29 de maio de 2018

Coluna Liberal - Jornal Diário dos Açores 25 de Maio de 2018



Passado o inverno começam as corridas de bicicletas. Mas uma está em curso há já uns anos.
Nela, há algum tempo atrás vinham os ciclistas a subir a montanha. Uns “trepadores” à frente, depois estendia-se o pelotão, mas todos progredindo com custo, naturalmente mais devagar do que tinham rolado antes na planície. Para trás do pelotão, quatro atletas começaram a arrastar-se até tenderem a cair para a berma.
Num último fôlego gritaram por socorro. Os diretores das outras equipas disseram “Solidariamente, não podemos abandoná-los”, enquanto pensavam que sem concorrentes suficientes nem haveria prova para eles ganharem. Pelo que mandaram os seus carros irem rebocá-los até perto do cume da montanha.
Quando lá chegaram, o candidato a diretor de uma destas equipas atrasadas inchou o peito e bradou “Não chega! Vocês têm é que pôr o nosso ciclista ao nível de todos por igual!” Os outros diretores nem lhe responderam. Mas o povo da vila que se fazia representar por essa equipa gostou da voz grossa, mais ainda do sonho de participar do pelotão, e nomearam-no novo diretor de equipa.
Entretanto o pelotão já descia disparado o outro lado da montanha, incluindo dois dos anteriores ciclistas atrasados. Enquanto os mais fortes, ao longe na planície em frente, rolavam de novo a velocidade de cruzeiro.
Ainda atrás na montanha, salvo numa retazinha em que fosse por aproveitar um passageiro sopro de vento, fosse por outra razão pontual qualquer, o nosso ciclista conseguiu rolar um pouco mais depressa do que a maioria dos atletas à frente, o caso é que na descida, como antes na subida, a distância entre ele e o pelotão tendeu a aumentar. Ficava em risco o lugar do novo diretor…
Mas não fosse este aclamado pelos repórteres desportivos como o mais habilidoso dos chefes de equipa!
O qual iluminou os espetadores exclamando “Vejam como estamos a descer a montanha a uma velocidade muito superior àquela… a que a subimos!”
Uns poucos ainda se surpreenderam com a comparação. Mas foram abafados pela maioria em volta que exclamava extasiada “Há que tempos não rolávamos tão depressa! Nem na planície lá atrás, mas especialmente no tempo daquele incompetente que nos dirigiu na subida. Com o nosso novo querido chefe estamos melhores do que nunca estivemos!”.
E os diretores das outras equipas aplaudiram, fazendo um sorrisinho para o lado: iria continuar a haver gente para as corridas, e, com concorrentes desse calibre, eles (os das outras equipas) iriam continuar a ganhá-las. Tinha valido a pena mandarem o reboque de socorro.
Não sei se chegaram a sobressaltar-se com o que aconteceu em seguida. Mas logo se terão tranquilizado, pois o senhor diretor tirou da cartola outra habilidade ainda que soou mais alto do que a seguinte denúncia por alguns:
“A corrida é, em cada parte dela, entre nós e os outros ciclistas. Não é entre agora nós-na-descida e antes nós-na-subida… Ora estamos a ficar cada vez mais para trás deles”.
Mal ouviu as primeiras palavras, o senhor diretor mandou pôr uma cabeleira que tapasse a cara do seu ciclista, e pintar-lhe uns olhos, nariz e boca na nuca. O homem parecia agora virado no sentido inverso.
“Portanto, vamos é à frente da corrida! E o espaço crescente entre nós e o pelotão é espaço que lhes estamos a ganhar. Viva o fim da austeridade de resultados!” – e magotes de gente largaram foguetes a festejar o fim da austeridade.
Sua excelência o senhor diretor sorriu então satisfeito. Podia vir aí a planície, poderia até vir alguma nova montanha, ele e os seus tinham os lugares garantidos.
E pouco importam pormenores como, por exemplo, o povo da vila estar convencido de que um antigo diretor tinha roubado tudo o que pudera enquanto não (!) preparava a equipa para a subida anterior; sabendo o povo que o atual diretor tinha sido então o principal adjunto, assim como metade dos que agora o acompanham ali tinham feito o tirocínio. Ou que o povo venha a saber dos negócios de especulação imobiliária do senhor diretor, que o senhor diretor declara imorais quando feitos por outros, etc. Pois basta que um adjunto, aquele que puseram a presidir à assembleia municipal, venha anunciar que o que põe em causa a vila não são roubos nem atrasos pintados em tons de conquista, mas sim umas cenas de pancada no clube da lagartixa verde, para a indignação de todos logo se voltar para ali.
Enquanto assim for, tem pois sua excelência razão em sorrir satisfeito. Os seus lugares estarão seguros.


Publicado no Jornal Diário dos Açores edição de 25 de maio de 2018.

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