas em demasia nem a nossa região se pode classificar como um destino de massas. Mais: quem assim a classifica, sendo os mesmos que reclamam dos preços altos atingidos nas viaturas de aluguer sem condutor e nos alojamentos, entra numa contradição. Na verdade, a massificação do turismo ou a “turisficação”, como agora usam dizer, só o é quando o destino é desbaratado o que, na realidade, não acontece nos Açores. Ainda!

No entanto, há que tomar medidas para garantir que não crescemos demasiado rápido e que garantimos uma consolidação da notoriedade do destino e um bom desempenho social do sector, o turismo só é um sector interessante se for bom para os residentes, caso contrário torna-se altamente pernicioso. Ou seja, há que garantir que não perdemos clientes por deixarmos de ser conhecidos e que este fluxo nos garanta a venda de bens e serviços que permitam uma remuneração dos profissionais de turismo e do chamado canal “horeca” capaz de nos tirar da situação embaraçosa em que as nossas finanças regionais se encontram e capaz de garantir um bom nível de vida a esses trabalhadores e cidadãos em geral.

O turismo é uma indústria da contemporaneidade, quase todos opinam sobre ela mas poucos a conhecem e poucos têm dela uma visão geral capaz de olhar com honestidade intelectual e distanciamento suficientes para fazer uma análise crítica. Até mesmo muitos operadores, hoteleiros, animadores e guias têm opiniões diferentes sobre o assunto, uns sabem bastante outros nem por isso e outros ainda nem fazem ideia do que estão a fazer nesta indústria.

Uma das questões que mais preocupa o sector e todos os sectores económicos dos Açores é a falta de mão-de-obra, tenho-o ouvido por todo o lado onde ando e saibam que ando mesmo por todo o lado e falando com todos os sectores. Até há uns anos dizia-se que faltava de mão-de-obra qualificada e houve uma aposta forte nessa qualificação, estão em Londres no Luxemburgo, em Toronto ou nos arredores de Boston. Saíram, na sua grande maioria, na crise de 2008 e durante a intervenção da troika depois da bancarrota de José Sócrates e Teixeira dos Santos. Triste sina a deste país que segue procrastinado. Hoje, já nem se fala de gente sem qualificações, fala-se mesmo é de falta de gente. Até no sector público há falta de trabalhadores e candidatos, principalmente para tarefas sazonais mesmo que com garantias de terem direito ao fundo de desemprego na ápoca baixa. A SATA, por exemplo, teve dificuldades de contratação de pessoal para os aeroportos das ilhas mais pequenas para a sua operação de verão. Isso era impensável há pouco mais de três anos.

Alguns entendem que temos que importar mão-de-obra. Não acredito numa solução dessas. Não é a opção e seria um passo para a tal massificação. O que precisamos é de consolidar e crescer com exigências de qualidade para podermos viver todos melhor.

Uma larga maioria do investimento efetuado neste sector nos últimos anos, desde qualificação de ativos, promoção do destino, construção de unidades hoteleiras, restaurantes, carrinhas, autocarros, infraestruturas e mais e mais, foi financiado por fundos da região e da união europeia, ou seja, são fruto de uma intervenção macro do estado/região. Há quem reclame mais investimento e mais apoios públicos para potenciar mais investimento, o Partido Socialista por exemplo tem “cavalgado” essa ideia, nada de mais errado. Continuar a promover investimento em novas unidades hoteleiras e novos restaurantes é continuar no caminho do empobrecimento de uma larga maioria da população e ao enriquecimento medíocre de uns poucos. Foi esse caminho que o socialismo da chamada terceira via seguiu e que nos trouxe ao estado de endividamento em que nos encontramos e que periga inclusive a própria autonomia regional. É preciso mudar para que os resultados sejam diferentes.

A única via de consolidarmos o sector e garantirmos um crescimento sustentável economicamente, ambientalmente e socialmente é abrandando o nível de subsidiação às empresas e ao investimento. As empresas, tal como os indivíduos, também se viciam em subsídios e essa é a nossa realidade, temos um sector empresarial dependente do erário publico. Só abrandando esse nível de investimentos se garante que haverá crescimento da procura nas ilhas que ainda têm capacidade de alojamento e só abrandando teremos números que nos permitam avaliar sobre as políticas de qualificação e valorização do trabalho. De outra forma estaremos apenas empurrar para diante um problema que alguém mais tarde não só nos irá cobrar como não terá reverso possível. A escolha é nossa, saibamos fazê-la.

 Haja saúde!

In  jornal Diário Insular edição de 4 de outubro de 2022


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